O emprego formal cresceu em 2019 mas está abaixo do montante de 2012, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“O trabalho é a base da riqueza das nações”
Adam Smith (1776)
[EcoDebate] Houve criação de 644 mil vagas de trabalho no Brasil em 2019, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho. No ano passado, houve redução do emprego formal apenas nos meses de março (-43 mil postos) e dezembro (-307 mil postos), mas crescimento nos outros 10 meses. Contudo, nos últimos 5 anos o saldo é negativo, como pode ser visto no gráfico abaixo.
O estoque de emprego formal que era de 22,8 milhões de postos em dezembro de 2002 apresentou um grande aumento durante a época do superciclo das commodities e chegou a 40,8 milhões de postos em dezembro de 2014, conforme o gráfico abaixo. Mas este período áureo para mercado de trabalho ficou no passado e o estoque de emprego decresceu desde as eleições presidenciais de 2014.
Depois da forte recessão que se abateu sobre o país, o estoque de emprego formal caiu para 37,9 milhões de postos, em dezembro de 2016 e 2017. A lenta recuperação que se seguiu não foi capaz de recuperar a totalidade dos empregos perdidos. O volume de emprego formal em dezembro de 2019 foi de apenas 39 milhões de postos. Em relação a dezembro de 2014 (quando existiam 40,8 milhões de postos de trabalho) o déficit atual é de 1,8 milhões de vagas. Em relação a novembro de 2014 (41,3 milhões) o déficit é de 2,3 milhões de postos de trabalho.
Os empregos formais, em geral, são os mais produtivos e os que garantem mais direitos trabalhistas e sociais. Mas um volume abaixo de 40 milhões de pessoas incorporadas no mercado formal é um dado preocupante para um país com uma população total tão grande.
O Brasil tem uma população de cerca de 209 milhões de habitantes. Em números redondos, a População em Idade Ativa (PIA) está em torno de 171 milhões, a População Economicamente ativa (PEA) está em 106 milhões e a População Ocupada (PO) em 93 milhões de pessoas. Há cerca de 13 milhões de pessoas desempregadas e quase 30 milhões de desempregados ou subutilizados (ou seja, 30 milhões de pessoas que poderiam estar no mercado de trabalho formal ou informal mas não conseguem a mínima inserção cidadã). Assim, o Brasil tem apenas 45% da população total ocupada, enquanto a China e o Vietnã possuem mais de 55% da população total ocupada.
O trabalho é a fonte da riqueza das nações como disse Adam Smith, em 1776, e repetiu Karl Marx ao longo do século XIX. Nenhum país consegue progredir para os níveis mais altos do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) se desperdiçar o seu potencial de trabalho.
O triste é que o Brasil está jogando fora o potencial de uma parte importante da sua força de trabalho no pior momento. Nas recessões anteriores do Brasil, como as ocorridas em 1981-83, no governo do general Figueiredo, e de 1989-91, nos governos Sarney e Collor, a perda de emprego foi grande no período de maior queda do PIB, mas a recuperação foi rápida e a geração de emprego foi alta após a retomada da atividade econômica.
Outra fonte de preocupação é que uma das grandes perdas do emprego ocorreu no setor industrial e a retomada está sendo mais lenta ainda nesta área. De fato, o Brasil passa por um forte processo de desindustrialização que vem desde a década de 1980. A Industria de Transformação que chegou a ser responsável por 21,8% do PIB no início da Nova República (1985), caiu bastante nos governos Sarney e Collor, subiu um pouco no governo Itamar, voltou a cair durante o Plano Real no primeiro governo FHC e subiu no segundo FHC e no início do governo Lula. Porém, a desindustrialização precoce se acelerou no segundo governo Lula e nos 5,5 anos dos governos Dilma. E nada mudou nos governos seguintes. O gráfico abaixo mostra que a recuperação de empregos na indústria de transformação foi pífia nos anos de 2018 e 2019. Somente o setor de serviços (com alta percentagem de empregos informais e de baixa produtividade) conseguiu gerar postos de trabalho, mesmo que de forma limitada.
Tido isto mostra que, depois da crise de 2014 a 2016, o mercado de trabalho ainda não recuperou o nível de ocupação pré-recessão e a lenta criação de emprego, dos últimos 3 anos, basicamente, ocorreu em setores de baixa produtividade, pois o emprego formal e com carteira de trabalho decepciona e não avança com a rapidez necessária.
A crise do mercado de trabalho na presente década, praticamente, significa a perda do futuro do país e do futuro não só da juventude atual (que sofre mais que proporcionalmente com a escassez de oportunidades de trabalho) mas do futuro das gerações que ainda vão nascer e que vão herdar mais problemas do que soluções.
Significa também que os idosos serão prejudicados, já que sem o aumento do número de contribuintes o déficit da previdência vai aumentar e sem uma solidariedade intergeracional não há como garantir boas condições de vida no envelhecimento populacional que vai ser a marca da dinâmica demográfica brasileira no século XXI.
O Brasil está em uma trajetória submergente durante todo o período da Nova República. O passo fundamental para mudar esta triste página da história brasileira é possibilitar que cada cidadã e cidadão possa ter orgulho de estar trabalhando para se sustentar e para garantir a sustentabilidade econômica e ambiental do país. O Brasil poderia ter uma população ocupada de pelo menos 120 milhões, mas ocupa menos de 94 milhões de pessoas, além de ter empregos de baixa qualificação.
O trabalho produtivo é a base da riqueza das nações e o pleno emprego e o trabalho decente deveriam ser a prioridade número um do país. O direito ao trabalho é o direito humano mais desrespeitado atualmente no Brasil. Sem trabalho para todos, os demais direitos ficam comprometidos, a economia não melhora e a qualidade de vida tende a cair para toda a população nacional.
O Brasil está desperdiçando o melhor momento da sua estrutura etária. Aproveitar o bônus demográfico seria o passaporte para garantir um futuro de maior prosperidade do país. Mas desperdiçar o bônus demográfico é jogar fora uma oportunidade única da história.
O Brasil já cresce menos que a média mundial desde os anos 1980 e pode ficar eternamente preso na armadilha da renda média. Ou seja, a nação brasileira pode ter um futuro sem progresso. Ou até pior, um futuro de retrocesso.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/02/2020
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