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O que está por trás da crise da água no Rio

 

O que está por trás da crise da água no Rio

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Há três semanas, muitos cariocas lidam com água turva e malcheirosa saindo das torneiras, enquanto nos mercados o preço da água mineral assusta consumidores. Crise traz temor de consequências graves para saúde pública.

A reportagem é de Thomas Milz, publicada por Deutsche Welle, 21-01-2020.

No bairro Campo Grande, na zona oeste do Rio de JaneiroElton Luiz vai de supermercado em supermercado em busca de água mineral, mas na maioria das lojas as prateleiras estão vazias. E, quando encontra, o preço é bem salgado. “O galão de água que custava cerca de oito reais agora está custando entre 20 e 25 reais. Os supermercados estão se aproveitando do momento”, diz o taxista à DW Brasil.

Desde o início de janeiro, Elton e seus vizinhos têm que se arranjar com a água que sai da torneira praticamente inutilizável. “No início, a água veio suja, amarela. Agora é branca, normal, mas fede e tem um gosto diferente.” O taxista conta que, após o banho que tomou de manhã, se sentiu mais sujo do que antes. Seu filho Mateus, de 25 anos, está doente há cinco cincos dias, com diarreia.

Para a família, a atual crise da água tem custado caro. “Depois da água cara, dos remédios para meu filho, que fará um concurso em março e está há uma semana sem poder estudar por causa da doença, é preciso agora limpar a caixa d’água e comprar novos filtros de barro. É só prejuízo.”

Na vizinhança, há “bastante gente” com os mesmos sintomas de Mateus, relata Elton, inclusive o filho do vizinho, “uma criança pequena que foi para o soro”. O taxista lamenta que alguns ainda tentem se aproveitar da situação. “Tem que ter cuidado com essas águas vendidas por aí, porque começaram a falsificar água. Vendem caro e mesmo assim você fica com dor de cabeça.” A água não seria apropriada nem para cozinhar, os alimentos ficam com gosto de barro. Elton diz que até bares e restaurantes estariam usando gelo feito com a água contaminada.

Segundo a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), responsável pelo abastecimento de água, uma substância chamada geosmina, produzida por algas, estaria causando o gosto e cheiro de terra na água. Especialistas em saúde pública dizem que a geosmina não faz mal à saúde. Mas, mesmo assim, muitos cariocas estão passando mal.

Desde 16 de janeiro, a polícia investiga se funcionários da Cedae podem ser responsabilizados criminalmente pela situação. Aparentemente, o problema está localizado na estação de tratamento do Rio Guandu, no oeste da cidade, onde fica o ponto de captação que abastece grande parte da população da capital e da Baixada Fluminense.

Cerca de 9 milhões de habitantes recebem água vinda da Estação de Guandu. Para a Cedae, a água está dentro dos padrões estabelecidos. A empresa também descarta falhas. Na imprensa, porém, surgem relatos de despejo irregular de esgoto nos rios da região, o que teria causado a contaminação da água.

“Essa situação é fruto de um desequilíbrio, produto do esgoto que é lançado próximo ao ponto de captação da Estação de Guandu”, relata o biólogo Mario Moscatelli à DW Brasil. “Essa estação foi feita para tratar água, e não esgoto. Infelizmente, esgoto vindo de outros municípios, principalmente através dos rios Queimados, Poços e Ipiranga, é jogado sem tratamento a alguns quilômetros da estação.”

O resultado, segundo o ambientalista que há mais de 20 anos atua para melhorar a situação das lagoas, lagos e rios cariocas, é a multiplicação de microrganismos. “A geosmina é a menor das preocupações. O desequilíbrio ambiental pode gerar problemas de saúde pública muito mais graves do que os atuais.” Moscatelli dá como exemplo as cianobactérias produtoras de toxinas que podem afetar o fígado.

O biólogo pede que os governos federal e estadual invistam em infraestrutura para neutralizar o lançamento de esgoto nos rios da região. Atualmente, os mananciais recebem 22 piscinas olímpicas de esgoto por dia, segundo o Comitê do Guandu. Até 2042, seriam necessários investimentos de 1,4 bilhão de reais para reverter essa realidade. Dinheiro que os órgãos públicos alegam não ter. “Para um país que gastou 1,6 bilhão na reforma do Estádio do Maracanã1,4 bilhão é pouco para recuperar rios estratégicos”, comenta Moscatelli.

E tais investimentos já vêm tarde, lembra o biólogo. Segundo ele, essas obras deveriam ter sido feitas há 30 ou 40 anos, quando começou a urbanização desorganizada, que não foi acompanhada pela expansão do sistema de esgoto. “Desculpe falar em português claro, mas agora é mais e mais merda chegando. Assim, se cria um desequilíbrio gradativamente maior na área que recebe todo esse esgoto.”

Witzel fala em “sabotagem”

Para o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, a privatização da Cedae é fundamental para esses investimentos necessários. Ao mesmo tempo, Witzel nega que a atual crise seja fruto de erros ou da incompetência da Cedae. “Eu, particularmente, não acredito [em incompetência]. Eu acredito e está sendo apurada uma sabotagem, por conta do leilão. Há muitos interesses envolvidos nesse leilão. Pedi à polícia que apurasse”, afirmou o governador nesta segunda-feira (20/01).

privatização da Cedae está sendo preparada desde 2017, quando o governo do Rio de Janeiro ingressou no Regime de Recuperação Fiscal proposto pelo então governo federal. Com a venda da empresa agendada para este ano, estima-se que serão investidos até 32,5 bilhões de reais ao longo dos próximos 35 anos.

A atual crise, porém, não pode esperar tanto tempo. Na segunda-feira, deu-se início a um processo de tratamento da água com carvão ativado. Uma técnica eficaz, avalia Moscatelli. Até o fim desta semana, a água deverá estar novamente limpa, calculam especialistas.

Mesmo assim, para o biólogo, “a Cedae está agora agindo em cima das consequências, e não em cima das causas”. “As causas são o crescimento urbano desorganizado e a falta de saneamento universalizado. Isso cabe aos governos federal e estadual. Estamos falando do abastecimento de dois terços da região metropolitana do Rio de Janeiro. Se isso não é urgente, eu sinceramente já não sei mais o que é.”

(EcoDebate, 22/01/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

 

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