O degelo do Ártico e as emissões do permafrost, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“A crise climática é a ameaça mais urgente do nosso tempo”
The Guardian
[EcoDebate] Não existem mais dúvidas sobre o aquecimento global provocado pela emissão de gases de efeito estufa. Os últimos 6 anos (2014-19) foram os mais quentes já registrados e a década 2011-20 é a mais quente da série histórica. A atmosfera do Planeta está ficando mais quente e isto tem um impacto devastador em diversos aspectos, pois vai deixar amplas áreas da Terra inóspitas ou inabitáveis.
As figuras abaixo (NSIDC da Nasa) mostram a extensão do gelo do Ártico nos meses de março e setembro de 2019. Para o mês de março (auge do gelo do inverno no hemisfério setentrional), a média do período 1981-2010 foi de 15,4 milhões de km2 (quase o dobro da extensão do Brasil), mas caiu para 14,6 milhões de km2 em março de 2019. Para o mês de setembro (mínimo do gelo no verão), a média do período 1981-2010 foi de 6,4 milhões de km2, mas foi de 4,3 milhões de km2 em setembro de 2019.
Os gráficos abaixo mostram que a perda de gelo no inverno tem ocorrido no ritmo de -2,7% por década (gastaria cerca de 330 anos para desaparecer completamente), mas no verão a taxa de perda está em 12,9% por década (o que levaria à perda total de gelo no verão antes do fim do atual século). Já é possível navegar tranquilamente nos verões do polo norte, o que é bom para os interesses econômicos do comércio, mas é péssimo para o meio ambiente.
Em dezembro de 2019, a NOAA, a principal agência de ciência climática dos EUA, lançou seu Boletim Arctic Report Card, atualizando os dados sobre o polo norte. Os resultados foram sombrios: focas mortas, declínio da pesca, algas florescendo em uma área do tamanho da Califórnia e dificuldades para as comunidades indígenas que dependem de um ecossistema saudável para a sobrevivência. Com menos gelo para refletir a luz do sol, o clima do Ártico está esquentando duas vezes mais rápido que a média global. O colapso do Ártico não é novidade para ninguém familiarizado com a crise climática. Mas duas coisas mereceram destaque.
A primeira é que o Ártico pode ter cruzado um importante limiar climático, fazendo com que as vastas extensões de permafrost da região (basicamente solo congelado) comecem a derreter, liberando carbono orgânico que até agora estava armazenado no solo. O relatório conclui que o derretimento do permafrost está liberando entre 1,1 e 1,2 bilhão de toneladas de CO2 a cada ano, que é aproximadamente as emissões anuais combinadas da Rússia e do Japão. E se o aquecimento continuar, isso poderá acelerar, com consequências catastróficas (é o que se chama de “bomba permafrost”). Os cientistas estimam que aproximadamente 1.460 a 1.600 bilhões de toneladas métricas de carbono orgânico são armazenadas em solos árticos congelados, quase o dobro da quantidade de gases de efeito estufa contidos na atmosfera.
Tudo isto é agravado pelos incêndios florestais que são, normalmente, raros nos reinos congelados do Ártico. Contudo, o recuo da cobertura reflexiva do gelo do mar permitiu que o sol aquecesse o Oceano Ártico e áreas terrestres adjacentes. Isso seca a vegetação, tornando-a suscetível à ignição, e a atmosfera mais quente está provocando mais tempestades com relâmpagos na região. Como resultado, o CO2 e outras emissões dos incêndios no Ártico ficaram acima da média por várias semanas seguidas em 2019. A atual década começou com incêndios florestais sem precedentes na Sibéria, de julho a setembro, alimentados por uma onda de calor que os pesquisadores climáticos na época chamavam de evento do cisne negro, muito além das expectativas normais dos registros.
O Ártico é a região mais afetada pelo aquecimento global. Porém, o degelo do polo norte não deve provocar grandes aumentos do nível dos oceanos, pois o gelo está sobre o mar. Todavia, os sinais do Ártico mostram que toda a Criosfera será afetada pela crise climática. O degelo da Groenlândia e da Antártida (como veremos em outros artigos) terão um impacto enorme sobre todo o Planeta.
O artigo “Climate tipping points — too risky to bet against”, publicado na influente revista Nature (27/11/2019), mostra as crescentes evidências de que mudanças irreversíveis já estão ocorrendo nos sistemas ambientais da Terra gerando um “estado de emergência planetária”. Os autores deixam claro que mais da metade dos pontos críticos do clima identificados há uma década estão agora em um ponto de não retorno. Há evidências crescentes de que esses eventos são mais prováveis do que nunca e estão mais interconectados do que se pensava anteriormente, podendo levar a vetores de retroalimentação e a um ameaçador efeito dominó. Um dos pontos de inflexão é o degelo do Ártico. A situação é crítica e requer uma resposta de emergência.
A jovem ambientalista, Vanessa Nakate, de Uganda, constata que: “Na África estamos sofrendo a crise climática agora”. De fato, o que acontece no Ártico não está restrito àquela região, mas afeta todos os continentes. Se não forem tomadas medidas para aprofundar os cortes nas emissões de gases de efeito estufa o mundo pode caminhar para uma situação de “Terra Estufa”. Em síntese, ao ultrapassar os pontos de inflexão, a situação climática se agrava desenhando um grande desastre ambiental em um horizonte cada vez mais próximo.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
Arctic Report Card: Update for 2019
https://www.arctic.noaa.gov/Report-Card/Report-Card-2019
LENTON, Timothy M. Climate tipping points — too risky to bet against, Nature, 27/11/2019
https://www.nature.com/articles/d41586-019-03595-0
Disappearing Arctic Ice
https://www.youtube.com/watch?v=AAm8X_MHiIM
A Never-Before-Seen Event Is Collapsing an Ice Sheet in the Russian Arctic
http://climatestate.com/2019/12/22/can-ice-stream-collapse-accelerate-sea-level-rise/
O colapso do gelo na Antártida, Climate State
https://vimeo.com/climatestate
Melting ice – the future of the Arctic | DW Documentary
https://www.youtube.com/watch?v=U0aNeYZL8jY
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/01/2020
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Tenho uma duvida, se a antartida derreter e perder massa a placa tectonica debaixo dela poderia se levantar e aumentar a intensidade de terremotos?
1,2 bilhões de toneladas de carbono+ toneladas de carbono de incendios florestais+ toneladas de carbono de queima de turfa nos incêndios do Canadá e Rússia dá quanto no total? Quanto estas emissões em catástrofes pesam nas emissões totais de carbono?
Davi,
Na Antártida, a maior parte do gelo é flutuante, ou seja, está no mar (veja a imagem abaixo). No mais, o degelo (no Ártico, na Antártida, na Groenlândia, nos Alpes, Himalaia, etc) não gera massa suficiente para ter impacto tectônico.
Redação do EcoDebate