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Indicação do filme ‘Coringa’ ao Oscar 2020 reacende discussão sobre saúde mental

 

Indicação do filme ‘Coringa’ ao Oscar 2020 reacende discussão sobre saúde mental

Com 11 indicações, o filme “Coringa” retrata nos cinemas a origem de um vilão icônico da cultura pop, criando um paralelo sobre a doença mental do personagem e ações de prevenção

 

Filme Coringa. Cartaz promocional
Filme Coringa. Cartaz promocional. Imagem: Wikipedia

 

Na segunda-feira, 13/1, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas anunciou, em Los Angeles, os indicados ao Oscar 2020. “Coringa” (Joker, 2019) é o filme com maior número de indicações, 11 ao todo, inclusive melhor filme, melhor diretor (Todd Philips), e melhor ator (Joaquin Phoenix).

O filme Coringa revela a origem de um dos principais vilões da cultura pop mundial. No longa dirigido por Todd Philips, antes de se tornar realmente um vilão, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) é apresentado como um personagem que possui uma doença mental, mas seu tratamento é negligenciado por serviços de saúde. No decorrer da história, Arthur acaba seguindo um caminho de marginalização e preconceito.

Apesar da ficção permear todo o longa, a personalidade do personagem se modifica no decorrer do filme devido as vivências e experiências traumáticas de Arthur sendo revelada aos poucos. O paralelo criado com a realidade torna necessária uma reflexão sobre as doenças mentais e como as ações que promovam a saúde mental são essenciais para a prevenção de transtornos. A discussão sobre o tema é ainda mais relevante durante a campanha Janeiro Branco, que tem o objetivo de chamar a atenção da sociedade para a saúde mental.

“O filme retrata o surgimento de um vilão, com aspectos que tentam justificar sua maneira de pensar e agir”, comenta o psiquiatra Sebastião Arli Borba da Silva Júnior.

“O sofrimento e adoecimento ao longo da trama é muito bem trabalhado. Se trata de uma ficção com fatores que não vemos na realidade da saúde psíquica. Porém, se fez necessário romantizar e até exagerar em alguns momentos para dar sentido ao personagem”, diz o médico que atua pela Pró-Saúde no Hospital Yutaka Takeda, em Parauapebas, e Hospital 5 de Outubro, em Canaã dos Carajás, ambos no Estado do Pará.

O psiquiatra aproveita para esclarecer a violência apresentada no filme. “É importante salientar que o adoecimento mental, na maior parte dos transtornos, não envolve comportamento violento. Muito pelo contrário. Quem sofre de um transtorno mental está vulnerável e precisa de ajuda, respeito e dignidade”, conclui.

“O pior lado da doença mental…”

Em um dos momentos do filme, o personagem Arthur escreve em seu diário que “o pior lado da doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não a tivesse”, fazendo alusão à batalha que enfrentava contra preconceitos sociais.Em 1979, após visitar o Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais, o psiquiatra italiano Franco Basaglia, um dos líderes do movimento contrário às instituições psiquiátricas no mundo, convocou a imprensa para dizer que esteve em um lugar semelhante a um campo de concentração nazista, sem qualquer comparação com outro lugar no mundo.

O horror presenciado por Basaglia foi retratado no livro “Holocausto brasileiro”, de 2013, da jornalista Daniela Arbex. De acordo com ela, os pacientes de transtorno mental eram a minoria. A população trancafiada na Colônia eram jovens mães solteiras, pobres, moradores em situação de rua, além de casos como o da Maria de Jesus, paciente diagnosticada com o sintoma de “tristeza”. A unidade esteve em funcionamento entre 1903 a 1980.

Os manicômios eram unidades com o único propósito de excluir pessoas que a sociedade enxergava como diferentes, distantes de um padrão estipulado como normal. As mudanças que surgiram a partir da Lei da Reforma Psiquiátrica possibilitaram mudanças no modelo de assistência em saúde mental.

Antes da promulgação da Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e direitos das pessoas com transtornos mentais, o Brasil foi marcado por instituições manicomiais semelhantes a de Barbacena, como os antigos Hospício Colônia de Juqueri, em Franco da Rocha (SP); o Hospital Ulysses Pernambucano (conhecido como Tamarineira), em Recife (PE); e o Hospital Juliano Moreira, em Salvador (BA).

Com a nova legislação, o Brasil mudou a sua concepção no tratamento de pessoas com transtornos mentais. Muitas dessas unidades foram desativadas gradualmente, sendo substituídas por uma rede de atendimento. Aos poucos, o Brasil foi alinhando o seu atendimento de acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde e seu Escritório Regional para as Américas, a OPAS.

O fortalecimento da luta antimanicomial e uma legislação voltada para a criação de estratégias de atendimento foram primordiais para iniciar mudanças e o surgimento de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), onde o paciente recebe atendimento próximo da família e com assistência multiprofissional, com cuidado terapêutico de acordo com o quadro de saúde de cada paciente.

“Devemos combater o preconceito em qualquer esfera da sociedade, não somente no aspecto racial ou sexual, por exemplo. Devemos aprender a conviver e respeitar com quem é diferente de nós. Não existe um único ser humano igual ao outro. Ser diferente nos faz especiais, únicos, um universo gigantesco dentro de nós mesmos”, ressalta o Sebastião.

Uma nova assistência na saúde mental

Em 1992, os Núcleos e Centros de Atenção Psicossocial (os NAPS e CAPS) foram institucionalizados no Brasil. São unidades que oferecem cuidados multiprofissionais intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar. Os CAPS são divididos em modalidades, atendendo adultos, crianças e pessoas com algum tipo de dependência química. Nas unidades, o atendimento é feito por psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e técnicos.

Um dos exemplos é o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) de Mogi das Cruzes, unidade gerenciada pela Pró-Saúde desde sua inauguração, em janeiro de 2019.

Localizado na região metropolitana de São Paulo, onde o paciente — com interesse em se livrar da dependência — tem acesso a consultas, oficinas, entre outras ações de acolhimento. O tratamento personalizado leva em consideração as necessidades e o perfil do paciente.

Desde quando foi aberto ao público, já foram realizados mais de 18 mil atendimentos, sendo que 6.095 se referem ao serviço de Enfermagem, 5.510 consultas com psicólogos, 4.684 consultas com psiquiatras, 2.544 com assistentes sociais, além de mais de 5,4 mil atividades terapêuticas, entre música, dança, caminhada e artesanato. A abordagem do atendimento é feita de maneira individual ou coletiva.

“O atendimento proposto por esse serviço faz uma grande diferença no tratamento dos pacientes e substitui um modelo ultrapassado, como os manicômios. É importante destacar que, além de humanizar o atendimento, o tratamento busca a reintegração do paciente no ambiente social e familiar”, conta Eduardo Guidolin, médico psiquiatra e diretor Técnico do CAPS AD.

Atendimento de inclusão

O atendimento na área de saúde mental continua passando por processos que envolvem investimentos em capacitação, insumos, entre outras políticas de saúde pública que fortaleçam e ampliem o atendimento em todo o País. A criação de leitos não é a única resposta no tratamento da saúde mental.

A discussão em torno do assunto envolve um atendimento cada vez mais integrado, que possa contribuir na compreensão das complexidades de cada caso. Apesar da ficção da história no filme Coringa, de acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão será a doença mental mais incapacitante em todo o mundo até 2020. Cerca de 300 milhões sofrem do transtorno e o preconceito envolvendo o tema ainda impedem as pessoas de buscar ajuda.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/01/2020

[cite]

 

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