A balança comercial em 2019 e a especialização regressiva brasileira, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“A divisão do trabalho (geração de emprego e produtividade da economia)
depende da extensão do mercado”
Adam Smith (1776)
[EcoDebate] O Brasil bateu mais um recorde negativo em 2019 e conseguiu reduzir as exportações, mesmo numa conjuntura nacional de alto desemprego da força de trabalho e de alta capacidade ociosa na indústria. O mercado externo deveria ser um vetor de aumento de emprego e renda, mas não foi o que aconteceu ano passado.
As exportações brasileiras bateram o recorde de US$ 256 bilhões em 2011, caíram para US$ 185 bilhões em 2016, ficaram em US$ 239,5 bilhões em 2018 e caíram para US$ 224 bilhões em 2019. O país caminha para uma década de estagnação das exportações.
O saldo da balança comercial que apresentou um déficit negativo em 2014, se tornou positivo nos anos seguintes, atingindo um saldo de US$ 67 bilhões em 2017, US$ 58 bilhões em 2018 e US$ 46,7 bilhões em 2019. Ou seja, no ano passado houve queda das exportações e do saldo da balança comercial, conforme mostra a tabela abaixo, da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia.
Mas para além do baixo desempenho das exportações brasileiras, um outro fator que mostra a fragilidade da inserção internacional do Brasil é que, pela primeira vez em quarenta anos, os produtos básicos representaram mais da metade das vendas brasileiras ao exterior (52,8% em 2019 contra 49,8% em 2018), como mostram os dados do gráfico abaixo do Ministério da Economia.
Os produtos classificados como básicos são aqueles que não têm tecnologia envolvida ou acabamento, como minerais, frutas, grãos e carnes. Segundo o Ministério da Economia, as exportações de itens básicos recuaram 2% no ano passado, ao mesmo tempo em que as vendas externas de produtos industrializados caíram cinco vezes mais (10,3%). Dentre os industrializados, as exportações de produtos manufaturados sofreram tombo de 11,1% no ano passado, para US$ 77,452 bilhões, ou 34,6% do total. Já as vendas externas de produtos semimanufaturados recuaram 8%, somando US$ 28,378 bilhões (o equivalente a 12,7% do total).
Mas o quadro é ainda mais grave, pois a balança comercial não reflete o conjunto das transações com o exterior. Mesmo com o saldo positivo na balança comercial, o Brasil possui um grande déficit na conta de transações correntes, que estava em torno de US$ – 15 bilhões nos últimos 12 meses de 2017 e passou para algo em torno de US$ – 50 bilhões no final de 2019, segundo dados do gráfico abaixo do Banco Central.
Em transações correntes, as contas mais negativas são de remessa de lucros (em torno de US$ 30 bilhões) e de juros (em torno de US$ 20 bilhões). Mas também aluguel de equipamentos (em torno de US$ 15 bilhões) e transportes (em torno de US$ 5 bilhões) mostram como o Brasil tem déficit com o exterior e possui uma economia fragilizada.
Mesmo na conta turismo o país tem um déficit muito elevado (acima de US$ 10 bilhões), pois tem uma classe média que viaja pelo mundo e gastas os escassos recursos nacionais em compras no estrangeiro, quando o Brasil poderia atrair turistas para ajudar na criação de emprego e renda no território nacional.
Todos estes dados mostram que o Brasil possui uma inserção subordinada na ordem internacional e possui uma economia com muita fragilidade, pois além de perder espaço quantitativo no comércio global, tem piorado a qualidade das exportações ao reduzir o volume de envio de bens manufaturados e aumentado o volume de bens básicos e commodities. Isto reflete o processo de desindustrialização do país que vem ocorrendo desde a década de 1980 e mostra que o Brasil entrou num espiral de reprimarização e de especialização regressiva.
Por exemplo, em 1984 o Brasil exportou US$ 27 bilhões, representando 1,4% das exportações globais, enquanto a China exportou US$ 26,1 bilhões, representando 1,3% das exportações globais. Mas enquanto o Brasil exportou US$ 224 bilhões em 2019, representando pouco mais de 1% do comércio global, a China exportou quase US$ 2,5 trilhões, representado cerca de 13% do comércio global e algo como 11 vezes mais do que as exportações brasileiras.
Claro que a China é um país enorme e que briga pela hegemonia global com os Estados Unidos. Mas o Brasil perde mesmo para países muito menores em termos de população e território. O gráfico abaixo, com dados da Organização Mundial de Comércio (WTO, na sigla em inglês), mostra que o avanço do Vietnã na área de exportação e de competitividade internacional em relação ao Brasil é, indubitavelmente, impressionante, Em 1984, o Brasil exportou US$ 27 bilhões, contra apenas US$ 649 milhões do Vietnã (41,6 vezes mais). Em 2011, quando o Brasil bateu o recorde de exportação de US$ 256 bilhões, o Vietnã exportou US$ 114,5 bilhões (o Brasil exportou 2,6 vezes mais). Mas entre 2016 e 2018 os dois países exportaram, aproximadamente, o mesmo valor. Contudo, em 2019, enquanto as exportações brasileiras caiam, as exportações vietnamitas cresciam e atingiram US$ 262 bilhões.
O fato é que o Brasil, entre 1900 e 1980, crescia muito, enquanto o Vietnã – que estava dominado pela França e em guerra contra o Japão e os Estados Unidos – se mantinha um país pobre e atrasado. Mas os papéis se inverteram. O Brasil teve uma década perdida no período 1981-1990, quando o crescimento do PIB ficou abaixo do crescimento da população, apresentou baixo crescimento econômico entre 1991 e 2010 e teve uma nova década perdida na atualidade (2011-2020). Enquanto isto, do outro lado do mundo, o Vietnã manteve um crescimento do PIB acima de 6% ao ano desde meados da década de 1980. Mantida a tendência das últimas décadas a renda per capita do Vietnã será maior do que a renda per capita brasileira no início da década de 2030.
O Vietnã tem uma estratégia de desenvolvimento socioeconômico, tem se beneficiado da sua localização no leste asiático – que é a região de maior crescimento do mundo – e tem sabido se manter em equilíbrio com as duas potências mundiais. Em fevereiro de 2019 o país sediou a reunião entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, ocorrida em Hanói. Na guerra comercial entre China e EUA o Vietnã tem sido um vencedor. Apesar de ter um governo autoritário e pouco transparente, o Vietnã tem seguido o rumo da vitória na luta contra o subdesenvolvimento e o isolamento político.
Já o Brasil está com uma economia estagnada e possui uma renda per capita menor do que a de 2013 e só deve recuperar o mesmo nível do pico pré-recessão em 2025. Para fechar o Balanço de Pagamentos e cobrir os rombos na conta transações correntes o país precisa vender seu patrimônio para firmas estrangeiras e se endividar em dólares, processo que é insustentável no longo prazo.
Sem economia forte, as condições sociais se deterioram e tende a agravar a situação atual de uma sociedade radicalizada, fraturada e pouco cordial. Tudo isto mostra que o Brasil está perdendo o “trem da história”, está desperdiçando o seu melhor momento demográfico e está ficando preso na “armadilha da renda média”.
O déficit em transação corrente do Brasil mostra que o país tem uma economia submergente, pouco competitiva, que perde espaço no cenário global e que terá grandes dificuldades para resolver seus problemas sociais e ambientais, pois a “especialização regressiva” não é bom para ninguém e não garante o futuro das novas gerações.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 08/01/2020
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