O aumento da pobreza na América Latina submergente, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O aumento da pobreza na América Latina submergente, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Até 2030, erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares”
# 1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
[EcoDebate] América Latina e Caribe (ALC) continua a sua trajetória de declínio econômico relativo e não está no caminho de erradicar a pobreza conforme estabelecido na meta número 1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pois cresceu o percentual e o número absoluto de pessoas em situação de pobreza e daquelas vivendo na extrema pobreza. A ALC está na contramão dos ODS.
Depois de duas décadas de queda na proporção da população em situação de miséria na região, o quadro se inverteu após 2014. A redução tinha sido modesta na década de 1990, mas foi mais significativa entre 2002 a 2014, período muito influenciado pelo superciclo das commodities e que possibilitou o aumento da renda e a valorização do câmbio, aumentando os níveis de emprego e o poder aquisitivo dos trabalhadores. A ALC vive mais uma década perdida.
No mês de novembro de 2019, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) lançou o relatório Panorama Social 2019, que inclui novas revisões da metodologia utilizada pelo organismo para a estimativa da pobreza monetária na ALC.
O gráfico abaixo mostra que a taxa de pobreza estava em 45,4% em 2002 e caiu para 27,8% em 2014. Mas com a recessão econômica que atingiu a região a partir de 2014 a tendência se inverteu. Nos anos seguintes a taxa subiu e chegou a 30,1% em 2018, estando projetada para 30,8% em 2019. Cerca de um terço dos latino-americanos vivem em condições precárias.
A Pobreza extrema caiu de 12,2% em 2002 para 7,8% em 2014, mas subiu para 10,7% em 2018 e deve ficar em 11,5% em 2019. Ou seja, em todo o período considerado, 2002 a 2019, a pobreza extrema foi reduzida em apenas 0,7% (de 12,2% para 11,5%), muito abaixo da tendência necessária para atingir a meta # 1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que é erradicar a pobreza extrema até 2030.
O gráfico abaixo mostra o número absoluto de pessoas na pobreza e na pobreza extrema na ALC. Em 2002 havia 230 milhões de latino-americanos em situação de pobreza, caindo para 164 milhões em 2014. Mas este número voltou a subir para ficar acima de 180 milhões nos anos de 2016 a 2018 e atingir 191 milhões de pessoas em 2019.
Havia 62 milhões de latino-americanos na pobreza extrema em 2002, caindo para 46 milhões em 2014, com retomada para a casa de 60 milhões entre 2016 e 2018 e para 72 milhões em 2019. Os novos cálculos da Cepal mostram que a redução da pobreza extrema no período do superciclo das commodities foi muito menor do que o calculado na metodologia anterior e mostra também que a região está longe da meta de erradicar a pobreza extrema. A população carente em 2019 na ALC é maior do que aquela de 2008.
De fato, a ALC passa por um período de crise econômica e de baixo crescimento que tem dificultado o combate à pobreza. O gráfico abaixo mostra que o crescimento econômico médio da região, nos primeiros 20 anos do século XXI, foi de 2,7% ao ano, abaixo da média mundial (4% ao ano), muito abaixo do desempenho da Ásia emergente (7,9% aa) e abaixo inclusive do crescimento da África Subsaariana (5,1% aa).
Entre 2015 e 2020 o crescimento da ALC tem sido pífio, praticamente, com estagnação ou queda da renda per capita. Em 2019, o maior país da região, o Brasil (depois de viver a sua mais longa e profunda recessão) deve crescer em torno de 1% e o México – o segundo maior país – deve ter crescimento zero. A Argentina terá dois anos (2018-2019) de recessão. A Venezuela completará 5 anos de recessão com redução de mais de dois terços do PIB. As exportações da ALC estão em queda em 2019 e os termos de intercâmbio estão desfavoráveis.
A crise econômica e o aumento da pobreza tem provocado instabilidade política e revoltas na região. O Brasil foi um dos primeiros a passar por uma convulsão social a partir das jornadas de junho de 2013 e das viradas políticas que se seguiram. No Haiti, pelo menos 42 pessoas morreram e 86 ficaram feridas desde 15 de setembro de 2019, quando começaram uma onda de protestos no país.
No dia 30 de setembro de 2019 o presidente do Peru, Martín Vizcarra, utilizou um instrumento previsto no artigo 134 da Constituição do país para dissolver o Congresso, num país que já teve presidentes presos e até ex-presidente cometendo suicídio. Em outubro de 2019, no Equador, houve uma série de protestos e revoltas, liderados pelos povos indígenas, contra o cancelamento dos subsídios aos combustíveis e contra outros ajustes econômicos adotados pelo presidente do Equador Lenín Moreno, que chegou a mudar a sede do governo de Quito para Guayaquil.
Em meados de outubro, o governo de Sebastian Piñera, no Chile, anunciou um aumento de 30 pesos na tarifa do metrô (equivalente aos 20 centavos de real de junho de 2013 no Brasil), dando início a protestos violentos que fez o governo declarar “guerra” e declarar “Estado de Emergência”, colocando o Exército nas ruas pela 1ª vez desde a ditadura. Embora o presidente chileno tenha suspendido o aumento na tarifa do metrô, os protestos prosseguiram, o Metrô de Santiago foi fechado e o aeroporto da capital chilena teve voos suspensos; no dia 25 de outubro mais 1 milhão foi às ruas. Houve mortes, pessoas feridas e distúrbios generalizados. A Cúpula da APEC foi cancelada, a final da Libertadores foi transferida para Lima e a COP25 foi transferida para Madri.
No dia 20 de outubro houve a votação na Bolívia, quando Evo Morales disputava a sua quarta eleição presidencial. Havia duas apurações: uma preliminar e mais rápida, e outra de resultado definitivo, por contagem voto a voto. Esta confusão abriu espaço para protestos em Sucre, Oruro, Cochabamba e La Paz, entre outras cidades, que desaguaram em confrontos. Os simpatizantes de Carlos Mesa, o candidato derrotado, foram às ruas para denunciar uma fraude na apuração. No dia 10 de novembro Evo Morales deixa o cargo de presidente e, em meio a confrontos, sai do país e recebe asilo político no México. Desde então, a crise política boliviana não deu trégua, cresceu as denúncias de golpe e a instabilidade continua, com novas eleições previstas para 2020.
Na Colômbia, foi convocada a marcha “Contra o pacotaço de Duke, a OCDE, o FMI e o Banco Mundial. Pela vida e pela paz” e a partir daí milhões foram as ruas contra as políticas do presidente Iván Duque. Venezuela e Nicarágua, com governos que defendem o “socialismo bolivariano” vivem crise extremamente profundas. Nas eleições da Argentina, ganhou o peronista Alberto Fernández para substituir o liberal Mauricio Macri. No Uruguai, aconteceu o contrário, pois ganhou o candidato da direita, Lacalle Pou, para suceder Tabaré Vázquez, da Frente Ampla, que estava no poder há 15 anos.
Ou seja, a América Latina e Caribe é uma região instável e submergente, que está perdendo peso no PIB global, se desindustrializando, caminhando de lado e olhando pro chão.
A instabilidade política se espalhou pelo continente, sendo que a ALC é caracterizada por baixos níveis de poupança e investimento, atraso tecnológico, baixa taxa de ocupação da força de trabalho, alta dependência das exportações de commodities, elevada desigualdade social e de renda e altos níveis de violência.
O fato é que tanto o populismo de esquerda, quanto o populismo de direita fracassaram e tanto o neoliberalismo quanto o socialismo bolivariano não cumpriram suas promessas. Só com grandes transformações e um novo modelo a ALC poderá romper com o ritmo de marcha lenta de seu desenvolvimento e avançar em um padrão socioeconômico inclusivo e que garanta o bem-estar de sua população com respeito ao meio ambiente.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referência:
CEPAL. Panorama Social de América Latina 2019. Santiago de Chile, Noviembre 2019
https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/44969/4/S1900908_es.pdf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/12/2019
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