Diminui a extensão do gelo marinho na Antártida, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Diminui a extensão do gelo marinho na Antártida, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Em nossa opinião, a evidência dos pontos de inflexão sugere que estamos em um estado
de emergência planetária: tanto o risco quanto a urgência da situação são acentuados”
Timothy Lenton (27/11/2019)
“Por muitas décadas, a espécie humana está em guerra com o planeta.
E o planeta está revidando” António Guterres (02/12/2019)
[EcoDebate] Cai uma das últimas desculpas dos negacionistas da crise climática. A extensão de gelo marinho ao redor da Antártida que crescia ligeiramente nas últimas 4 décadas, pela primeira vez, apresentou redução neste mês de novembro de 2019.
Os negacionistas do clima diziam que o degelo do Ártico estava sendo compensado pelo crescimento do gelo da Antártida. Isto nunca foi verdade, pois o continente gelado do sul estava e está perdendo volume de gelo em grande proporção. O que acontecia era que o aquecimento global provocava o derretimento do gelo continental, que caia no mar e aumentava a área e a extensão do gelo marinho.
A despeito das variações anuais, a reta de tendência dos dados mensais estava sempre direcionada para cima e a inclinação era positiva. Os gráficos abaixo mostram os dados relativos ao mês de novembro. Nota-se que entre 1978 e 2016 a inclinação da reta era de 0,4 + ou – 0,8% por década. Entre 1978 e 2018 a inclinação foi 0 (zero), mostrando estabilidade total. Mas entre 1978 e 2019, pela primeira vez, a inclinação da reta ficou negativa, marcando -0,1, sendo que, nos últimos 4 anos, a extensão de gelo na Antártida ficou abaixo da média histórica.
O mapa abaixo mostra que, em novembro de 2019, a extensão de gelo ficou em 14,9 milhões de km2, sendo que a média de 1981-2010 foi de 15,9 milhões de km2. Portanto, a redução foi de 1 milhão de km2, em novembro de 2019, em relação à média de 1981-2010.
O artigo “Climate tipping points — too risky to bet against”, publicado na influente revista Nature (27/11/2019), mostra que entre os “pontos de inflexão” que estão levando a Terra a um “estado de emergência planetária”, estão os degelos dos polos e dos glaciares que vão liberar mais gases de efeito estufa e elevar o nível dos oceanos.
Os autores do artigo mostram que a estabilidade do Mar de Amundsen, na Antártida Ocidental, pode ter passado do ponto de inflexão, poios a ‘linha de aterramento’ onde o gelo, o oceano e a rocha se encontram está recuando irreversivelmente. Um estudo-modelo indica que, quando esse setor entra em colapso, pode desestabilizar o restante do manto de gelo da Antártica Ocidental. Este efeito dominó pode elevar o nível dos oceanos em até 3 metros.
Também a parte da camada de gelo da Antártica Oriental – a Bacia de Wilkes – está ficando igualmente instável. O trabalho de modelagem sugere que ela poderia adicionar outros 3 a 4 m ao nível do mar em escalas de tempo além de um século. Soma-se o fato de que a camada de gelo da Groenlândia está derretendo a uma taxa acelerada.
Isto quer dizer que as gerações futuras estão condenadas a viver com aumentos do nível do mar de cerca de 10 m ao longo dos próximos séculos. A taxa de fusão depende da magnitude do aquecimento acima do ponto de inflexão, pois quanto mais alto for a temperatura média da Terra, mais rápido será o degelo.
A figura abaixo, com base no relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre o oceano e a criosfera mostra as mudanças históricas observadas e modeladas no oceano e na criosfera desde 1950, bem como as projeções futuras sob um cenário de baixa emissão que limita o aquecimento global a menos de 2 graus Celsius, comparado a um cenário de alta emissão em que as temperaturas globais sobem acima de 4 graus Celsius. As mudanças são mostradas em relação a 1986-2005 para: (a) temperatura média global do ar na superfície; (b) temperatura média global da superfície do mar; (c) número de dias de ondas de calor marinhas nos oceanos da superfície; (d) conteúdo global de calor do oceano (0 a 2000 metros de profundidade); e) perda de massa da Groenlândia; (f) perda de massa antártica; (g) perda de massa da geleira; (h) pH médio global da superfície; (i) oxigênio médio global do oceano, em média, entre 100 e 600 metros de profundidade; (j) gelo marinho do Ártico; (k) cobertura de neve do Ártico; (l) área de permafrost próxima à superfície e (m) nível global do mar.
O nível do mar vai subir vários metros, dependendo do tempo a considerar e dos níveis das emissões futuras. As gerações que ainda vão nascer vão herdar um mundo mais complicado e mais inóspito, podendo haver uma mobilidade social descendente em um mundo com muitas injustiças ambientais, apartheid climático e conflitos de diversas ordens.
O fato é que o degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares já começou e tende a se acelerar nas próximas décadas. Muitas áreas litorâneas vão ficar debaixo d’água e os danos sociais e econômicos serão de grande monta.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
NSIDC. Sea Ice Index. Monthly Sea Ice Extent Anomaly Graph, November 2019
https://nsidc.org/data/seaice_index/
LENTON, Timothy M. Climate tipping points — too risky to bet against, Nature, 27/11/2019
https://www.nature.com/articles/d41586-019-03595-0
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/12/2019
[cite]
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