Impactos aos ecossistemas aquáticos do Nordeste inviabilizam atividade de pescadores e pescadoras e geram insegurança alimentar
Derramamento de óleo impede o acesso aos recursos marinhos e pescados; Relatório Luz diz que, nesses casos, ações de monitoramento e de redução de danos são urgentes
Por Alex Cunha*
Especialistas ainda não conseguem estimar os danos sofridos pelos ecossistemas, para os pescadores e pescadoras e para o turismo deste que já é considerado o maior crime ambiental em extensão da história do Brasil. O derramamento de petróleo em mais de 2.000 quilômetros de praias nos nove estados do Nordeste, cujas primeiras manchas começaram a aparecer ainda no dia 30 de agosto, deixou o país ainda mais distante da cartilha do desenvolvimento sustentável, defendida e pactuada nas Nações Unidas em 2015 por 193 países, inclusive o Brasil.
Na área socioeconômica, os impactos inviabilizam sobretudo a prática da pesca artesanal, categoria que engloba mais de 80% dos pescadores e pescadoras em atividade no país. A expectativa é a de que até 144 mil pescadores(as) e marisqueiros(as) tenham seu trabalho comprometido, uma vez que o desastre impede o acesso aos recursos marinhos e pescados. O Relatório Luz 2019, produzido por experts e parceiros do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT Agenda 2030), diz que, nestes casos, ações de monitoramento e de redução de danos são urgentes, especialmente onde o Estado não atua.
“Antes mesmo deste desastre ocorrido na costa nordestina, a pesca artesanal já estava prejudicada em decorrência de poluição, sobrepesca e outros danos sofridos pelo ambiente marinho há anos. O acesso aos territórios pesqueiros tem ficado cada vez mais difícil, tanto no que se refere às condições de vida nas embarcações, quanto em relação ao atendimento às exigências da legislação. Além disso, os territórios da pesca artesanal são disputados por atividades turísticas, pela pesca de larga escala, plataformas de petróleo, pesquisas sísmicas, entre outras”, observa Adayse Bossolani, da Ouvidoria do Mar, coletivo autônomo de atores sociais, científicos e políticos que desde 2012 atua para a conservação e gestão dos ecossistemas costeiros e marinho.
A especialista ressalta a importância do pescado para a segurança alimentar das famílias de pescadores(as). “Se os pescadores artesanais não pescam, isso afetará a segurança alimentar de milhares de famílias pesqueiras, não pelo pescado que deixam de consumir, mas a renda menor dificultará a aquisição de itens alimentícios básicos para a saúde, indo na contramão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que têm como meta a erradicação da pobreza e da fome”, completa a especialista. Desde 2014, tem havido dificuldades para obtenção do registro ou permissão para pescar e por isso a maioria dos pescadores e pescadoras não conseguem acessar direitos sociais, como previdência, seguro-defeso e crédito em decorrência da falta de documentação que os qualifiquem como beneficiários.
Dois desastres ambientais ocorridos recentemente no Brasil, o derramamento de resíduos da mineração em Mariana (2016) e Brumadinho (2019), ambos em Minas Gerais, também causaram impactos negativos irreversíveis nos ecossistemas e na atividade pesqueira por causa da destruição de habitat e extermínio da ictiofauna ao longo de 1.190 quilômetros de rios. Além da inestimável perda de vidas humanas e não humanas, houve impactos sobre estuários e manguezais, destruição de áreas de reprodução de peixes e áreas de “berçários” e o comprometimento da estrutura e função dos ecossistemas aquáticos e terrestres associados, entre tantos outros problemas. Os dois desastres, inclusive, são analisados em uma seção especial da edição 2019 do Relatório Luz, no capítulo intitulado “Como a maior mineradora do mundo impede que o Brasil atinja os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”.
Ecossistemas – Do ponto de vista ambiental, estima-se que a contaminação das praias do Nordeste pelo óleo derramado deve durar décadas. A demora de quase dois meses para que o governo brasileiro assumisse oficialmente o desastre e a ausência de ações legais de contenção baseadas no Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC) permitiram que o derramamento atingisse 12 Unidades de Conservação (UCs), prejudicando a mais importante área de corais do Atlântico, a APA Costa dos Corais (PE), entre outras UCs de elevada biodiversidade. A conservação de pelo menos 10% das zonas costeiras e marinhas é uma das exigências da Meta 14.5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e, também, atende à Meta 11 de Aichi, relacionada à implementação da Convenção sobre Diversidade Biológica. Em 2018, o Brasil havia conseguido cumprir essas metas ao criar extensas áreas marinhas protegidas em pontos remotos de Pernambuco e Espírito Santo, ampliando para mais de 90 milhões de hectares as áreas protegidas marinhas.
“Em situações extremas, capazes de gerar grandes impactos aos ecossistemas aquáticos, as organizações da sociedade civil exercem o importante papel de apontar equívocos, denunciar maus procedimentos, disseminar boas práticas e aplicar conhecimento para a solução de problemas”, diz Adayse, destacando que, devido à omissão do Estado, o trabalho de remoção das manchas de óleo no Nordeste tem sido feito principalmente por voluntários, ambientalistas e pescadores(as). “Caso acionado, o PNC poderia nos mostrar como atuar de forma mais organizada e mais eficaz na redução de danos”, completa.
Outro detalhe é que o trabalho voluntário para a limpeza de praias e mangues nas áreas afetadas pela chegada do óleo tem ocorrido sem nenhuma segurança aos pescadores, pescadoras e membros da sociedade civil. O acionamento do PNC poderia organizar a distribuição dos equipamentos de EPI básicos, como luvas, botas, óculos e macacão para os grupos voluntários, uma vez que o óleo é tóxico ao contato com a pele e ingestão, minimizando com isso os futuros problemas de saúde pública que já estão sendo desenhados dia a dia nas praias afetadas.
Acesse aqui o Relatório Luz 2019 completo.
* Com informações do GT Agenda 2030
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/10/2019
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