Amazônia – Como e porque a ciência defende a floresta. Entrevista com Carlos Afonso Nobre
Amazônia – Como e porque a ciência defende a floresta. Entrevista com Carlos Afonso Nobre
IHU
Hoje, na Amazônia, é possível alcançar “um equilíbrio entre o saber tradicional e a ciência e a tecnologia modernas”, de modo a oferecer ao mundo um modelo econômico capaz de conciliar desenvolvimento e defesa da floresta.
A reportagem é de Sergio Suchodolak, publicada em L’Osservatore Romano, 11-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quem está convencido disso é o cientista brasileiro Carlos Afonso Nobre, Prêmio Nobel da Paz em 2007 e membro da Comissão de Ciências Ambientais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que participa como convidado especial do Sínodo para a região pan-amazônica.
Nesta entrevista ao L’Osservatore Romano, Nobre explica o seu ponto de vista, aprofundando em alguns pontos da intervenção que proferiu na terça-feira à tarde, 8 de outubro, perante a assembleia.
Eis a entrevista.
O senhor lembrou aos Padres sinodais que a Amazônia – descrita não como “pulmão do planeta”, mas como “coração biológico” da Terra – está cronicamente ameaçada, mas a ganância do homem parece não ter limites. Na sua opinião, é possível conciliar floresta e agricultura (“agroflorestal”), sem comprometer para sempre a fertilidade do território?
Sim, é possível. Se levarmos em consideração os 11 mil anos de presença humana na Amazônia, vemos que todos os povos indígenas desenvolveram ao longo do tempo uma forma de recurso aos produtos da fortuna sem jamais destruí-la. Podemos dizer que eles “antropizaram” a floresta. Hoje, a floresta pluvial amazônica possui milhares de produtos aos quais os indígenas recorrem, em quantidades muito maiores do que no período anterior à presença humana no seu território. E a floresta continua existindo sem a extinção de qualquer espécie.
Com isso, podemos aprender uma lição para melhorar a qualidade de vida também de outros povos, não apenas das populações indígenas e tradicionais. A ciência moderna desenvolveu os chamados sistemas agroecológicos para tornar as florestas mais densas em algumas espécies, aumentando assim o seu valor econômico. Essas agroflorestas já começaram a garantir maior bem-estar às famílias que promovem a agricultura em nível local. Por exemplo, existem sistemas que produzem açaí, castanhas, cacau e babaçu. Esses sistemas são muito mais lucrativos do que se a floresta fosse substituída pela criação de bovinos ou pelo cultivo de soja e até mais lucrativos do que a própria mineração. No entanto, embora essas famílias tenham melhorado as suas vidas, ainda não têm uma renda suficiente para alcançar a classe média.
Nesse ponto, devemos dar o próximo passo: isto é, levar a ciência moderna a fazer com que esses produtos florestais adquiram maior valor. Além disso, existem milhares de produtos florestais que não são consumidos nos mercados fora da Amazônia e que poderiam realmente agregar um valor muito maior à economia dessas famílias, até mesmo com o extrativismo. Trata-se de um modelo de desenvolvimento totalmente viável, com os instrumentos de que dispomos hoje, até porque promove um equilíbrio entre o saber tradicional e a ciência e a tecnologia modernas.
Referindo-se à “quarta revolução industrial”, o senhor afirmou que tecnologias avançadas podem ajudar a proteger não apenas esse, mas também outros ecossistemas do planeta. Como a ciência pode intervir concretamente para superar a ameaça a essa região?
As tecnologias da “quarta revolução industrial” do século XXI já estão dominando o mundo e podem ser aplicadas porque são amigáveis, duráveis e baratas, à disposição de qualquer um. E são capazes de alcançar o coração da floresta. Dessa forma, elas criam a possibilidade de uma exploração sustentável dos produtos da floresta “em pé” e tornam as populações amazônicas independentes da tecnocracia. Elas darão um valor agregado aos produtos das comunidades e melhorarão a qualidade da sua vida.
Como os governos dos países amazônicos podem agir em conjunto, ancorados na lei, para proteger os povos indígenas, levando-os a assumir uma participação mais ativa na construção da sua própria história?
Existe uma necessidade realmente urgente de democracia, a ser implementada nos países amazônicos. As nossas democracias são realmente imperfeitas, pois a população elege com as melhores intenções os seus governantes, que, depois, nem sempre a representam. Mais de 80% dos políticos desses países parecem buscar principalmente seus próprios interesses, incluindo os interesses econômicos que se escondem atrás da destruição da floresta.
Na sua opinião, o “desenvolvimento sustentável”, às vezes abusado, pode ser uma solução viável em vista do bem-estar dessas populações, sem fazê-las perder a riqueza das suas próprias culturas e tradições?
Um elemento essencial do desenvolvimento sustentável é a união entre o lucro econômico e a manutenção dos serviços ecossistêmicos florestais, que representa a própria existência da floresta. A busca desse equilíbrio é possível e desejável. E esse é o caminho que devemos seguir na Amazônia.
Para o Papa Francisco, especialmente na Laudato si’, tudo está interligado, e, se a visão integrada “Deus-homem-mundo” não for devidamente respeitada, a criação poderia perder para sempre a sua beleza original. Como representante da comunidade científica internacional, o senhor concorda com essa visão?
A visão da casa comum tem grande força, é emblemática e simbólica. E hoje vemos os enormes riscos que a casa comum amazônica corre.
É por isso que uma visão holística, como a do Papa Francisco, é tão importante, porque devemos estar cientes de que, se não lidarmos com a Amazônia hoje, não haverá futuro para ela.
Em 2007, o senhor recebeu o Prêmio Nobel da Paz por ter contribuído para “difundir os conhecimentos sobre as mudanças climáticas causadas pelo homem”. Qual é o denominador comum entre paz e ambiente?
Existe um vínculo muito claro entre a paz e o ambiente. Por exemplo, vemos que a urbanização no mundo continua gerando uma pobreza incrível, especialmente nas grandes cidades dos países em desenvolvimento, também na região amazônica. Essa desordem que levamos para as grandes cidades causa uma perda de qualidade de vida e, portanto, da própria felicidade, e isso provocou enormes desequilíbrios, como a criminalidade e a violência, que levaram à criação de um tecido urbano no qual a ausência de paz é palpável.
(EcoDebate, 15/10/2019) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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Carlos Afonso Nobre, um dos mais importantes cientistas brasileiros, não recebeu o Prêmio Nobel, ainda que o merecesse.
Até onde tenho notícia, nenhum brasileiro recebeu até o momento esse Prêmio. Por favor me corrijam se estiver errada
Não sabia que o Carlos Afonso Nobre havia recebido o Prêmio Nobel da Paz. Brilhante entrevista
Prezada Eloísa,
O Prêmio Nobel de 2007 foi concedido coletivamente aos membros do IPCC, o que incluiu o pesquisador Carlos Nobre.
A informação, portanto, está correta.
Atenciosamente
Henrique Cortez, editor