92% da população mundial de 2100 ainda não nasceu, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Os olhos de todas as gerações futuras estão sobre vocês.
E se vocês optarem pelo fracasso, eu digo que nunca iremos perdoá-los”
Greta Thunberg (Nova York, 23/09/2019)
[EcoDebate] O mundo caminha para uma Terra cada vez mais inóspita e inabitável. O colapso ambiental já se vislumbra no horizonte. Porém, os governos, a iniciativa privada e inúmeros políticos de diversas orientações ideológicas continuam ignorando a catástrofe ecológica que se avizinha. O cenário climático que se desenha para o final do século XXI não é nada ameno e agradável.
Porém, somente 0,2% dos adultos de hoje, que nasceram no século XX, devem estar vivos em 2100 e apenas 8% da população de 2100 será composta pelos jovens de 0 a 19 anos atuais. Portanto, as consequências mais drásticas da crise climática e ambiental serão sentidas, em menor grau, pelas crianças e adolescentes atuais e, em maior grau, pelas gerações futuras que ainda nem nasceram.
A população mundial em 2100 deve alcançar o valor de 10,87 bilhões de habitantes, segundo a projeção média da Divisão de População da ONU. A tabela abaixo mostra a população mundial de 2100 por grupos etários. Nota-se que os 91,9%, dos quase 11 bilhões de habitantes de 2100, vão nascer a partir de 2020. Ou seja, 9,99 bilhões de habitantes – cerca de 92% da população prevista para 2100 – ainda não nasceram e vão começar a ver a luz do sol a partir do ano que vem.
Portanto, quando estamos falando da emergência climática e do colapso ambiental previsto, no máximo, até o final do século, estamos falando dos efeitos sobre uma população que ainda não existe. Somente 8% da população de 2100 terá nascido entre os anos de 2000 e 2019 e apenas a fração de 0,2% terá nascido no século XX. Por outro lado, um montante de 6,5 bilhões de habitantes – 59,9% da população de 2100 – só vai nascer a partir de 2050.
Segundo as projeções da ONU, entre 2020 e 2100, o número de nascimentos será de 10,89 bilhões e o número de óbitos de 7,8 bilhões. A diferença de 3,1 bilhões somada à atual população dará o resultado do número de habitantes em 2100.
Ou seja, a maioria absoluta dos habitantes que vão ser impactos da degradação ambiental e climática no final do século XXI ainda não nasceu e, desta forma, não pode votar e nem pressionar as lideranças globais para mudar o padrão de produção e consumo contemporâneo. O vandalismo ecológico atual viola os direitos das gerações que ainda não nasceram.
A população mundial de 2020 está estimada em 7,79 bilhões de habitantes, sendo 2,59 bilhões de jovens nascidos entre os anos 2000 e 2020. Apesar de representar 33% da população atual, a grande maioria está excluída das instituições de representação da democracia formal – nos países onde existe democracia – ou nem sequer são considerados onde a democracia é apenas uma utopia. Somente 612 milhões de jovens estão na faixa de 15 a 19 anos (7,9% do total populacional). Destes mais de dois bilhões e meio de jovens atuais, apenas 862 milhões vão estar vivos entre 2080 e 2100.
O fato é que o mundo é dirigido por adultos e idosos que, presos no imediatismo das respostas às demandas sociais mais urgentes, não costumam olhar para o substrato ecológico e nem para as demandas de longo prazo, pois não operam ou enxergam numa escala de tempo muito além da sobrevida média das gerações mais velhas.
Portanto, os jovens atuais têm pouco poder de decisão e as populações passadas e as gerações atuais de adultos e idosos estão deixando uma herança maldita, em termos ambientais, para as populações futuras, aquelas que ainda nem sonham em nascer.
Mas o conflito intergeracional já começou. Na Cúpula do Clima, em Nova York, Greta Thunberg disse para os “velhos” dirigentes mundiais: “Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias”.
Mais de 4 milhões de jovens repetiram algo semelhante e foram às ruas no dia 20 de setembro pedindo um futuro ambientalmente sadio. Outros 3 milhões foram às ruas no dia 27 de setembro. Todavia, líderes políticos, eleitos pelo povo, como Donald Trump e Jair Bolsonaro, sequer se dignaram a ouvir o apelo das crianças e adolescentes. E o pior é que estes dirigentes não escutam nem as palavras de sabedoria dos cientistas.
O problema é que existe um hiato entre o tempo necessário para se adotar medidas para conter o aquecimento global e a 6ª extinção em massa das espécies e a tomada de consciência de uma nova geração, que nem nasceu ainda, mas vai pagar o preço da inação das gerações presentes. O mundo está diante da possibilidade de ter gerações futuras sem futuro.
De certa forma, estas são algumas das preocupações da ativista Greta Thunberg que em discurso na ONU clamou por ações imediatas dos líderes mundiais. Abaixo duas traduções livres dos pronunciamentos da adolescente sueca em Nova York e em Montreal:
Discurso de Greta Thunberg na Cúpula do Clima da ONU, 23 de setembro de 2019
“Está tudo errado. Eu não deveria estar aqui. Eu deveria estar de volta à escola do outro lado do Atlântico. No entanto, todos vocês vêm a mim em busca de esperança? Como vocês ousam! Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias. E, no entanto, sou uma jovem sortuda. As pessoas estão sofrendo. Pessoas estão morrendo. Ecossistemas inteiros estão entrando em colapso. Estamos no início de uma extinção em massa. E tudo o que vocês podem falar é sobre dinheiro e sobre o conto de fadas do eterno crescimento econômico. Como vocês ousam!
Por mais de 30 anos, a ciência é clara. Como vocês ousam continuar a desviar o olhar e vir aqui dizendo que está fazendo o suficiente, quando as políticas e soluções necessárias ainda não estão à vista. Com os níveis de emissões atuais, nosso orçamento de CO2 restante será esgotado em menos de 8,5 anos
Vocês dizem que nos ouvem e que entendem a urgência. Mas não importa o quão triste e com raiva eu esteja, não quero acreditar nisso. Porque se vocês entendessem completamente a situação e continuassem a não agir, seria mal. E eu me recuso a acreditar nisso.
A ideia popular de reduzir nossas emissões pela metade em 10 anos apenas nos dá 50% de chance de permanecer abaixo de 1,5 ° C e o risco de desencadear reações em cadeia irreversíveis, além do controle humano.
Talvez 50% seja aceitável para vocês. Mas esses números não incluem pontos de inflexão, a maioria dos ciclos de feedback, aquecimento adicional oculto pela poluição tóxica do ar ou os aspectos de justiça e equidade. Eles também contam com a geração de meus filhos e de meus netos sugando centenas de bilhões de toneladas de seu CO2 do ar com tecnologias que quase não existem. Portanto, um risco de 50% simplesmente não é aceitável para nós – nós que temos que viver com as consequências.
Para ter uma chance de 67% de permanecer abaixo de um aumento de temperatura global de 1,5 ° C – as melhores chances dadas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – o mundo tinha 420 gigatoneladas de dióxido de carbono para emitir em 1º de janeiro de 2018. Hoje esse número já está até menos de 350 gigatoneladas. Como vocês se atrevem a fingir que isso pode ser resolvido com as soluções usuais e algumas técnicas. Com os níveis de emissões atuais, esse orçamento restante de CO2 será esgotado em menos de oito anos e meio.
Não haverá soluções ou planos apresentados de acordo com esses números hoje. Porque esses números são muito desconfortáveis. E vocês ainda não estão maduros o suficiente para dizer como é. Vocês estão falhando conosco.
Mas os jovens estão começando a entender sua traição. Os olhos de todas as gerações futuras estão sobre vocês. E se vocês optarem pelo fracasso, eu digo que nunca iremos perdoá-los. Não vamos deixar vocês escaparem disso.
Bem aqui, agora, é onde traçamos a linha. O mundo está acordando. E a mudança está chegando, quer vocês gostem ou não”.
Discurso de Greta Thunberg em Montreal, para 500 mil pessoas, dia 27/09/2019
“Então, pelo menos 500.000 pessoas estão aqui neste momento. Vocês devem se orgulhar muito disso porque fizemos isso juntos e não posso agradecer o suficiente por estarem aqui.
Hoje, em todo o mundo, milhões de pessoas estão marchando simultaneamente. E é incrível estarmos unidos de tal maneira por uma causa comum. Parece ótimo, não é? Mas é ótimo estar no Canadá. É um pouco como voltar para casa. Vocês são muito parecidos com a Suécia, de onde eu vim. Vocês tem alces e nós temos alces. Vocês tem invernos frios e muita neve e pinheiros. Temos invernos frios e muita neve e pinheiros. Vocês tem o caribu e nós temos as renas. Vocês jogam hóquei no gelo e nós jogamos hóquei no gelo. Vocês tem xarope de bordo e nós – bem, esqueça esse.
Vocês são um país que supostamente são um líder climático. E a Suécia também é um país que é supostamente um líder climático. E em ambos os casos, isso significa absolutamente nada. Porque em ambos os casos, são apenas palavras vazias. E a política necessária ainda não está à vista. Então, somos basicamente iguais.
Na semana passada, mais de quatro milhões de pessoas, em mais de 170 países, fizeram greve pelo clima. Marchamos por um planeta vivo e um futuro seguro para todos. Falamos da ciência e exigimos que as pessoas no poder ouvissem e agissem sobre a ciência. Mas nossos líderes políticos não ouviram. Nesta semana, líderes mundiais de todo o mundo se reuniram em Nova York para a Cúpula de Ação Climática da ONU. Eles nos decepcionaram mais uma vez com suas palavras vazias e planos insuficientes.
Dissemos a eles para se unirem por trás da ciência, mas eles não ouviram. Então, hoje, somos milhões em todo o mundo agindo e marchando novamente. E continuaremos fazendo isso até que eles escutem.
Se as pessoas no poder não assumirem sua responsabilidade, nós o faremos. Não deve depender de nós, mas alguém precisa fazê-lo.
Eles dizem que não devemos nos preocupar, que devemos esperar um futuro brilhante. Mas eles esquecem que, se tivessem feito seu trabalho, não precisaríamos nos preocupar. Se eles tivessem começado a agir a tempo, então essa crise não seria a que é hoje. E prometemos que, assim que começarem a assumir a responsabilidade e fazer o trabalho, deixaremos de nos preocupar e voltaremos para a escola, voltaremos ao trabalho.
E mais uma vez, não estamos comunicando nossas opiniões ou opiniões políticas. A crise climática e ecológica está além da política partidária. Estamos comunicando a melhor e atual ciência disponível a algumas pessoas – particularmente aquelas que, de várias maneiras, causaram essa crise que a ciência é desconfortável demais para enfrentar. Mas nós, que teremos que viver com as consequências e, de fato, aqueles que já estão vivendo com a crise climática e ecológica – não temos escolha.
Para ficar abaixo de 1,5 grau Celsius e nos dar a chance de evitar o risco de desencadear reações em cadeia irreversíveis além do controle humano – para fazer isso, precisamos falar claramente e dizer a verdade.
O relatório SR-1,5 do IPCC, lançado no ano passado, diz na página 108 do capítulo 2 que havia 67% de chance da temperatura global permanecer abaixo de 1,5 graus de aumento. Nas melhores probabilidades dadas pelo IPCC – o mundo tinha 420 gigatoneladas de CO2 para emitir em 1º de janeiro de 2018. E hoje, esse número já caiu para menos de 350 gigatoneladas.
Com os níveis de emissões atuais, esse orçamento restante de CO2 será totalmente gasto em menos de oito anos e meio. E observe que esses cálculos não incluem o aquecimento já oculto por poluição tóxica do ar, pontos de inflexão não lineares, loops de feedback bruto ou o aspecto da justiça climática equitativa.
Eles também estão confiando na minha geração, a sua geração, sugando centenas de bilhões de toneladas de CO2 do ar com tecnologias que quase não existem. Nem uma única vez ouvi nenhum político, jornalista ou líder de negócios sequer mencionar esses números.
Eles dizem: “Deixe as crianças serem crianças”. Nós concordamos. Sejamos filhos. Façam sua parte. Comunique esses tipos de números em vez de deixar essa responsabilidade para nós. Então podemos voltar a “ser criança”.
E não estamos na escola hoje. Vocês não estão no trabalho hoje. Porque isso é uma emergência e não seremos espectadores. Alguns diriam que estamos perdendo tempo de aula. Dizemos que estamos mudando o mundo.
Para que quando formos mais velhos, poderemos olhar nossos filhos nos olhos e dizer que fizemos tudo o que podíamos naquela época. Porque esse é o nosso dever moral, e nunca vamos parar de fazer isso. Nunca deixaremos de lutar por um planeta vivo e por um futuro seguro – pelo nosso futuro.
Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para impedir que esta crise piore, mesmo que isso signifique faltar à escola ou ao trabalho. Porque isso é mais importante. Já nos disseram tantas vezes que não faz sentido fazer isso. Que não teremos impacto de qualquer maneira. Que não podemos ter um impacto e fazer a diferença. Mas acho que já provamos que isso está errado.
Através da história, as mudanças mais importantes na sociedade vieram de baixo para cima, da base. E os números ainda estão chegando. Mas parece que 6,6 milhões de pessoas se juntaram à Semana para o Futuro, as greves desta sexta-feira (27/09) e da última sexta-feira (20/09).
Essa é uma das maiores manifestações da história. O povo falou e continuaremos falando até que nossos líderes escutem e ajam.
Nós somos a mudança e a mudança está chegando”.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/10/2019
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