250 anos do nascimento do grande ambientalista Alexander von Humboldt, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
250 anos do nascimento do grande ambientalista Alexander von Humboldt, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Quem pensa que os estudos e as preocupações com o meio ambiente são fenômenos recentes é porque não conhece a vida e a obra do cientista alemão Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt (14/09/1769 – 06/05/1859).
No dia 14 de setembro de 2019 se comemora os 250 anos do nascimento de Alexander von Humboldt. É uma data para recordar o pensamento, as ideias e os ideais de um grande cientista, geógrafo e naturalista, que foi pioneiro nos estudos dos ecossistemas e na defesa do meio ambiente.
A revista Pesquisa, da FAPESP, trouxe uma matéria assinada por Rodrigo Andrade (em julho de 2019) apresentando uma memória da vida e obra de Humboldt. Ele mostra que Alexander nasceu em uma família abastada da aristocracia da Prússia, atual Alemanha, com forte inclinação intelectual. Ele, juntamente com o irmão Wilhelm von Humboldt, receberam uma refinada educação no famoso Castelo de Tegel. Wolfgang von Goethe dizia “Em oito dias lendo livros uma pessoa não aprende tanto quanto em uma hora de conversa com Humboldt”.
Após a morte da mãe, os irmãos receberam uma herança vultosa. Alexander usou os recursos para financiar suas próprias pesquisas. Juntamente com seu amigo, o botânico francês Aimé Bonpland (1773-1858), organizaram uma viagem de pesquisa às Américas, ainda no século XVIII, e visitaram lugares que hoje fazem parte da Venezuela, Colômbia, Cuba, Equador, Peru, México e EUA, reunindo, registrando e estudando povos, artefatos e espécies de plantas até então desconhecidas.
A expedição durou cinco anos pelo Novo Mundo, entre 1799 e 1804, onde empreendeu análises sobre a distribuição geográfica de algumas espécies da flora, migração de aves e características geológica e mineralógicas, entre outros fenômenos naturais.
Os escritos de Humboldt abarcavam a noção de que a natureza era regida por um sistema interdependente, cujos fenômenos e forças entrelaçam-se entre si e em um só todo se amalgamam (a chamada ‘Naturgemälde’, um termo alemão que traduz a ideia de unidade ou todo). Essa ideia ajudaria a dar origem ao conceito de ‘ecologia’, ainda que o termo em si tenha sido cunhado mais tarde pelo zoólogo alemão Ernst Haeckel [1834-1919], em 1866, um grande admirador de Humboldt.
Na viagem aos Estados Unidos, em 1804, Humboldt se encontrou com o presidente Thomas Jefferson (1743-1826) e a nata da intelectualidade científica e política dos EUA (inclusive Alexander Hamilton que foi o primeiro Secretário do Tesouro dos EUA). Todos ficaram encantados e admirados com a descobertas e a inteligência de Alexander von Humboldt
A viagem às Américas (e os livros que Humboldt publicou posteriormente) não influenciaram apenas as diversas ciências e cientistas da época. Além de mostrar a riqueza ecológica da região, Humboldt também fez uma crítica implacável ao regime colonial e, especialmente, condenou peremptoriamente a escravidão. As ideias de Humboldt foram fundamentais para a formação intelectual de Simon Bolívar, que conheceu e se tornou amigo do revolucionário naturalista alemão na Europa, quando decidiu voltar para a América Latina e lutar pela independência dos países da região.
Sem querer estender muito as influências de Alexander von Humboldt basta citar três autores que se beneficiaram de sua obra e do seu pensamento. A influência mais marcante no campo da biologia foi sobre Charles Darwin (1809-82), que só embarcou no Beagle, em 1831, para fazer a famosa viagem científica ao redor do mundo, inspirado nas viagens e nas descobertas de Humboldt. Na volta da viagem e na preparação para o fundamental livro “A origem das espécies” Darwin se inspirou e se comunicou com Humboldt, tendo inclusive uma reunião presencial em 1842, quando o naturalista alemão acompanhava o imperador prussiano Frederico Guilherme 4º em visita à Londres.
Henry David Thoreau (1817-62) foi outro autor influenciado por Humboldt, sendo que o livro “Walden” só tomou a forma e a importância que teve após a inspiração que Thoreau teve ao ler os livros do grande naturalista alemão.
O grande economista inglês John Stuart Mill (1806-1873) – que era muito amigo do irmão de Alexander, Wilhelm von Humboldt – trouxe a influência de Humboldt para a economia, pois no livro “Princípios de Economia Política”, de 1848, há o capítulo “A condição estacionária”, onde critica o crescimento ilimitado do Produto Interno Bruto (PIB) e da população. Inspirado em Humboldt, Stuart Mill escreve:
“Por outro lado, não se sente muita satisfação em contemplar um mundo em que não sobrasse mais espaço para a atividade espontânea da Natureza; um mundo em que se cultivasse cada rood (1/4 de acre) de terra capaz de produzir alimentos para os seres humanos, um mundo em que toda área agreste e florida, ou pastagem natural, fosse arada, um mundo em que todos os quadrúpedes ou aves não domesticados para o uso humano fossem exterminados como rivais do homem em busca de alimento, um mundo em que cada cerca-viva ou árvore supérflua fossem arrancadas, e raramente sobrasse um lugar onde pudesse crescer um arbusto ou uma flor selvagem, sem serem exterminados como erva daninha, em nome de uma agricultura aprimorada. Se a Terra tiver que perder a grande parte de amenidades que deve a coisas que o aumento ilimitado da riqueza e da população extirpariam dela, simplesmente para possibilitar à terra sustentar uma população maior, mas não uma população melhor ou mais feliz, espero sinceramente, por amor à posteridade, que a população se contente com permanecer estacionária, muito antes que a necessidade a obrigue a isso” (p. 254).
A ideia de decrescimento demoeconômico tem inspiração em Humboldt. A biografia “A invenção da natureza: a vida e as descobertas de Alexander von Humboldt”, de Andrea Wulf (2016), é uma grande referência sobre as realizações do naturalista alemão.
O incrível é que Alexander von Humboldt percebeu a contradição entre as aspirações do desenvolvimento e a preservação da natureza muito antes da “grande aceleração”. Ele intuiu a possibilidade de um colapso ambiental há mais de 200 anos. Seu modo de viver e suas ideias servem de inspiração para todas as gerações que passaram por este mundo ao longo dos últimos dois séculos.
Humboldt foi um dos primeiros estudiosos a estudar a Amazônia e lançar um alerta mundial em defesa da sua biodiversidade. Ele ficaria triste em saber que o Brasil já desmatou 20% da cobertura vegetal, tem queimado a biodiversidade e caminha para transforma a maior floresta tropical do mundo em uma grande savana, com consequências catastróficas para o clima global.
Os 250 anos de nascimento de Humboldt devem ser comemorados com alegria, mas também com tristeza. Alegria por alguém que contribuiu tanto para a compreensão da ecologia e tristeza por saber que o mundo ignorou os conhecimentos de um sábio que indicou os rumos para uma convivência harmoniosa entre o ser humano e o meio ambiente.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Economia, população e meio ambiente no “Estado Estacionário”, Ecodebate, 14/09/2011 http://www.ecodebate.com.br/2011/09/14/economia-populacao-e-meio-ambiente-no-estado-estacionario-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ANDRADE, Rodrigo O. Um ecologista no Novo Mundo, revista Pesquisa, Edição 281, jul. 2019
https://revistapesquisa.fapesp.br/2019/07/10/um-ecologista-no-novo-mundo/
Cláudio do Couto. De quantos novos Humboldts precisamos? Agosto de 2019
https://www.goethe.de/ins/br/pt/kul/fok/ksm/21628746.html
WULF, Andrea. A invenção da natureza: a vida e as descobertas de Alexander von Humboldt, São Paulo, Planeta, 2016
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 13/09/2019
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