Porque o Brasil não precisa de energia nuclear, artigo de Heitor Scalambrini Costa e Zoraide Vilasboas
Porque o Brasil não precisa de energia nuclear, artigo de Heitor Scalambrini Costa e Zoraide Vilasboas
[EcoDebate] Os atuais padrões de produção e consumo de energia estão apoiados nas fontes fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral) que geram emissões de poluentes locais, gases de efeito estufa e põem em risco o suprimento do planeta a longo prazo, por serem finitas. É preciso mudar esses padrões, incentivar a economia de energia e estimular o uso das energias renováveis (solar, eólica e biomassa), sem gerar danos socioambientais. Nesse sentido, o Brasil apresenta uma condição bastante favorável em relação ao resto do mundo.
Não existe uma fonte de energia que só tenha vantagens. Não há energia sem controvérsia, mas a nuclear, pelo poder destruidor que tem qualquer vazamento de radiação, não deve ser utilizada para produzir eletricidade.
Fica evidenciado que, desde 2005, a indústria nuclear intensificou seu agressivo lobby em diversos países da América Latina com forte influência nos setores legislativos e da política energética, tentando impor a implantação de usinas, sob o falso argumento de que a energia nuclear é uma fonte “limpa”, segura e contribui para evitar o aquecimento global.
Com a retomada discutível e equivocada do Programa Nuclear Brasileiro, direcionado a finalizar as obras de construção de Angra 3, e os planos do Ministério de Minas e Energia de instalar no Nordeste usinas nucleares – a região do Brasil com maior potencial eólico e solar – nada mais atual que discutir as razões contrárias à instalação de usinas nucleares no território nacional.
A opção nuclear para geração de energia elétrica no Brasil e no Nordeste, em particular, não permite resolver os atuais problemas energéticos, e contribuir para com outros problemas sem solução à vista.
A seguir são apresentadas, sucintamente, as razões para rejeitar as usinas nucleares, vistas sob os seguintes aspectos:
– segurança energética,
– econômico,
– ambiental,
– social,
– riscos,
– proliferação e militarização nuclear,
– sustentabilidade energética,
– democracia.
Segurança energética
A segurança energética é um fator prioritário para o país e aumentará com a diversificação da matriz energética. Do ponto de vista da produção de energia, segundo a Empresa de Planejamento Energético-EPE, o país tem folga no abastecimento, podendo suprir as necessidades de energia elétrica, com as atuais taxas previstas de crescimento. Portanto é puro oportunismo, criar uma relação direta entre os apagões que ocorreram, com a necessidade da instalação de usinas nucleares para evitá-los. Como se os atuais apagões fossem decorrentes do desabastecimento, e novamente repetiríamos 2001/2002. Os defensores desta tecnologia associam enganosamente a instalação das novas usinas nucleares como solução aos apagões, que são ocorrências recorrentes do próprio modelo mercantilista empregado no país.
O fundamento principal para a construção de novas usinas de geração é de que existe uma previsão de crescimento da economia (sem que se questione a natureza do crescimento) e de que, em função disso, há necessidade de se ofertar mais energia para atender a esta demanda, construindo novas usinas.
Projeções do consumo futuro de energia dependem do tipo de desenvolvimento e crescimento econômico que o país terá. Existem vários questionamentos sobre os cálculos oficiais que apontam para taxas extremamente elevadas de expansão do parque elétrico brasileiro para atender a uma pretensa demanda. O que essa previsão esconde é o fato de praticamente 30% da energia elétrica ofertada pelo país ser consumida por seis setores industriais: cimento, siderurgia, produção de alumínio, química, o ramo da metalurgia que trabalha com ferro e papel/celulose – 30% somente para seis setores. São exatamente eles que puxam o consumo da energia elétrica para cima, os chamados setores eletrointensivos. Precisamos urgentemente discutir: energia para quê? Para quem? E como produzir?
Temos de fugir dessa ideia míope de discutir qual a melhor fonte. A melhor fonte de energia é aquela que não é consumida. Não consumir energia significa ter uma política de aumento da eficiência energética, situação da qual estamos muito longe ainda. Os resultados oficiais apresentados nesta área são pífios.
No Brasil, o consumo de energia per capita ainda é pequeno e é indispensável que o consumo de energia cresça para promover o desenvolvimento sustentável. No entanto, nada impede que o uso de tecnologias modernas e eficientes sejam introduzidas logo no início do processo de desenvolvimento sustentável, acelerando com isso o uso de tecnologias eficientes (aquecimento solar da água, eletricidade solar, geradores eólicos, geração distribuída… ). Combatendo assim o pensamento de que, para haver desenvolvimento, é preciso que ocorram impactos ambientais, devido à geração, transporte e uso da energia.
A conservação de eletricidade reduz o consumo e posterga a necessidade de investimentos em expansão da capacidade instalada, sem comprometer a qualidade dos serviços prestados aos usuários finais. A eficiência energética é, sem dúvida, a maneira mais efetiva de ao mesmo tempo reduzir os custos e os impactos ambientais locais e globais, garantindo assim, conjuntamente com as fontes solar, eólica e biomassa a segurança energética do país.
Aspectos econômicos
Do ponto de vista econômico, o custo de uma central nuclear de 1.000 MW é enorme, da ordem de 5 bilhões de dólares (R$ 20 bilhões). Geralmente este valor está aquém dos valores finais da obra. Nas planilhas de custos é subestimado (até não levado em conta) os custos de armazenamento dos resíduos, da desmontagem da central após sua vida útil e limpeza de locais contaminados, o reforço da linha elétrica para distribuição, e os serviços de fiscalização e segurança, entre outros. O chamado descomissionamento, representa o custo de desmontagem definitiva e descontaminação das instalações das usinas nucleares após o encerramento das suas operações. É preciso que se tenham garantias absolutas de que esse trabalho será levado a cabo com seriedade, e que as instalações e resíduos das usinas não serão simplesmente abandonados contaminados após o seu fechamento.
Como exemplo do que estamos falando, centrais nucleares que estão sendo planejadas atualmente na Finlândia, já estão custando o dobro do estimado antes do começo da obra. Já nos Estados Unidos, as usinas implantadas entre 1966 e 1986 tiveram, em média, custos 200% acima do previsto.
A história do nuclear mostra que esta sempre foi e continua a ser, mesmo com a nova geração de reatores, uma indústria altamente dependente de subsídios públicos. Isto significa que quem vai pagar a conta da imensa irresponsabilidade de se implantar estas usinas em nosso país, será a população de maneira geral, e em particular os consumidores, que pagarão tarifas cada vez mais caras.
Desde 2005, um dos mais conceituados centros tecnológicos do mundo, o Massachusetts Institute of Technology, tem assegurado que a energia nuclear não é competitiva sem subsídios. Estudos publicados pelos jornais The New York Times e The Financial Times chegaram à mesma conclusão. Outro estudo, publicado pela National Geographic Brasil (agosto 2005) aponta na mesma direção. E mais recentemente a revista britânica New Scientist listou argumentos que desfavorecem a energia nuclear: não sobrevive sem subsídios, os custos para pesquisa e desenvolvimento são altíssimos e também são insuportáveis os custos da disposição do lixo nuclear e do descomissionamento dos reatores, assim como a segurança nas usinas.
Para os brasileiros o maior impacto da instalação de usinas nucleares será nas tarifas. De 2001 a 2010, o aumento acumulado das tarifas de energia chegou a 186%, enquanto no mesmo período o IPCA (índice oficial de inflação do governo) acumulou 86%, segundo a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia Elétrica (Abrace). Pagamos uma das mais altas tarifas do mundo, e com tendência de aumento. Sem nenhuma dúvida pode-se afirmar que o uso da eletricidade nuclear contribuirá ainda mais para a elevação das tarifas de energia elétrica no Brasil.
Para aqueles que afirmam que o Brasil deve manter-se aberto para todas as possibilidades de aproveitamento na geração e oferta de energia elétrica, a médio e longo prazo, o desvio de recursos públicos para a opção nuclear será um verdadeiro obstáculo ao estabelecimento de políticas de incentivo e promoção de energias renováveis no país. O incentivo garantido às usinas nucleares deveria ser direcionado a outras fontes de geração de energia, muito mais seguras e menos impactantes do ponto de vista socioambiental, como a eólica, solar e a biomassa.
O governo brasileiro mostra mais uma vez que está disposto a bancar a construção de grandes empreendimentos contraditórios e de resultados duvidosos, contrariando interesses divergentes que não tem sido considerado e nem incorporado no processo de negociação e decisão.
No caso de Angra 3, além dos equipamentos absoletos já adquiridos, a estimativa de custos da obra, que era de R$ 7,2 bilhões em 2008, pulou para R$ 10,4 bilhões até o final de 2010, de acordo com a Eletronuclear. Isso sem contar os R$ 1,5 bilhão já empregados na construção e os US$ 20 milhões gastos anualmente para a manutenção dos equipamentos adquiridos há mais de 20 anos. Hoje se estima ser necessário R$ 15 bilhões de reais para finalizar a obra. Os custos e gastos em usinas nucleares são um sumidouro de recursos públicos, e quem pagará por esta insanidade será o povo brasileiro.
Questão ambiental
Do ponto de vista ambiental é uma meia verdade, afirmações que as centrais nucleares não contribuem para os gases de efeito estufa, e que são “limpas”.
Em operação rotineira, as centrais nucleares pouco agridem o meio ambiente, porém expõem a sociedade ao risco de acidentes que liberam na biosfera produtos de fissão nuclear de alta radioatividade, que podem trazer consequências catastróficas à vida. Embora pequeno, tal risco existe, e não pode ser negligenciado. Ademais, essas usinas não resolveram o problema do que fazer com os rejeitos de alta radioatividade, cuja deposição final demanda pesados investimentos. Estima-se que estes rejeitos tenham que ficar isolados durante milhares de anos.
Na geração da eletricidade nuclear na usina a produção de CO2 é pequena, mas se levarmos em conta o conjunto de etapas do processo industrial (chamado ciclo do combustível nuclear), que transforma o mineral urânio, desde quando ele é encontrado nas minas em estado natural até sua utilização como combustível dentro de uma usina nuclear, quantidades consideráveis de gases de efeito estufa são produzidas. Portanto, se levarmos em conta todo o ciclo para preparar o combustível nuclear que será “queimado” nas centrais, pode-se afirmar que esta fonte energética é uma importante fonte de emissões, que são produzidas na prospecção do mineral, na extração e no transporte de urânio, no transporte dos resíduos para processamento ou armazenagem e no futuro descomissionamento. Além das elevadas emissões de carbono, esse ciclo gera resíduos tóxicos altamente radioativos e contribui com agressões ambientais.
Além de uma central nuclear consumir elevados volumes de água para sua refrigeração, tendo sua instalação obrigatoriamente de ser próxima a grandes recursos hídricos (rios, mares…).
Vários estudos científicos têm mostrado que o ciclo do urânio é um grande consumidor de energia e um forte emissor de CO2. O estudo americano Nuclear Power: The Energy Balance (2005), que compara as emissões de CO2 analisando o ciclo de vida de uma central nuclear e de uma central a gás natural (com uma potência equivalente), conclui que, no longo termo, com o decréscimo da qualidade das reservas de urânio, a eletricidade nuclear provoca muito mais emissões que o gás natural consumido na termoelétrica.
O cálculo que faz a Oxford Research Group chega a 113 gramas de CO2 por kWh gerado. Isso é aproximadamente o que produz uma central a gás. Existe um mito, um afã de descartar, cortar e mostrar de maneira parcial a realidade desta fonte de energia.
Já de acordo com a metodologia de Storm e Smith para o cálculo de emissões, o ciclo de geração por fontes nucleares emite de 150 a 400 g CO2/kWh, enquanto o ciclo para geradores eólicos emite de 10 a 50 g CO2/kWh.
Segundo dados da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) considerando a mineração do urânio, o transporte, o enriquecimento, a posterior desmontagem da usina e o processamento e confinamento dos rejeitos radioativos, esta opção produz entre 30 e 60 gramas de CO2 por kWh gerado.
Verifica-se então grande contradição nos números relacionados às emissões, e que existem dúvidas sobre a capacidade de emissão de gases de efeito estufa, ao utilizar o urânio para gerar eletricidade. Creio que neste caso o aconselhável seja uma ação preventiva, de não utilização desta fonte de energia.
No caso brasileiro, embora a extração do minério utilizado pelas usinas ocorra em território nacional, o urânio vai para a Europa, onde é enriquecido. Reparem que só nos deslocamentos, terrestre e marítimo, não só existe a emissão de gases provenientes do transporte e do consumo de energia, mas também um grande risco da exposição dos materiais radioativos, ao realizarem viagens intercontinentais.
Aspectos sociais
É comum os defensores da tecnologia nuclear mencionarem com destaque, o impacto revolucionário que um empreendimento de R$ 20 bilhões, pode representar na economia local. Do ponto de vista da empregabilidade e dos ganhos financeiros para o município-estado que abrigar a usina nuclear, há uma falsa retórica de que os investimentos automaticamente favorecerão os moradores do entorno das instalações.
É bom lembrar aos desavisados que os vendedores da usina atômica são responsáveis pelo fornecimento do sistema de abastecimento de vapor, chamado Nuclear Steam Supply System (NSSS), e pelo layout da planta, o que representa aproximadamente 20% do custo total do capital. Os custos restantes são despendidos na contratação de empresas de engenharia e arquitetura e em fornecedores de sistemas e componentes.
A ausência de companhias com capacidade de projeto, fabricação e prestação de serviços de engenharia na região, ou mesmo no país, acaba exigindo a contratação de empresas do exterior e a realização de importações. Em geral, isso resulta em negociações que consomem tempo, extensões de prazos de entrega, dificuldades com a qualidade, transporte de equipamentos e outros problemas similares. Isso explica porque alguns vendedores de usinas têm procurado expandir suas responsabilidades para 50% ou 60% do orçamento total da obra, a fim de ter maior controle sobre a execução da usina.
Portanto não acreditem nestes benefícios mágicos trazidos “pelo progresso” representado por uma usina nuclear. Como exemplo, a construção de Angra 1 chegou a ter 11 mil homens trabalhando no período de maior movimentação da obra. Eles trouxeram também suas famílias e isso gerou um contingente humano imenso que a cidade teve que abrigar. Muita gente veio de outros estados. E se instalou o caos urbano sem que a cidade de Angra dos Reis pudesse atender os que chegavam com os serviços básicos. A migração desordenada em grandes obras no país é uma realidade incontestável.
Assim, acreditar que a mão de obra utilizada na construção e gerenciamento de uma usina nuclear no Brasil/Nordeste seja mão de obra da região, e que os royalties provenientes da usina serão maciçamente aplicados em ações sociais e ambientais, é a mesma coisa que crer em Papai Noel, Saci-Pererê, Mula sem Cabeça e tantas outras figuras do imaginário popular.
Em comparação com a tecnologia eólica ou solar, a energia nuclear cria poucos empregos. Energias renováveis empregam trabalhadores locais para a construção e para a manutenção. Os empregos são criados localmente e ficam no local, por isso as comunidades ganham.
Riscos
Atualmente são feitas afirmativas peremptórias de que as usinas nucleares apresentam alto grau de excelência tecnológica, como principal fator de garantia da segurança e o aumento da confiabilidade. Há uma tentativa de tranquilizar as pessoas, afirmando que a evolução tecnológica dos últimos 30 anos levou as usinas nucleares a se modernizarem e serem praticamente imunes em relação a acidentes. São citadas nos discursos “de perigo zero” as novas usinas que estão em estudos, chamadas de 4ª geração, que utilizam o conceito de “falha para a segurança”.
Afirmam que nestas usinas, quando ocorrem falhas de operação, estas são corrigidas, levando a uma condição mais segura do que a anterior. A correção das falhas seria automática, sem requerer necessariamente a intervenção dos operadores. Como se isto bastasse e fosse suficiente para impedir acidentes. É só verificar e comparar, que mesmo com os enormes avanços tecnológicos da indústria aeronáutica, acidentes ocorrem, como foi o caso do Airbus 330-200 da Air France/AF 477, pérola da indústria aeronáutica nos quesitos automatização e segurança.
E, mais recentemente, terremoto, seguido de tsunami, atingiu usinas nucleares no Japão, as mais seguras do mundo. Houve vazamento de radiação de um reator do complexo nuclear de Fukushima Daiichi, ao norte de Tóquio (250 km), após uma explosão ter arrebentado o telhado da instalação depois do grande terremoto (11/03/2011), com vazamento de radiação. Os efeitos imediatos deste acidente nuclear, anunciados oficialmente foram de 160 pessoas contaminadas pela radiação, e 170.000 retiradas do entorno do reator, com uma área de exclusão que foi aumentando de 3 km, passando a 10 km e atualmente a 20 km de raio em torno do reator acidentado.
Sem dúvida a segurança das usinas nucleares teve avanços importantes, mas, seu relativo controle é suscetível a fatores humanos e da natureza. Não podemos apagar dos arquivos da memória, acidentes nucleares ocorridos nos últimos anos. Em Three Mile Island, na Pensilvânia – Estados Unidos (1979), e em Chernobyl, na Ucrânia, (1986). Nos dois casos, os acidentes foram causados por falhas que provocaram um superaquecimento no reator e vazamento de material radioativo para a atmosfera.
Sempre há um risco de contaminação com radiação, independente se a usina nuclear funciona perfeitamente com um bom sistema de segurança. Emissão de isótopos radiativos de césio e estrôncio sempre acontece. Isso é uma contaminação “normal”, conhecida na linguagem internacional como contaminação “standard” das usinas nucleares. Acidentes com vazamento de radioatividade já aconteceram em várias usinas nucleares no mundo. A população sofre mais tarde de doenças graves como leucemia, aumentando o nível de mortandade. Além da contaminação do lençol freático e das terras se tornarem impróprias ao plantio e criação de animais.
E mais: parte do lixo nuclear produzido na usina precisa ser depositado de forma totalmente isolada do meio ambiente por um tempo que pode chegar a mais de 240 mil anos. E até agora a tecnologia para garantir isso de forma perfeita ainda não existe.
A radioatividade dos resíduos do urânio processado nas centrais é muito elevada, com graves riscos para a saúde pública durante dezenas a centenas de milhares de anos. Ainda não foi encontrada uma solução satisfatória para o tratamento dos resíduos, hoje armazenados em locais temporários. Este é um pesado legado para as gerações futuras.
E, infelizmente, mesmo o controle rigoroso na operação da usina e em todo processo produtivo do elemento combustível não nos livra de outros tipos de risco como roubo de rejeitos radioativos, ataques terrorista, terremotos, falhas humanas e mecânicas. As consequências de um acidente nuclear são desastrosas, afetando a presente e futura geração.
A nova geração de reatores nucleares em construção na Finlândia (Olkiluoto 3) e na França (Flamanville 3), apresentados como a vanguarda do renascimento do nuclear, têm registrado uma série de atrasos, derrapagens orçamentais e problemas técnicos de segurança. Na Finlândia, o prazo de conclusão da central foi adiado por dois anos e os custos de construção quase que duplicaram para um valor de R$ 11,5 bilhões, com várias falhas na construção a implicar potenciais riscos de segurança. Na França, os problemas são semelhantes. Agência de Segurança Nuclear francesa já mandou parar a construção por vários problemas técnicos de segurança registrados.
Até agora não se tem notícias de que algum acidente em usinas de geração de energia tenha tido proporções semelhantes a Chernobyl e a Fukushima. Ainda que Itaipu fosse destruída, e a maior parte da Argentina fosse por água abaixo, não ficariam sequelas em gerações sucessivas a exemplo do que ocorreu na Ucrânia e no Japão.
Outro fator de extrema preocupação, descrito no Relatório sobre Fiscalização e Segurança Nuclear da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados (2006), é que o Estado brasileiro está longe de ter a estrutura necessária para garantir a segurança das atividades e instalações nucleares. Nesse documento, são apontadas graves falhas na segurança em radioproteção, no controle, fiscalização e monitoramento do setor nuclear. Vale lembrar que, em setembro de 2019 a contaminação pelo Césio-137 em Goiânia, que vitimou milhares de pessoas completará 32 anos.
Proliferação e militarização nuclear
No Brasil, historicamente, a relação entre o uso da energia nuclear para fins energéticos e para fins militares é muito estreita. O Programa Nuclear Brasileiro surgiu durante a ditadura militar e até hoje atende demandas de alguns setores das forças armadas, fascinados pelo poder que a energia nuclear lhes traz. Outros grupos de interesse fazem “lobby”, como setores industriais, “preocupados” com o risco de um apagão; grupos de cientistas em busca novas pesquisas, prestígio e pelo comando do processo; fornecedores de equipamentos e as empreiteiras, por motivos óbvios.
A exportação e a proliferação contínua de tecnologia nuclear aumentam significativamente o risco de proliferação de armas nucleares, existindo o risco de novos Estados se tornarem novas potências nucleares.
Mesmo neste cenário de degradação ambiental e social, a ameaça de nuclearização da América Latina é real, com o Brasil dividindo com a Argentina a liderança nessa corrida. Ambos têm jazidas de urânio significativas, processo de enriquecimento em curso, usinas e minireatores. O Brasil já tem acordo de cooperação com a Venezuela, que firmou acordo com a Rússia para cooperação na produção de equipamentos. Outros países da América do Sul estão discutindo a fonte nuclear como alternativa para suas demandas de energia, como a Bolívia, Equador e Uruguai. O Peru e o Chile que planejam construir usinas nucleares.
A ressurreição do Programa Nuclear Brasileiro é mais um dos indícios da estratégia governamental de tornar o Brasil uma potência atômica. O dinheiro empregado no programa, para a construção e funcionamento de novas usinas núcleoelétricas, permitirá a lubrificação de todas as suas engrenagens. A cada usina que construirmos aumentaremos o volume de urânio que produzimos, ampliando a chance de virarmos sócio do Clube Atômico. Para tal é necessário ter a bomba atômica.
Devemos evitar para nosso país problemas de geopolítica que são gerados pelo ciclo de combustível nuclear, a tal ponto que depois das tensões com a Coreia do Norte, atualmente o Irã está em sério perigo de ter seu território invadido militarmente porque está enriquecendo urânio para geração nuclear.
Abrir mão da energia atômica significa um importante passo para evitar o perigo de uma nova onda de proliferação nuclear, dada a natureza dual da energia nuclear, que se presta tanto para aplicações pacíficas como militares, sem falar dos problemas físicos de segurança nuclear. Não podemos esquecer do que afirmou o físico Robert Oppenheimer, responsável pela construção da primeira bomba atômica, quando visitou o Brasil, em 1953: “Quem disser que existe uma energia atômica para a paz e outra para a guerra, está mentindo“.
Sustentabilidade energética
Lamentavelmente, a atual política energética e ambiental adotada tem levado o Brasil a caminhar na contramão do que vem sendo implementado em várias partes do mundo, com o uso de fontes renováveis de energia, não só na geração de energia elétrica, mas também no aquecimento de água solar que evita o consumo de eletricidade nos chuveiros. A noção de sustentabilidade energética descarta a eletricidade de origem nuclear como uma solução sustentável.
Na atual política de expansão da oferta de energia para o país, fica evidente o tratamento especial dado para a construção de mega-hidrelétricas na região Amazônica, de termoelétricas a carvão mineral e óleo combustível e a instalação de usinas nucleares.
O fascínio pelo gigantismo das megaobras, típico de mentes tecnocráticas e autoritárias, beira à insensatez, pois, dada a atual crise ambiental global, são recomendadas obras menores, que valorizam matrizes energéticas com fontes de energia renováveis, menos agressivas ao meio ambiente, e com produção descentralizada.
Se há um país no mundo que goza das melhores oportunidades ecológicas e geopolíticas para ajudar a formular um outro mundo necessário para toda a Humanidade, este país é o nosso. Ele é a potência das águas, possui a maior biodiversidade do planeta, as maiores florestas tropicais, a possibilidade de uma matriz energética menos agressiva ao meio ambiente – à base da água, do vento, do Sol, das marés, das ondas do mar e da biomassa.
Temos tudo isso em abundância. Entretanto, ainda não acordamos. Vivemos em permanente estado de letargia política, inconsciente, “deitado eternamente em berço esplêndido”. Não despertamos para nossas potencialidades e responsabilidade em face da preservação da Terra e da Vida.
Em nosso país existem várias alternativas para aumentar a oferta de energia sem a construção de novas centrais, uma delas é incentivando a eficiência energética. Também são evidentes a abundância dos recursos renováveis: solar, eólico e a biomassa para a diversificação e complementação da matriz energética. Simplesmente as vantagens comparativas destes energéticos renováveis não são levadas em conta.
Opções energéticas e a eficientização de processos e equipamentos são apresentadas pelos estudiosos da UNICAMP, USP, CHESF, UFPE, COPPE/UFRJ que indicam as possibilidades de redução da energia na demanda tanto do lado da oferta, como do lado do consumo. Além de apresentarem como fontes renováveis: a energia solar para aquecimento da água e para produção de eletricidade; a eólica; usinas térmicas a bagaço de cana (bioeletricidade) e restos de produtos agrícolas e as ondas do mar.
Democracia
A indústria nuclear é por sua natureza secreta e sem transparência. Em alguns países, foi criada uma polícia especializada para cuidar dos materiais radioativos contra o roubo pelos “terroristas”. Com este argumento, a indústria nuclear contribui para a diminuição dos direitos democráticos da sociedade, porque cria um “Estado de Segurança”.
A segurança das usinas geradoras e demais instalações nucleares (tratamento e enriquecimento de urânio, fabricação de elementos combustíveis, reprocessamento de combustíveis irradiados, depósitos de rejeitos etc.) implica importantes e custosos aparelhos policiais. Assim, países que optam pelas usinas nucleares em seus sistemas elétricos poderão ser forçados a adotar métodos próprios de Estados policiais.
É fundamental a necessidade de se discutir mais a questão energética. O debate de ideias e o confronto de interesses são instrumentos decisivos na formulação de uma estratégia energética sustentável e democrática. Daí a necessidade de ampliar os espaços de debate, hoje restritos aos gabinetes dos especialistas.
No Brasil, informações técnicas, econômicas, financeiras, de segurança, relatórios operativos e outros documentos sobre o ciclo de produção da energia nuclear continuam indisponíveis publicamente. Este fato ressalta o caráter autoritário na condução da política energética no país, o que viola o direito fundamental de acesso à informação que deve ser respeitado pela União, Estados, DF e Municípios como obriga a Lei de Acesso à Informação (2011).
Logo, para que não corramos o risco de material radioativo ser liberado pelas usinas nucleares em um acidente, a única decisão acertada seria não construir tais usinas. O Brasil não precisa de usinas nucleares.
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Heitor Scalambrini Costa, Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco. Físico, graduado na Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, com mestrado em Ciências e Tecnologia Nuclear na UFPE, e doutorado na Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França. É integrante da Articulação Antinuclear Brasileira.
Zoraide Vilasboas, Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania e integrante da Articulação Antinuclear Brasileira.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/08/2019
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Parabéns pelo artigo, bastante pertinente.