Vietnã: o vencedor do duelo comercial entre EUA e China, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A guerra comercial e tecnológica entre os Estados Unidos (EUA) e a China tem se agravado e já assume feições de uma nova “Guerra Fria”. A trégua obtida entre as duas potências durante a Cúpula do G20, em Osaka, no Japão, no final de junho de 2019, parece apenas um intervalo entre o primeiro e o segundo tempo da partida que ainda deverá ter muitos “pontapés”.
Em agosto, o presidente Trump anunciou, por meio do Twitter, que a partir de 1º de setembro os produtos chineses que até agora estavam à margem do conflito – cerca de 300 bilhões de dólares – terão uma tarifa de 10%. Pequim resolveu dar o troco e, além de reduzir as importações dos EUA, desvalorizou sua moeda, chegando a 7 yuanes por 1 dólar, o menor valor em uma década. Trump reclamou da guerra cambial e a bolsa de Nova Iorque chegou a cair cerca de 10% no início de agosto (quase 1000 pontos somente no dia 05/08).
As medidas protecionistas e antiglobalistas tendem a prejudicar toda a economia internacional. Já há quem preveja o início de uma recessão global no final de 2019 ou no máximo em 2020. Quando os dois gigantes expiram o resto do mundo “pega pneumonia”.
Mas há um país, que parece saber se situar na disputa e tem conseguido defender sua estratégia de desenvolvimento via aumento das exportações. O Vietnã tem tido ganhos, enquanto os dois gigantes e o resto do mundo perdem com a disputa comercial.
Em 1999, o Vietnã obteve um saldo comercial com os EUA de US$ 316,9 milhões, superávit que foi crescendo rapidamente até atingir US$ 11,2 bilhões em 2010 e alcançar US$ 39,5 bilhões em 2018. As projeções indicam um superávit de US$ 53 bilhões em 2019.
O gráfico abaixo, com dados do US Census Bureau, mostra o superávit vietnamita no primeiro semestre de cada ano selecionado. Nota-se que o Vietnã obteve um saldo comercial de US$ 107 milhões no primeiro semestre de 1999, passando para US$ 2 bilhões no primeiro semestre de 2004, US$ 4,3 bilhões em 2009, US$ 11 bilhões em 2014, chegou a US$ 18,2 bilhões no primeiro semestre de 2018 e alcançou a cifra de US$ 25,3 bilhões no primeiro semestre de 2019.
O Vietnã sempre foi um país agrícola e rural, mas que vem se urbanizando e se industrializando com muita rapidez. As duas grandes cidades do país são a capital Hanói (que fica no Norte e quase vizinha da China) e a cidade de Ho Chi Minh (antiga Saigon) que tem mais de 10 milhões de habitantes na região metropolitana (fica no sul do país) e é o centro financeiro e econômico do Vietnã. A terceira cidade em tamanho e peso econômico é Binh Duong que fica no sul e perto da cidade de Ho Chi Minh.
A economia do Vietnã cresceu 7,1% em 2018, ante 6,8% em 2017, e atraiu uma infinidade de empresas multinacionais, que fizeram grandes investimentos em mais de uma década e possibilitaram que o país, apesar de ainda pobre, se tornasse uma potência exportadora. Embora o sul seja a região mais dinâmica, o norte do Vietnã tem atraído muitas empresas chinesas, sendo que os investimentos em infraestrutura da Iniciativa “Um Cinturão Uma Rota” tende a aumentar a integração entre as economias vietnamita e chinesa.
O Vietnã ainda é um país mais pobre do que o Brasil, mas apresenta progressos muito mais consistentes nos últimos 30 anos. A renda per capita do Brasil (em preços constantes e em poder de paridade de compra – ppp) era de US$ 11,1 mil em 1980 e passou para US$ 14,4 mil em 2018, um crescimento de somente 0,68% ao ano, segundo dados do FMI. No mesmo período a renda per capita do Vietnã passou de US$ 1 mil em 1980 para US$ 6,7 mil em 2018, um crescimento de 5,1% ao ano. A renda per capita da população brasileira era 11 vezes maior do que a da população vietnamita em 1980 e somente 2,2 vezes em 2018. Embora o Vietnã tenha apresentado, em 2017, um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) menor do que o do Brasil (0,694 contra 0,759), alcançou uma esperança de vida ao nascer maior (76,5 anos contra 75,7 anos) e anos médios de estudo maior (8,2 ano contra 7,8 anos).
Mas o avanço do Vietnã na área de exportação e de competitividade internacional em relação ao Brasil é, indubitavelmente, impressionante, conforme mostra o gráfico abaixo, com dados da Organização Mundial de Comércio (WTO, na sigla em inglês). Em 1984, o Brasil exportou US$ 27 bilhões, contra apenas US$ 649 milhões do Vietnã (41,6 vezes mais). Em 2011, quando o Brasil bateu o recorde de exportação de US$ 256 bilhões, o Vietnã exportou US$ 114,5 bilhões (o Brasil exportou 2,6 vezes mais). Mas entre 2016 e 2018 os dois países exportaram, aproximadamente, o mesmo valor. Contudo, em 2019, as projeções indicam que o Brasil deve repetir ou baixar um pouco o valor das exportações do ano passado, enquanto o Vietnã deve atingir o recorde de cerca de US$ 260 bilhões.
Exportações do Brasil e do Vietnã: 1984-2019
WTO: http://stat.wto.org/StatisticalProgram/WSDBViewData.aspx?Language=E
O fato é que o Brasil, entre 1900 e 1980, crescia muito, enquanto o Vietnã – que estava dominado pela França e em guerra contra o Japão e os Estados Unidos – se mantinha um país pobre e atrasado. Mas os papéis se inverteram. O Brasil teve uma década perdida no período 1981-1990, quando o crescimento do PIB ficou abaixo do crescimento da população, apresentou baixo crescimento econômico entre 1991 e 2010 e teve uma nova década perdida na atualidade (2011-2020). Enquanto isto, do outro lado do mundo, o Vietnã manteve um crescimento do PIB acima de 6% ao ano desde meados da década de 1980. Mantida a tendência das últimas décadas a renda per capita do Vietnã será maior do que a renda per capita brasileira no início da década de 2030.
O Vietnã tem uma estratégia de desenvolvimento socioeconômico, tem se beneficiado da sua localização no leste asiático – que é a região de maior crescimento do mundo – e tem sabido se manter em equilíbrio com as duas potências mundiais. Em fevereiro de 2019 o país sediou a reunião entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, ocorrida em Hanói.
Acima de tudo, tem sabido se colocar em uma posição vantajosa na guerra comercial entre os EUA e a China. Apesar de ter um governo autoritário e pouco transparente, o Vietnã tem seguido o rumo da vitória na luta contra o subdesenvolvimento e o isolamento político.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/08/2019
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