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A privatização da Transposição de Águas do São Francisco, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

 

canal da transposição do rio São Francisco
Canal da transposição do rio São Francisco

A privatização da Transposição de Águas do São Francisco, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

[EcoDebate] Esses dias Lula reagiu ao fato da Transposição do São Francisco para a Paraíba estar paralisada há vários meses. Ele atribuiu essa responsabilidade ao governo Bolsonaro, chamando essa prática de desumana. O atual governo não reagiu às acusações de Lula.

Nossos grupos sociais foram os primeiros a reagir à obra da Transposição, logo que Lula tomou posse. Portanto, as primeiras reações a Lula não vieram da direita brasileira, mas de quem comungava a ideia de um outro país. Nossa proposta era incentivar a captação da água de chuva e construir pequenas e médias adutoras para o meio urbano, já que o desafio urbano é uma realidade no Nordeste atual, particularmente no Semiárido. Já havia o Atlas do Nordeste, uma obra da Agência Nacional de Águas, com propostas para cada município da região, e nós, da sociedade civil, já tínhamos a proposta da captação da água de chuva para beber e produzir através das cisternas e um leque imenso de tecnologias sociais.

Todos sabemos, prevaleceu a grande obra da Transposição, mesmo que depois os governos Lula e Dilma tenham financiado a captação da água de chuva e também algumas adutoras médias e pequenas para os centros urbanos. Acontece que todos os problemas que estavam previstos em termos de manutenção e operacionalização da Transposição estão acontecendo. Parece que se quer criar uma cortina de fumaça em torno dos problemas reais da obra.

Em primeiro, os canais e barragens sucessivas para elevação da água apresentaram problemas de ordem técnica, com rupturas e vazamentos, o que tem dificultado de forma grave o bombeamento contínuo das águas. Uma dessas barragens no Eixo Leste em Cacimba Nova, Pernambuco, teve problemas esse ano por sobrecarga e esse é o motivo técnico alegado para paralisar o bombeamento. Acontece que um reparo desse tipo leva tempo e outras barragens já tiveram problema como as de Camalaú e Poções na Paraíba.

Dessa forma, só o Eixo Leste estava em pleno funcionamento, mas de forma precária. A Fundação Joaquim Nabuco, em Pernambuco, vinculada ao Ministério das Ciências e Tecnologias, vem denunciando há tempos a pouca água bombeada e, pior, a grande perca ao longo do percurso. De uma média de 9m3/s bombeados, apenas 3m3/s estavam chegando ao reservatório de Campina Grande. Temos dito nos porões que construíram uma bomba atômica para matar um mosquito. Porém, com a inauguração da obra, um pouco de água estava chegando em Campina Grande e esse fato amenizava sua funcionalidade.

Essas notícias, um tanto escondidas, vem desde o começo do funcionamento do Eixo Leste, mas se agravaram nesse ano. O próprio Ministério Público da Paraíba recomendou a paralização do bombeamento até que os problemas estruturais de duas barragens fossem solucionados. Essa é a razão fundamental da paralização do bombeamento para a Paraíba. O governo Bolsonaro não respondeu se tem interesse em reativar o bombeamento, nem fala se o Eixo Norte um dia será devidamente concluído. O problema de sua funcionalidade será tão grande quanto o do Eixo Leste.

Acontece que nova notícia surgiu aqui pelo São Francisco, isto é, o governo Bolsonaro pensa em privatizar a Transposição. Esse objetivo também denunciamos há mais de dez anos, porque era uma proposta já vinda do governo de FHC por parte do Banco Mundial, isto é, criar um “mercado de águas” no Nordeste Brasileiro. A ideia não avançou naquele momento, mas aos poucos o mundo do capital vai impondo seus interesses.

Então, se vier a privatização, o pior acontecerá. Os paraibanos, e todos os estados receptores, perderão a autonomia de toda a água armazenada em seus reservatórios, inclusive aquelas oriundas das chuvas, já que as águas da Transposição se misturam com elas e não há como distinguir o que vem das chuvas e o que vem da Transposição. Então, provavelmente pagarão a água mais cara do mundo, inclusive aquelas que antes eram uma dádiva da natureza.

A dúvida que resta é se alguma empresa capitalista vai se interessar por essa obra, ainda mais se tiver que bancar sua manutenção. A não ser que façam aquele velho subsídio cruzado, isto é, lucram com a venda da água e põem a conta a pagar nas tarifas dos irrigantes, indústria e, principalmente, nas tarifas domésticas.

Finalmente, continua o silêncio sobre o destino fatal do Velho Chico. Bolsonaro quer privatizar também as Centrais Elétricas do São Francisco (CHESF). A exigência inicial dos compradores é demitir 1700 trabalhadores. Pior, retoma a ideia de construir barragens atômicas na região, começando por Itacuruba, Pernambuco. Faz-se um silêncio mortal sobre as 362 barragens nas cabeceiras do Velho Chico, quase 70% com rejeitos minerários. Dizem os estudiosos que basta romper a de Paracatu, com resíduos minerários de ouro, para matar o Velho Chico por 100 anos. Aquele ouro roubado num aeroporto de São Paulo esses dias vinha exatamente da mina de Paracatu.

Não temos nenhuma alegria em ver tantos problemas nessa obra como no Velho Chico, afinal, é a água. Ainda bem que a sociedade civil manteve sua proposta da captação de água de chuva para beber e produzir para as famílias. Mas, a natureza dessa obra da Transposição já indicava claramente seus desdobramentos e suas consequências. O governo atual apenas agrava o que já era muito problemático.

Enfim, como se diz aqui pelo Nordeste, “pau que nasce torto, até a cinza é torta”.

 

Roberto Malvezzi (Gogó)*, Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco. Membro da Equipe de Assessoria da REPAM (Rede Eclesial Pan Amazônica)
www.robertomalvezzi.com.br

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/08/2019

[cite]

 

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2 thoughts on “A privatização da Transposição de Águas do São Francisco, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

  • Valdeci Pedro da Silva

    Onde está a solução dos problemas?
    Nem Gogó (ponto de vista da igreja católica), nem governo brasileiro atual (defesa dos interesses capitalistas). Socialismo Sim, Mas, por qual caminho?

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Dentre os adversários da Transposição, você, Gogó, é um dos mais antigos, pois sempre defendeu a captação da água de chuva como solução para os problemas de falta de água do Nordeste.
    Acontece que a Transposição e a captação de água de chuva não são mutuamente excludentes. Ao contrário da água de chuva, a Transposição se propõe a levar água permanentemente ao Nordeste e não apenas durante o curto período do chamado “inverno nordestino”, que nem sempre acontece na mesma época.
    Você fala de problemas que a Transposição tem enfrentado. Isso acontece com muitas obras nova. É o que os engenheiros chamam de “mortalidade infantil”, ou seja, problemas surgem nos primeiros anos de funcionamento das obras, muitas vezes interrompendo seu funcionamento. A Transposição, uma obra de grande porte, não está isenta da “mortalidade infantil”. Entretanto, esses problemas estão dando experiência à equipe e, certamente, não vão se repetir no Eixo Norte.
    Gostaria de fazer uma retificação. Ainda não têm sido bombeados 9 m3/s e, portanto, não é de 6 m3/s a perda de vazão do Projeto. Tal perda não seria possível, pois os canais são de concreto, em que a infiltração não deve ocorrer.
    A Transposição tampouco se trata de uma bomba atômica para matar um mosquito. Na realidade, a bomba atômica eram as consequências terríveis da seca prolongada, que nos últimos anos atingiu números catastróficos. Sem a Transposição, não digo a seca, pois o nordestino não se pode lutar contra a seca como o esquimó não pode lutar contra o gelo, mas as consequências da seca continuariam a afetar o nordestino, pois a água de chuva é muito importante para o abastecimento humano, mas insuficiente para a agricultura, mesmo a agricultura familiar.
    Portanto, deixando de lado a questão política e tratando exclusivamente da questão técnica, devo dizer que, se a Transposição não tivesse sido realizada, grande parte da área rural do Nordeste Brasileiro continuaria a ser uma região pobre, em que os agricultores plantariam sem saber se haveria chuva e, portanto, se colheriam o que haviam plantado.
    É preciso não esquecer que a agricultura familiar é o mais forte elemento de fixação do homem no campo. Somente depois de inaugurado o Eixo Leste é que os paraibanos puderam voltar a seu torrão natal. Mas esse benefício não se aplica apenas à área rural. Somente com a regularização do abastecimento de água em Campina Grande é que muitas empresas reabriram suas portas, possibilitando o retorno de uma parcela dos 350 mil moradores da cidade, que haviam ido tentar a sorte em outro lugar.

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