Alimentação Saudável é direito, artigo de Roberto Naime
Alimentação Saudável é direito, artigo de Roberto Naime
Os bons hábitos alimentares, com a natureza e com os diferentes grupos sociais e o direito ao prazer no ato de comer devem ser compatibilizados.
[EcoDebate] Durante a época de nomadismo e nos primórdios do sedentarismo, a base hegemônica da alimentação eram produtos frescos, pois não haviam modos instituídos de conservação tanto em estado cru, e muito menos em preparados.
Como manifesta a nutricionista Regina da Silva Miranda, que integrou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), a dieta era diversificada, com adequação aos biomas locais e à sazonalidade dos bens vegetais.
Eram então características a inexistência ou indisponibilidade de sal e açúcar, o alto desempenho de atividade física, a baixa disponibilidade de alimentos, a apropriação gradativa e cumulativa de possibilidades alimentares ambientais locais e a produção de alimentos centrada no auto-consumo, quer seja individual ou familiar ou ainda grupal.
A busca continuada e desenvolvimento de domínio sobre conhecimentos acerca de formas de obter e preparar alimentos, emprego de condimentos naturais como saborificadores ou conservantes. Assim houve a formação do corpo dos seres humano, com reflexos no desenvolvimento de sua inteligência e matriz metabólica.
Em pouco tempo, no entanto se realizaram grandes mudanças no estilo alimentação, intimamente relacionadas com o modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado. Os resultados deletérios são visíveis e mensuráveis.
Como a incidência de sobrepeso e obesidade como problemas de saúde pública e a prevalência de doenças não transmissíveis como diabetes, hipertensão e doenças coronarianas.
Inclusive com destacada manifestação destes desequilíbrios entre crianças. E a predominância de deficiência de micronutrientes, com destaque para anemia e hipovitaminose. E ainda, a emergência de desvios de comportamento alimentar, como compulsão alimentar, anorexia nervosa e bulimia.
É nesse quadro que se coloca o tema da alimentação adequada e saudável enquanto direito humano conforme orienta tratado internacional para a promoção do Direito Humano à Alimentação Adequada, assinado por 151 países, inclusive o Brasil.
A definição abaixo reproduzida foi proposta ao debate nas conferências de Segurança Alimentar e Nutricional e consta do Relatório Final do Grupo de Trabalho do CONSEA. Ao extrapolar os atributos biológicos do alimento, se dispondo a avançar na direção dos preceitos sociais, políticos e ambientais, oferece generosamente, nova dimensão ao ritual da alimentação.
“A alimentação adequada e saudável é a realização de um direito humano básico, com a garantia ao acesso permanente e regular, de forma socialmente justa, a uma prática alimentar adequada aos aspectos biológicos e sociais dos indivíduos, de acordo com o ciclo de vida e as necessidades alimentares especiais, pautada no referencial tradicional local. Deve atender aos princípios da variedade, equilíbrio, moderação, prazer e as dimensões de gênero e etnia. E também às formas de produção ambientalmente sustentáveis, livres de contaminantes físicos, químicos, biológicos e de organismos geneticamente modificados.”
Os bons hábitos alimentares, com a natureza e com os diferentes grupos sociais e o direito ao prazer no ato de comer devem ser compatibilizados.
A construção deste modo de se alimentar deverá ocorrer por meio de processos interativos, educativos e participativos, que integrem a inclusão dos indivíduos e das coletividades, considerando suas diferenças como parte integrante do processo.
Uma proposta deve buscar a satisfação das necessidades biológicas, superando a ideia de “ração adequada”. É preciso oferecer sabor, enaltecer os rituais e valorizar costumes e tradições. Uma alimentação saudável, ambientalmente correta e socialmente justa, é constituída a partir de conhecimentos científicos e saberes práticos, devendo contemplar alguns preceitos fundamentais a seguir enunciados.
Diversidade, a alimentação é tão mais saudável se composta de diversos tipos de alimentos de origem vegetal e animal em menor escala, oferecendo numa mesma refeição, diversidade em cor, sabor e consistência e incorporando os hábitos alimentares regionais, pois existe grande correlação com os recursos da natureza local
É necessário aproveitamento integral das potencialidades nutritivas dos alimentos, em todas as suas formas, pois desde as sementes até as cascas e raízes têm valores nutritivos que são complementares.
A alimentação deve ser adequada às condições de funcionalidade das comunidades, bem como ao ritmo de vida das famílias.
Os custos financeiros e ambientais devem ser detalhadamente refletidos, tanto em relação ao poder aquisitivo dos indivíduos, quanto em relação aos recursos ambientais disponíveis.
A alimentação deve atender às necessidades nutricionais das comunidades e dos indivíduos, sendo livre de contaminações química, física, biológica e radioativa. E não deve ser proveniente de organismos geneticamente modificados.
Por fim, a alimentação deve ser adequada aos costumes locais. Em geral existe uma relação histórica e harmônica com o ambiente, entre os alimentos e a cultura dos povos que vivem na paisagem.
Enfim se deseja que a transformação de alimentação em direito não se restrinja a manifestos de intenções e alcance a dimensão de produzir melhor qualidade ambiental e qualidade de vida para todas as populações.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Aposentado do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
Referência:
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/07/2019
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