O corte das despesas militares poderia reduzir a pobreza e as emissões de CO2, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O corte das despesas militares poderia reduzir a pobreza e as emissões de CO2, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Imagine there’s no countries
It isn’t hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people living life in peace”
John Lennon
O corte das despesas militares poderia reduzir a pobreza e as emissões de CO2
[EcoDebate] O mundo enfrenta dois grandes desafios no século XXI: um, na área social, representado pela alta prevalência da pobreza e das desigualdades sociais; outro, na área ambiental, representado pelas mudanças climáticas decorrentes do aumento das emissões de CO2 que provocam o aquecimento da atmosfera do Planeta com inúmeras consequências sobre a vida na Terra e sobre a continuidade das conquistas civilizacionais.
Mas, ao invés de buscar a solução para estes dois problemas socioambientais urgentes, a comunidade das nações está, simplesmente, aumentando os gastos de guerra e de repressão. A 14ª Cúpula do G20, que se reuniu 28 e 29 de junho, em Osaka, nada fez para promover o desarmamento e o corte nos improdutivos e crescentes custos militares.
A produção de armas e de instrumentos de destruição em massa, ocorre às custas da falta de recursos para gerar emprego e renda para a população mais desfavorecida, para produzir alimentos orgânicos, energias renováveis e investimentos em saúde e educação para todas as gerações e para os excluídos dos benefícios do desenvolvimento.
O relatório de 2019 do Instituto Internacional para a Investigação da Paz de Estocolmo (SIPRI – Stockholm International Peace Research Institute) mostra que os gastos militares no mundo, em 2018, chegaram à impressionante cifra de US$ 1.822.000.000.000,00 (um trilhão e oitocentos e vinte e dois bilhões de dólares), um aumento de 2,6% em relação aos US$ 1.739.000.000.000,00 (um trilhão e setecentos e trinta e nove bilhões de dólares) de 2017.
E este valor vem subindo nas duas últimas décadas. O total de gastos militares em 2017, subiu 1,1% em termos reais em relação a 2016. Os gastos militares globais totais aumentaram pelo segundo ano consecutivo, atingindo o nível mais alto desde 1988 – o primeiro ano para o qual dados globais consistentes estão disponíveis. Os gastos mundiais agora são 76% mais altos do que a baixa pós-Guerra Fria em 1998. Os gastos militares mundiais em 2018 representaram 2,1% do produto interno bruto (PIB) global ou US$ 239 por pessoa.
Os cinco maiores gastadores em 2018 foram os Estados Unidos, a China, a Arábia Saudita, a Índia e a França, que juntos representaram 60% dos gastos militares globais. Os gastos militares dos EUA aumentaram pela primeira vez desde 2010, enquanto os gastos da China cresceram pelo vigésimo quinto ano consecutivo. Em 2018, os EUA e a China representaram metade dos gastos militares do mundo, sendo que O nível mais alto de gastos militares mundiais é, principalmente, o resultado de aumentos significativos nos gastos desses dois países. De uma certa forma, a guerra comercial entre EUA e China alimenta as despesas militares e torna mais provável a “Armadilha de Tucídides” (Alves, 21/06/2018).
Ainda segundo o relatório SIPRI 2019, 10% das despesas militares globais chegaria para acabar com a fome e a pobreza do mundo. No relatório “Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza” (PNUMA, 2011), mostrou que é possível erradicar a pobreza e fazer a transição do modelo “marrom” de desenvolvimento atual para uma economia verde e sustentável com investimentos da ordem de 2% do PIB mundial. Ou seja, se os governos dos grandes países, em vez de investir em tecnologia voltada para a “guerra e a morte”, investissem em tecnologias e ações para acabar com a miséria, promovessem a descarbonização da economia e garantisse a sustentabilidade ambiental, a possibilidade de um colapso social e ecológico ficaria mais distante.
O Artigo “U.S. military emits more CO2 than most countries”, de Kate Yoder (Grist, 12/06/2019) mostra que o Departamento de Defesa dos EUA emite tanto gás do efeito estufa a cada ano que seria o 55º pior poluidor do mundo se fosse um país, superando a Suécia, a Dinamarca e Portugal, de acordo com um novo estudo do projeto Custos de Guerra da Brown University.
A ironia é que os militares estão preocupados com o que acontecerá com o aquecimento global. No ano passado, o Departamento de Defesa informou que metade de suas bases estava ameaçada pelos efeitos das mudanças climáticas. A subida do nível dos mares está paulatinamente inundando a Base Naval de Norfolk, na Virgínia, mesmo em dias ensolarados, e o derretimento do permafrost ameaça a estabilidade dos edifícios militares no Ártico.
Além disso, especialistas em segurança nacional projetam que a mudança climática alimentará mais conflitos sociais à medida que os recursos se tornarem escassos. Eles sugerem que a seca na Síria, por exemplo, ajudou a criar as condições para a guerra civil que começou lá em 2011.
Os militares dos EUA emitiram 1,2 bilhão de toneladas métricas de CO2 entre 2001 (quando invadiu o Afeganistão) e 2017, de acordo com as estimativas do relatório. Isso é tanto quanto todo o Japão emite em um ano. Como o Pentágono não informa quanto combustível está usando para o Congresso, o estudo da Brown University Crawford usou dados do Departamento de Energia para seus cálculos e constatou que representa 77 a 80% de todas as emissões de gases de efeito estufa do governo dos EUA, conforme mostra o gráfico abaixo.
A pegada de carbono das forças armadas dos EUA já virou assunto na corrida presidencial. A senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts, detalhou recentemente um plano ambicioso exigindo que o Pentágono alcance emissões zero de carbono em bases e infraestruturas que não sejam de combate até 2030. Ela quer investir bilhões em pesquisa do Departamento de Defesa, em micro redes e armazenamento avançado de energia.
Mas existem outras ideias para reduzir as emissões. A primeira e mais importante é cortar gastos militares, que representam mais da metade do orçamento discricionário do governo. Com cerca de US$ 600 bilhões, se os militares reduzissem suas bases ou fechassem as que já estão sendo inundadas, estes recursos poderiam ser destinados à produção de energia solar e eólica ou à agricultura orgânica e ao plantio de árvores que sequestram o carbono.
Um bom exemplo ocorre na Costa Rica que decidiu eliminar o seu exército, reduziu os gastos militares e aumentou os gastos com proteção ambiental. A Costa Rica tem melhores indicadores sociais e ambientais do que a maioria dos países da América Latina e tem um IDH maior do que o do Brasil. O lema inspirado na Costa Rica deveria ser: “menos armas, mais educação, mais árvores e mais vida selvagem”.
Um novo mundo é possível se houvesse um redirecionamento dos US$ 1,822 trilhões utilizados anualmente nos gastos militares. O mundo poderia erradicar a pobreza e salvar o meio ambiente, pois pacifismo e ambientalismo são bandeiras gêmeas que se complementam.
A batalha pela justiça social e pela preservação da natureza passa necessariamente pela luta coletiva contra a corrida armamentista, pela redução dos gastos militares, pelo desarmamento, pela harmonia entre os povos e pela paz em nível internacional, regional, nacional e local.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. A ascensão da China, a disputa pela Eurásia e a Armadilha de Tucídides, IHU, 21/06/2018 http://www.ihu.unisinos.br/580107-a-ascensao-da-china-a-disputa-pela-eurasia-e-a-armadilha-de-tucidides-entrevista-especial-com-jose-eustaquio-diniz-alves
Kate Yoder. U.S. military emits more CO2 than most countries, Grist, 12/06/2019
https://grist.org/article/u-s-military-emits-more-co2-than-most-countries/
PNUMA, 2011, Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza – Síntese para Tomadores de Decisão, www.unep.org/greeneconomy
http://www.fapesp.br/rio20/media/Rumo-a-uma-Economia-Verde.pdf
SIPRI. World military expenditure grows to $1.8 trillion in 2018, 29/04/2019
https://www.sipri.org/media/press-release/2019/world-military-expenditure-grows-18-trillion-2018
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/07/2019
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Excelente artigo.
O MUNDO É O UNIVERSO, E A TERRA É UMA PEQUENA PARTE DO MUNDO.
Quando será que o Doutor José Eustáquio Diniz Alves, autor do artigo em apreço, vai compreender que MUNDO E PLANETA TERRA são entes infinitamente distintos e que não devem ser referidos como único se, especialmente em trabalhos importantes. Afora esse pequeno e significativo detalhe, o artigo apresente excelente qualidade.