Organizações da sociedade civil se posicionam sobre projeto que prevê o fim das multas para motoristas que deixarem de usar a cadeirinha
No dia 4 de junho, o presidente Jair Bolsonaro apresentou na Câmara dos Deputados um projeto de lei que, entre outras medidas, prevê eliminar a multa para os motoristas que transportarem crianças em veículos sem o uso dos dispositivos de retenção veicular infantil (bebê conforto, cadeirinha e assento de elevação). Caso a nova regra seja aprovada, o motorista infrator receberá apenas uma advertência por escrito.
A Resolução nº 277 do Contran, que determina a obrigatoriedade do uso dos dispositivos de retenção veicular para o transporte de crianças de até sete anos e meio de idade, entrou em vigor no Brasil em 2008. Entretanto, apesar dessa regra existir há mais de 10 anos, muitos responsáveis por crianças ainda deixam de usar esses equipamentos de proteção, mesmo correndo o risco de serem multados e terem seus veículos apreendidos.
De acordo com um estudo observacional realizado na cidade de São Paulo pela Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito, Johns Hopkins e USP, 47% dos motoristas não utilizam a cadeirinha ao transportar crianças em veículos.
Esse dado é extremamente preocupante, pois os dispositivos de retenção veicular são a única forma segura de transportar crianças dentro de um veículo. Os bancos dos carros e os cintos de segurança são projetados para pessoas com mais de 1,45 m de altura (esta altura é atingida por volta dos 11 anos de idade). Sendo assim, para que a criança esteja de fato protegida em caso de um acidente de trânsito, é essencial que ela utilize o equipamento correto para sua idade, peso e altura. Esses dispositivos, quando usadas corretamente, reduzem em até 71% o risco de morte em caso de colisão.
No Brasil, o trânsito é a principal causa de morte acidental de crianças e adolescentes de zero a 14 anos. Todos os dias, 3 pessoas dessa faixa etária morrem por esse motivo. A maioria desses óbitos são decorrentes de acidentes de carro.
Especificamente na faixa etária de zero a nove anos, que é o grupo etário que deve utilizar os dispositivos de retenção veicular, em 2017, 40% das crianças que morreram em acidentes de trânsito eram passageiras de veículos. Naquele ano, 221 crianças perderam a vida e outras 579 foram internadas em estado grave só no SUS em razão de acidentes de carro. Muitas dessas crianças acabaram com lesões permanentes, que as acompanharão pelo resto de suas vidas.
Especialistas em prevenção de acidentes são categóricos ao afirmar que apenas campanhas educativas não são suficientes para reduzir o número de mortes no trânsito. É preciso que a essas campanhas se ali-em leis e fiscalização que reforcem a importância do uso desses equipamentos e até mesmo que sejam feitas mudanças estruturais, como a redução da velocidade máxima permitida nas vias.
É muito importante que toda a população entenda a importância de utilizar os equipamentos de proteção para crianças ao transportá-las em veículos independentemente da penalidade de uma multa. Porém, sabemos que, na prática, a medida que o governo está propondo irá resultar na diminuição do uso desse equipamento de proteção. O que, sem qualquer dúvida, aumentará muito o número de morte de crianças em acidentes de trânsito no país.
Por isso, nós, organizações da sociedade civil que lutamos por um trânsito mais seguro para todos, somos contrários a esse trecho da proposta legislativa apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso.
Aos congressistas que agora estão responsáveis por analisar essa proposta solicitamos: avaliem bem o possível impacto dessa medida, pois ela pode prejudicar de maneira irreversível o futuro de milhares de crianças e famílias brasileiras, além de elevar o custo para o governo do atendimento em saúde.
Pedimos nada mais do que o respeito à nossa Constituição Federal que, em seu artigo 227 assegura absoluta prioridade aos direitos de crianças e adolescentes, entre eles o direito à vida, à saúde e de proteção contra toda forma de negligência, os quais são responsabilidade compartilhada do Poder Público, das famílias e da sociedade como um todo. Por essa regra constitucional, o cuidado com a infância e a adolescência deve ser considerado em primeiro lugar no âmbito de políticas, orçamento e serviços públicos. Assim, a proposta legislativa de alteração do Código de Trânsito contraria a regra da prioridade absoluta, ao colocar em risco a integridade e a vida de milhares de crianças e adolescentes.
Departamento Científico de Segurança Sociedade Brasileira de Pediatria
Sociedade de Pediatria de São Paulo
Fundação José Luiz Egydio Setúbal
Fundação Thiago Gonzaga
Instituto Alana
Avante-Educação e Mobilização Social.
Criança Segura Safe Kids Brasil
Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica
Associação Brasileira de Medicina de Tráfego
Associação Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado
A Criança Segura
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/06/2019
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