A escola e a ecologia dos saberes, artigo de Roberto Naime
A escola e a ecologia dos saberes, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] Regiany Silva e Patrícia Gomes dissertam que para o sociólogo e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Muniz Sodré, o pluralismo e a complexidade do mundo precisam ser abordados pela escola.
Para Muniz Sodré, “o conceito de cultura ecológica preconiza compatibilizar as diferenças”
O sociólogo Muniz Sodré é um defensor da diversidade. Em suas obras, que orbitam pelos campos da comunicação, cultura, sociologia e educação, ele exalta a necessidade do reconhecimento das diferenças e de uma aproximação afetiva delas como forma de se caminhar para a aceitação da pluralidade e se valorizar o Outro.
Formado em direito, com mestrado da sociologia da informação e doutorado em letras, Sodré é tido como um dos mais importantes intelectuais brasileiros. Ao transitar pelo ambiente acadêmico e o de saberes populares, ele faz o apreço ao diverso, que não deve ficar restrito apenas a produção científica.
Prova disso é que Sodré, ao mesmo tempo em que é professor emérito da UFRJ e já ocupou o cargo de presidente da Biblioteca Nacional, é também mestre de capoeira e tem o título de Obá de Xangô do Opô Afonjá, conferido a “protetores” de terreiro de candomblé.
Em 2012, publicou o livro Reinventando a educação: diversidade, colonização e redes, em que afirma que a ideia do “saber único” termina recalcando uma parte importante da realidade e seus efeitos são igualmente danosos no tocante à educação, porque o monismo cultural impede o pluralismo”.
A educação brasileira precisa ser entendida, uma vez que ela foi concebida com base em saberes eurocêntricos, descartando o potencial intrínseco aos outros povos que constituem a diversidade do nosso país. Ele entende que a experiência que cada aluno traz deve ser valorizada e compreendida na formação do que chama de ecologia de saberes.
Muniz Sodré falou da importância de os professores, figuras que considera cruciais na formação do indivíduo, mudarem de papel. Em vez de transmissores de conhecimento, eles devem assumir a função de tradutores das diversas linguagens do mundo, que são ainda mais vastas quando se considera que o conhecimento tem múltiplas origens.
Abordou também a tecnologia como um espaço ao qual estamos irremediavelmente ligados pela cultura digital. E criticou o currículo adotado pelas escolas, que acabam criando seres competitivos, e não necessariamente promovem a circulação de saberes.
Perguntado como o professor deve assumir o papel de iniciador nas linguagens do mundo. Como o professor se prepara para apresentar a seus alunos tantas linguagens, que podem ser novas, inclusive para ele, Muniz disserta “a docência como uma iniciação a linguagens supõe uma pedagogia que não se define por inculcação de conteúdos, mas pelo acolhimento da diversidade. Cada linguagem é um modo de ser do conhecimento, que envolve cognição e ética. Isto vale para qualquer campo do saber, até mesmo os mais especializados. Para tanto, o iniciador-tutor-professor, qualquer que seja o nome, precisa de uma formação diferenciada e uma reciclagem permanente. Tudo isto supõe também um status especial para o docente”.
Indagado como a lógica de diálogo com a tecnologia pode influenciar positivamente nos processos de aprendizagem, asseverou “tecnologia é a razão ou a linguagem da técnica. A consciência do homem contemporâneo é fortemente moldada não apenas pelos objetos técnicos de que dispõe, mas principalmente por um “coração” afinado com a ambiência tecnológica. Como toda aprendizagem começa a partir da ambiência, o diálogo educacional incluirá necessariamente os pressupostos tecnológicos do modo de existência”.
Provocado sobre o que falta para as escolas e as famílias serem capazes de educar para o sensível e para a diversidade e qual é a importância da aproximação com o outro e do reconhecimento da diferença na formação de cidadãos plenos, argumentou “a separação (platônica) entre “paidéia” (a cultura do logos) e “paidia” (jogo, a cultura do sensível) marca ainda hoje profundamente a educação ocidental. Mas é a própria tecnologia que põe em questão a pretensa superioridade lógica dos signos, das palavras, expondo a parte importante do sensível nas elaborações culturais. O conceito de cultura ecológica preconiza o dar-se as mãos às diferenças”.
Auscultado sobre falar que a escolarização precisa se desprender da ideia de escola. Como fazer com o que é aprendido fora da escola também seja valorizado e convidado a entrar na sala de aula, ele disserta “se fala de desprendimento físico, de escola entendida como centro imóvel de transmissão de conhecimento e formação humana. Escola é, na verdade, uma forma moderna, assim como a democracia e o mercado são formas, da socialização do saber. Essa forma não deveria ser monológica, nem monocultural, e sim o processo de incorporação e diálogo com todos os saberes circulantes num grupo humano qualquer. Seria essa a ecologia dos saberes”.
Finalizando se fala da necessidade da transformação de currículos e conteúdos. Quais são os conteúdos que precisam ser considerados e valorizados no currículo brasileiro,, ele conclui “os currículos escolares são geralmente absurdos, um sem-fim de matérias que o estudante esquece tão logo ultrapassa as barreiras de acesso ao ensino superior. Todo esse absurdo destina-se a preparar o jovem para a competição do teste. O conhecimento acaba definindo-se pela capacidade de passar no teste. Aí não se avalia realmente o saber, mas a competitividade do indivíduo, como se estivesse no mercado”.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
Referência: Revista Fórum
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/05/2019
[cite]
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