Sem mudar a produção e o consumo, as iniciativas verdes são insuficientes, artigo de Roberto Naime
Sem mudar a produção e o consumo, as iniciativas verdes são insuficientes, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] Propaganda é um tipo de comunicação destinada a persuadir determinada audiência rumo a uma ação. Em sua forma corporativa mais corriqueira, é usada por empresas para promover o consumo de seus produtos ou serviços.
Mudanças nas tecnologias de informação e comunicação alteraram os meios de veiculação das propagandas. Entretanto, a sua essência continua a mesma. Trata-se de juntar conhecimentos de marketing, psicologia, antropologia e outros campos para desenvolver e disseminar, com graça e criatividade, mensagens destinadas a induzir o consumo de serviços e produtos.
Um exagero que é uma heresia técnica, mas em boa parte significa criar necessidades que não existiam ou reforçar e fazer florescer traços de necessidades.
A autopoiese sistêmica dominante necessita ser alterada. Pois hoje só o consumismo garante a manutenção dos círculos virtuosos da sociedade. Aumento de consumo gera maiores tributos, maior capacidade de intervenção estatal, maior lucratividade organizacional e manutenção das taxas de geração de ocupação e renda.
O consumismo precisa ser substituído pela ideia de satisfazer as necessidades dentro de ciclos.
Há alguns anos, a fabricante californiana Patagonia de roupas para aventuras, publicou no jornal “The New York Times” o anúncio de um dos seus produtos sob o título “Não compre esta jaqueta”. A ideia é singela. Tudo aquilo que produzimos tem impacto ambiental. A fabricação do produto em questão consome água suficiente para atender à necessidade diária de 45 adultos e gera mais de 20 vezes seu peso em dióxido de carbono.
Os mais críticos, talvez vejam a peça como um golpe publicitário, um simulacro de comportamento ambientalmente correto para promover e estimular a venda de um produto.
Saki Knafo, em artigo para o portal da revista “The Atlantic”, informa que a mesma empresa patrocinou viagem de dois empregados em uma velha caminhonete, adaptada com uma minioficina no lugar da caçamba. A missão da dupla era oferecer serviços gratuitos de reparo para clientes possuidores de roupas velhas da empresa.
Parte de uma estratégia maior para iludir o consumidor? Talvez não seja tão simples. O fato é que se trata de um fabricante de nicho, produtor de peças duráveis para um público sensível à mensagem de responsabilidade ambiental. Além disso, a empresa vende aos clientes a mesma imagem apresentada aos empregados e atrai para os seus quadros profissionais adeptos da sustentabilidade e da responsabilidade ambiental.
O resultado é um paradoxo, uma organização que visa o lucro e depende de vendas, mas tem em sua cultura organizacional traços críticos contra o consumo desnecessário, e por isso cultiva uma visão de longo prazo, para os negócios e o meio ambiente.
Já é alguma coisa, em um mundo com ciclos cada vez mais rápidos, que troca de roupa a cada estação, de telefone a cada geração e de carro a cada inovação.
Por isso se sabe que leis e normas não vão resolver os problemas, embora sejam relevantes. A civilização humana determinará nova autopoiese sistêmica, na acepção livre da concepção de Niklas Luhmann e Ulrich Beck, que contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio.
Que é um sistema instável, muito frágil e vulnerável. Para sua própria sobrevivência, o “sistema” vai acabar impondo uma nova metamorfose efetiva.
Como observa Knafo, a aplicação desse tipo de estratégia é restrita a poucas empresas. A Patagonia, apesar de faturar 600 milhões de dólares e ter 2 mil empregados, é uma anomalia no mundo dos negócios, opera em um setor apoiado na indução de mudanças aceleradas no consumo.
De fato, é difícil imaginar um fabricante de automóveis tentando convencer seus clientes: “Para que trocar seu carro após 50 mil quilômetros? Está novo! Faça uma boa manutenção e ele vai rodar tranquilamente outros 50 mil quilômetros”. Ou uma caixa de supermercado, orientada pelo patrão, interpelar amistosamente seus consumidores: “Querida, você precisa mesmo de todos esses doces e embutidos? Esqueça a propaganda! Uma alimentação mais frugal vai te deixar muito mais saudável e feliz”.
Mas se insiste, não será apenas educação ambiental ou conscientização que determinará este novo evento civilizatório. Será uma nova situação de equilíbrio sistêmico no equilíbrio do arranjo social, resultante da percepção de benefícios por todas as partes interessadas, empresas, instituições e indivíduos.
Ou um fabricante de celulares advertir seus ansiosos clientes: “Nem pensem em comprar o modelo novo. Se você atualizar o sistema operacional, o seu aparelho atual vai ficar igualzinho ao novo”. Ou um shopping center que, por adotar uma política de consumo responsável, passa a submeter os clientes com mais de três pacotes a uma revista pessoal, “Você precisa mesmo de tudo isso? Não viu que essas peças foram produzidas por trabalho escravo?”
Ou ainda um fabricante de bebidas alertar, para espanto da clientela: “Chega de cerveja, companheiro! A barriga só vai crescer, a glicemia piorar e a loira definitivamente não vai olhar para você!”
Todos esses são cenários distantes e improváveis. Nos próximos anos, continuaremos assistindo aos efeitos do descompasso entre o nosso sofrido planeta e a máquina produtiva, incentivada por doidivanas promotoras do consumo. As iniciativas verdes continuarão interpretadas por muitos como românticas, exóticas ou hipócritas até que se transmutem em hegemônicas, se tornando a maneira correta de protagonizar a vida.
Um outro mundo é possível, mesmo dentro da livre iniciativa. Ocorre enfatizar que nada é manifestado contra a livre-iniciativa. Que sem dúvida sempre foi e parece que sempre será o sistema que melhor recepciona a liberdade e a democracia. Mas uma nova autopoise sistêmica para o arranjo social, é imprescindível.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
Referências:
http://www.forumdesalternatives.org/pt-br/lucro-verde
http://www.cartacapital.com.br/revista/856/lucro-verde-6400.html
http://www.alainet.org/pt/articulo/170874#sthash.2vHUg38E.dpuf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/04/2019
[cite]
[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate, ISSN 2446-9394,
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta enviar um email para newsletter_ecodebate+subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para newsletter_ecodebate+unsubscribe@googlegroups.com ou ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.
Pingback: Sem mudar a produção e o consumo, as iniciativas verdes são insuficientes, artigo de Roberto Naime – Supermercado News
Um fabricante de roupas para aventuras, publicou este anúncio: “Não compre esta jaqueta”?
Parece inacreditável, mas ainda quero ver um maço de cigarros imprimir anúncio espontâneo do tipo: Não fume; você vai perder dinheiro, perder saúde e enriquecer o fabricante.
Abs Paulo….
RNaime