Estudo de Caso Kanamari e Kulina – Terras Indígenas e os desafios da demarcação
TERRAS INDÍGENAS E OS DESAFIOS DA DEMARCAÇÃO
Estudo de Caso sobre as violações de direitos dos povos Kanamari e Kulina, habitantes das Terras Indígenas Bauana, Taquara e Kulina do Rio Ueré, respectivamente, localizadas no município de Carauari.
Este documento foi elaborado com a participação financeira da União Europeia. O seu conteúdo é de responsabilidade exclusiva de Cáritas de Tefe e CIMI Tefe, não podendo, em caso algum, considerar que reflita a posição da União Europeia.
Fabio Pereira, Francisco Amaral, Lígia Apel e Raimundo Francisco – CIMI Tefé.
O presente Estudo de Caso apresenta violações de direitos sofridas pelos povos indígenas Kulina, da Terra Indígena (TI) Kulina do Rio Ueré, aldeia Matatibem, e Kanamari, das TIs Taquara e Bauana, no município de Carauari, em decorrência da falta de demarcação dos territórios. Trata-se de violações que ferem direitos históricos constitucionais reconhecidos, como a preservação de suas culturas e modos de vida e a demarcação dos territórios tradicionais, e direitos sociais e civis específicos. Políticas públicas devem ser garantidas a toda população radicada em território brasileiro. Os direitos dos povos indígenas, sejam específicos como os territoriais ou adequados a seus usos, costumes e tradições, como saúde e educação, devem ser garantidos conforme a Constituição Federal de 1988, que garante: “São originários os direitos dos povos indígenas às terras que ocupam tradicionalmente […] São anteriores à formação do próprio Estado”, ou seja, existem sem a necessidade de reconhecimento oficial.
Os povos Kulina e Kanamari afirmam sua identidade étnica e mantém seus costumes com festas tradicionais de saudação à colheita dos roçados, coleta de frutas, pesca e caça, artesanato próprio, pinturas corporais e rituais religiosos. Mantém suas formas de vida e transitam sem prejuízos a ninguém pela forma de vida não indígena (na cidade). No entanto, relataram durante a pesquisa que enfrentam situações de preconceito e discriminação em atendimentos públicos; ausência, precariedade e/ou negação de atendimento à saúde indígena; negligência na efetivação da Educação Escolar Indígena; invasões de seus territórios para saque dos recursos naturais e ameaças à sua integridade física.
Esses povos reivindicam seus territórios há muitos anos. A comunidade Taquara enviou à FUNAI (órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, ao qual compete coordenar e executar as políticas indigenistas do Governo Federal, protegendo e promovendo os direitos dos povos indígenas) mais de 40 documentos pedindo posicionamento do órgão entre 2002 e 2008. Nos últimos anos, novos documentos foram enviados, mas não houve providências tomadas. A comunidade Bauana está na mesma situação, apesar de reivindicar a terra desde 2000 e a FUNAI denominá-la Terra Indígena Igarapé Preto Bauana. A terra Kulina do Rio Ueré possui sentença favorável à demarcação, mas o processo está parado no Tribunal Regional Federal da 1ª região, pois a União recorreu. Essas situações vêm, ao longo dos anos, desencadeando outras violações, especialmente na implementação de políticas públicas de saúde, educação e proteção territorial, comprometendo os modos de vida e a sobrevivência cultural destes grupos. O argumento dos poderes públicos locais para a não implementação de políticas públicas específicas é que não há regularização dos territórios, eximindo-se de suas responsabilidades.
A metodologia usada no Estudo de Caso envolveu 37 indígenas representantes das três aldeias que participaram de um encontro onde, intercalando atividades em grupo, debates em plenária e entrevistas individuais, resgataram histórias de identificação étnica, de formação das comunidades, de luta pela permanência na terra. Os debates deram visibilidade às violações dos direitos, mas também às reivindicações dos indígenas para reparação e erradicação das violações: política clara e eficiente de fiscalização e proteção das TIs; atendimento à saúde indígena com respeito a cultura e especificidades de cada povo; implementação da Educação Escolar Indígena de qualidade, bilíngue, específica e diferenciada; e respeito à autonomia e autodeterminação dos povos e comunidades indígenas, conforme garante a Constituição Federal e a Convenção 169, de que o Brasil é signatário. As lideranças consideram que tais políticas específicas são viáveis de realização.
O objetivo deste documento é contribuir para a defesa e proteção efetiva dos direitos civis e políticos de comunidades indígenas de Carauari, Amazonas e para o fortalecimento das capacidades das lideranças e organizações indígenas através do projeto “Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do médio rio Solimões e afluentes”, realizado pela Cáritas e CIMI-Tefé, apoiado pela União Europeia e Agência Católica para o Desenvolvimento Internacional (CAFOD).
A FALTA DE DEMARCAÇÃO DAS TIS E AS VIOLAÇÕES SOFRIDAS
As Terras Indígenas Taquara, Bauana e Kulina do Rio Ueré, onde está situada a aldeia Matatibem, no município de Carauari, não estão regularizadas, apesar das comunidades reivindicarem este direito há mais de 10 anos. No caso de Taquara, desde 1992. Vários documentos solicitando a regularização foram enviados à FUNAI e outros órgãos, inclusive ao Ministério Público Federal (MPF), responsáveis por assegurar as políticas indigenistas conquistadas constitucionalmente. Nenhum retorno foi dado até o momento.
Em decorrência dessa situação, são várias as violações de direitos que os indígenas da região sofrem. Algumas que impactam mais diretamente a vida dos indígenas são apresentas a seguir:
Invasões e ameaças
A consequência mais evidente da falta de demarcação das TIs é a inexistência de uma política de fiscalização e proteção. Em decorrência, os recursos naturais dos territórios e as populações indígenas que ali vivem ficam em situação de vulnerabilidade. Ao tomarem medidas de autoproteção, com tentativas de diálogo com os invasores, buscando mostrar a importância da conservação dos recursos naturais e ecossistemas, os indígenas sofrem ameaças à sua integridade física e cultural.
De acordo com os relatos, os invasores vão em busca de caça, quelônios, peixes e madeiras nobres, para serem comercializados clandestinamente e/ou junto com produtos regularizados para comercialização nos mercados da região ou fora dele. As invasões aumentam com a chegada do verão, período do ano em que as chuvas diminuem e os acessos às florestas são facilitados.
Ameaças de agressão física e morte, intimidação e agressões verbais são constantes, especialmente aos tuxauas, principais lideranças nas aldeias. Os invasores, ao serem abordados pelos indígenas que buscam sensibilizá-los através do diálogo, argumentam a ausência de regularização territorial e pedem, de forma sarcástica e intimidadora, o documento que comprova a “propriedade indígena”.
Caça com armadilhas de arma de fogo
A prática ilegal de caça é realizada com armadilhas letais, feitas com armas de fogo, colocando em risco a vida dos indígenas, que têm na caça um de seus meios de subsistência. Essa prática interfere nos caminhos que os indígenas percorrem, modificando suas tradições e conhecimentos dos locais onde coletam frutos, caçam e pescam. Uma das lideranças relatou que “já aconteceram três acidentes graves, um com um não índio, inclusive. Foram colocadas até 30 armadilhas no chupador (barreiro, local onde as antas se alimentam). Já encontramos até seis armadilhas prontas. Um ‘parente’ quase foi atingido”.
Pesca predatória
Os invasores utilizam o cipó timbó, que possui substâncias tóxicas, para pescar nos lagos da TI Bauana, contaminando as águas que os moradores utilizam para o consumo. Moradores urbanos invadem os lagos da aldeia Bauana para a pesca predatória da espécie Matrinchã, usando arrastão e linha, prejudicando a saída dos peixes para desova no rio.
Moradores não indígenas usufruem do território
Na Terra Indígena Kulina do Rio Ueré, aldeia Matatibem, existe a comunidade não indígena Formosa, com cinco casas. Não são moradores fixos, apenas permanecem na área sazonalmente, em épocas de plantio de roça e para coleta de frutas, caça e pesca. As relações com esses moradores são, geralmente, conflituosas.
Segundo os relatos dos indígenas, a Secretaria Municipal de Administração de Carauari propôs um acordo para mediar os conflitos, mas sem considerar o usufruto exclusivo dos indígenas no território e ameaçando-os de expulsão, caso não permitissem a entrada dos moradores temporários na área. Os indígenas aceitaram o acordo apenas verbalmente, pois entenderam que a FUNAI deveria apreciar e deliberar sobre sua pertinência. A FUNAI, até o momento, não se posicionou.
Os termos do acordo previam que os não indígenas, ao voltarem da pescaria, deveriam mostrar às lideranças indígenas suas caixas de pescados, como forma de fiscalização para impedimento de caça predatória e assegurar a quantidade de 30 kg de pescado por pessoa permitida. O acordo foi cumprido apenas no início de sua vigência. Atualmente, os conflitos continuam.
Moradores da RDS Uacari
A Terra Indígena Bauana está situada nas proximidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari. Há locais em que há sobreposição das áreas. Enquanto a situação territorial não é resolvida, alguns moradores da RDS, para não desrespeitarem as regras do Plano de Manejo da Pesca na sua área, desrespeitam o território indígena, realizando na TI a pesca e outras práticas predatórias que não podem realizar na RDS.
Ausência de providências para as denúncias
As invasões e ameaças de maior seriedade foram denunciadas aos órgãos de segurança pública municipais de Carauari, IBAMA, Coordenadoria Municipal de Meio Ambiente e FUNAI que tinha jurisdição em Carauari através da Coordenadoria Técnica Local (CTL), mas nenhum órgão tomou providências. Os indígenas também levaram ao conhecimento da chefia da RDS Uacari e do ICMBio algumas das invasões cometidas pelos moradores da Reserva. Mas as instituições alegaram que não têm competência para fiscalização em Terra Indígena e transferiram a responsabilidade para a FUNAI.
Das denúncias notificadas na Delegacia de Polícia de Carauari, apenas uma teve uma primeira providência (não efetiva) tomada. Ocorrida na aldeia Bauana, uma ameaça foi registrada em Boletim de Ocorrência na delegacia e os acusados foram intimados a prestar esclarecimentos, porém não compareceram à audiência e o processo foi dado por encerrado.
Saúde: atendimento insuficiente e precário
O Distrito Sanitário Especial Indígena do Médio Rio Solimões e Afluentes (DSEI–MRSA/SESAI) de Carauari mantém um polo base na aldeia Taquara, um mini polo na aldeia Matatibem e uma equipe multidisciplinar composta por uma enfermeira e cinco técnicos de enfermagem. No entanto, as estruturas das unidades nas aldeias são precárias e a equipe é insuficiente para o atendimento à saúde da população dos três territórios, estimada em 419 indígenas. Não há médicos para acompanhar a equipe. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) alega que não há orçamento destinado à construção de estruturas adequadas em terras indígenas que se encontram em processo de demarcação.
O atendimento realizado se resume em atenção primária, como vacinação e pré-natal. A própria equipe do DSEI–MRSA diz que não é possível realizar outros procedimentos. Já solicitou ampliação da equipe e relatou suas condições de trabalho aos seus coordenadores, mas ainda não foi atendida.
Ações de enfrentamento à malária são realizadas pela Fundação de Vigilância Sanitária (FVS) em parceria com a equipe do DSEI–MRSA/SESAI. Considerando o alto índice de malária nas aldeias, as campanhas da FVS e DSEI não são suficientes para controlar a doença e os indígenas solicitaram, por diversas vezes, a contratação de um Agente Indígena Microscopista, mas também não foram atendidos.
O município viola o direito à saúde indígena
A Secretaria Municipal de Saúde não tem atuação junto às populações indígenas de Carauari, seja atendimento convencional ou específico, apesar de a saúde indígena ser um subsistema do Sistema Único de Saúde (SUS), que tem obrigatoriedade constitucional de atender qualquer cidadão em todo o país. Os postos de saúde e hospitais de referência do SUS não atendem indígenas e não fornecem medicamentos sem a presença de um profissional do DSEI–MRSA. Essa denúncia surgiu durante as pesquisas deste Estudo, mas já tinha sido apresentada no 1º Mutirão de Direitos Indígenas de Carauari, em novembro de 2017. Em Carta Aberta do evento, a violação desse direito foi denunciada e encaminhada às autoridades competentes. Até o presente momento, nenhum retorno foi dado aos indígenas.
Campanhas, programas, contratação de Agentes Comunitários de Saúde e/ou de Endemias, aquisição de motores e demais equipamentos, melhorias na infraestrutura, fornecimento de medicamentos ou outras medidas que integram políticas de saúde garantidas a todo cidadão brasileiro, não são realizadas nas aldeias. A falta da regularização do território é o argumento utilizado pelos órgãos públicos municipais para a inexistência destes atendimentos.
Educação Escolar Indígena negligenciada
A pesquisa encontrou elementos contraditórios em relação à regulamentação das três escolas das TIs de Carauari nas declarações da Coordenação Municipal de Educação Escolar Indígena e nos registros do Ministério da Educação (MEC), concedidos pelo órgão por ocasião da incidência política realizada por uma delegação de indígenas apoiados pelo projeto em Brasília, no ano de 2017, bem como no Censo Escolar 2018, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Em Taquara, a nova escola foi construída em 2017. De acordo com o MEC, a escola está registrada na categoria Escola Rural em Área de Assentamento, mas não consta o nome da escola. No município o termo “indígena” integra sua identificação: Escola Municipal Indígena Kanamari Vicente Taveira Leite.
O Coordenador Municipal de Educação Escolar Indígena informou que a escola de Taquara “foi construída na categoria de escola do campo porque foi a forma encontrada pela gestão pública municipal para garantir que o prédio fosse construído no modelo que está hoje (estrutura de alvenaria), para atender os povos indígenas. Caso contrário, a aldeia não seria contemplada com o projeto, que era de âmbito federal”. Segundo o coordenador, “eles alegavam (a equipe do MEC) que não construíam escola em terra indígena que não fosse demarcada, legalizada”.
Em Bauana, um novo prédio para a Escola Municipal José de Arribamar foi construído em 2018, mas ainda não consta no Censo Escolar do INEP e a escola não está registrada no MEC em nenhuma categoria. No entanto, tem dois professores, sendo que um é indígena Kanamari contratado. A escola possui apenas uma sala de aula, banheiro que não está concluído, cozinha com falta de utensílios e uma secretaria sem equipamentos, utilizada pelos professores como moradia.
Já em Matatibem, a escola Meirismar Silva de Souza está registrada no MEC na categoria Escola Indígena mesmo com a ausência de demarcação da TI. Não tem professores indígenas, mas sim três professores não indígenas contratados, acompanhados por três tradutores da língua Kulina também contratados.
REIVINDICAÇÕES
Território
- Que a FUNAI execute as demarcações e regularize as Terras Indígenas Taquara, Bauana e Kulina do Rio Ueré, bem como implemente políticas claras e eficientes de fiscalização e proteção, garantindo à devida desintrusão e proteção para conter quaisquer tipos de invasões que ameacem a integridade física e cultural dos povos habitantes desses territórios, bem como protejam a riqueza natural e da biodiversidade existente nos territórios.
- Que a Prefeitura Municipal de Carauari encontre resolução adequada e justa para os moradores da comunidade Formosa, retirando-os da TI Kulina do Rio Ueré, aldeia Matatibem.
- Que os órgãos de segurança municipais, ICMBio e FUNAI, em parceria, encontrem formas de diálogo com os moradores da RDS Uacari, ou até mesmo medidas mais rígidas, que impeçam a continuação da invasão e extração indevida dos recursos naturais da Terra Indígena Bauana, por parte destes moradores.
- Que os órgãos de segurança municipais, ICMBio e FUNAI, em parceria e/ou isoladamente em suas devidas competências, tomem providências para as denúncias de invasão e saque dos recursos naturais, bem como para as denúncias de ameaças à integridade física dos indígenas, punindo e criando instrumentos para coibir as invasões.
Saúde
- Que os órgãos responsáveis pelas políticas de saúde, sejam locais ou federais, realizem a prestação dos serviços de atendimento à saúde indígena, respeitando a cultura e especificidades de cada povo, bem como se pautem em um modelo de abordagem integral contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação e meio ambiente.
- Que a Prefeitura Municipal de Carauari implemente saneamento básico e acesso de todos à água potável nas aldeias; delibere que os indígenas sejam atendidos sem discriminação nos postos de saúde e hospitais de referência do SUS e disponibilize medicamentos sempre que necessário, sem a exigência do acompanhamento de um profissional do DSEI–MRSA/SESAI; garanta a participação dos indígenas nas reuniões do Conselho Local de Saúde Indígena, do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) e do Conselho Municipal de Saúde.
- Que o DSEI–MRSA/SESAI amplie o quadro e promova capacitação para os profissionais de saúde indígena, inclusive com a contratação de Agentes Indígenas de Saúde, de endemias e microscopista, para atendimento nas comunidades; destine maior investimento na infraestrutura para a saúde indígena, como a construção de posto de saúde adequado na aldeia Bauana e reforma do Polo Base da aldeia Taquara; adquira meio de transporte para a remoção de pacientes das aldeias para o Polo Base de Saúde ou sede do município, conforme a necessidade; e regularize a compra periódica de medicamentos, disponibilizando-os para a equipe de saúde fornecê-los conforme a necessidade.
Educação
Que a Secretaria Municipal de Educação, através da Coordenação de Educação Escolar Indígena:
- Implemente políticas de Educação Escolar Indígena de qualidade, bilíngue, específica e diferenciada, que garantam condições para o ensino fundamental e médio completos nas comunidades:
- Crie, implemente, monitore e fiscalize as políticas públicas municipais de educação escolar indígena, garantindo a participação indígena no Conselho Municipal de Educação;
- Crie o cargo de professor indígena municipal com concurso público diferenciado, plano de carreira e garantia de estabilidade funcional e contrate professores bilíngues e supervisores indígenas;
- Promova formação para os professores indígenas, buscando parcerias com outras instâncias de ensino, como Secretaria Estadual de Educação e Universidades;
- Crie a categoria Escola Indígena Municipal, para que seja garantida a autonomia e organização própria das escolas indígenas, com Projetos Políticos Pedagógicos específicos e próprios para cada escola e realidade;
- Garanta as condições necessárias para o funcionamento da Coordenação Municipal de Educação Escolar Indígena, com recursos humanos e orçamento próprio para suas ações junto às aldeias;
- Equipe as secretarias, cozinhas e demais ambientes escolares com equipamentos, utensílios e materiais necessários;
- Viabilize a regionalização da merenda escolar e realize justa distribuição para as três escolas das TIs;
- Promova viagens do Secretário Municipal de Educação e Coordenador de Educação Escolar para as aldeias, a fim de conhecer a realidade escolar das TIs.
Autonomia
- Que a FUNAI e todos os órgãos públicos locais, estaduais e federais responsáveis por assegurar o direito indígena ao seu território atuem com respeito à autonomia e autodeterminação dos povos e comunidades indígenas, em respeito à Constituição Federal e à Convenção 169, que o Brasil é signatário, que garantem o direito dos indígenas de definirem suas prioridades em projetos e planos de desenvolvimento dos governos Municipal, Estadual e Federal, bem como de serem consultados para a tomada de decisão de medidas administrativas e legislativas que afetam seus territórios e suas vidas.
CONCLUSÃO
Este Estudo de Caso teve o intuito de diagnosticar e visibilizar a realidade de violações de direitos que sofrem os povos indígenas Kulina, da Terra Indígena Kulina do Rio Ueré, aldeia Matatibem, e Kanamari, das TIs Taquara e Bauana, município de Carauari, em decorrência da falta de demarcação dos territórios.
Por si só, a não demarcação das TIs estudadas é uma grave violação ao direito destes povos em ter seu território regulamentado. Direito esse garantido na Constituição Federal (CF) de 1988 em seu artigo 231, onde são reconhecidos “os direitos originários sobre as terras que [os índios] tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Assim, demarcar e proteger as TIs significa, para o Estado brasileiro, o reconhecimento aos indígenas do direito de ser e manterem-se como tal. Em capítulo específico da CF (Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VIII, Dos Índios), estão assegurados os direitos de preservação de suas culturas e modos de vida com preceitos que asseguram o respeito à organização social, aos costumes, às línguas, crenças e tradições. A terra é o que viabiliza esses direitos, pois é ela que dá identidade ao índio e se apresenta como um valor de sobrevivência física e cultural.
É o que expressa singelamente o tuxaua da aldeia Bauana, Atowé Kanamari, ao afirmar que o sentido e a importância de ter a terra demarcada estão na sobrevivência do seu povo. “Acho muito melhor ter nossa terra demarcada, reservar, ter terra pra nós plantar, nossos filhos poder ter ela pra viver”.
A CF mantém as Terras Indígenas sob propriedade da União, outorgando aos povos originários o usufruto do território, na prerrogativa de saldar a dívida histórica que o Estado brasileiro possui com esses povos. Tal domínio jurídico, no entanto, não impede a atuação dos estados e municípios para a prestação de serviços que atendam os direitos sociais e civis, tais como saúde, educação, meio ambiente e segurança pública, às comunidades indígenas, pois esses direitos devem ser garantidos a toda população radicada em território brasileiro. Para os indígenas, acrescenta-se a essa determinação legal suas especificidades culturais, que devem ser consideradas com atendimento diferenciado.
No entanto, constata-se nos depoimentos das lideranças dos povos Kulina e Kanamari, do município de Carauari, que o não cumprimento das políticas públicas indígenas por parte dos órgãos públicos locais, sejam de âmbito municipal, estadual ou federal, está atrelado à ausência de demarcação e regularização territorial. O que se contrapõe à legislação indígena brasileira.
O diagnóstico do presente Estudo de Caso é de que a realidade desses povos integra uma série de violações de direitos, tanto direitos territoriais específicos e vitais aos povos indígenas, como também direitos de cidadania e sociais, que devem ser garantidos respeitando os usos, costumes e tradições desses povos.
Ao analisar a realidade vivida pelos indígenas, verificar as variantes e minúcias das formas que acontecem as violações e apurar a legislação que garante o direito de manter seus modos de vida e cultura, este Estudo de Caso conclui que o Brasil tem boas leis, mas não as cumpre por fatores que implicam em comportamentos preconceituosos e de segregação racial. Para que as leis sejam executadas é importante combater esses comportamentos, sensibilizando e reivindicando seu cumprimento.
Na perspectiva de contribuir com os povos indígenas na busca pela reparação das violações, este Estudo avalia que a sensibilização da opinião pública, dos órgãos públicos e instituições da sociedade civil são importantes. A organização indígena, o conhecimento e respeito à legislação e as ações coletivas são fundamentais.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 10/04/2019
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