A população da África ultrapassará a população da China e da Índia em 2023, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A China e a Índia são considerados países continentais, pois tinham, cada um, uma população maior do que todo o continente africano. Mas como mostra o gráfico abaixo, com dados da Divisão de População da ONU, a população da África vai ultrapassar a população da China e da Índia em 2023 e deve continuar crescendo rapidamente durante todo o século XXI, enquanto a China começa a decrescer a partir de 2029 e a Índia começa a decrescer a partir de 2061.
Como mostra a tabela abaixo, somente a China, com população de 554,4 milhões em 1950 tinha o dobro do número de habitantes da África (222,7 milhões). A Índia tinha uma população de 376,3 milhões de pessoas em 1950. A população da China em 1950 representa 21,9% dos 2,5 bilhões de habitantes do mundo. A população da Índia representava 14,8% e da África representava 9%. China e Índia juntas (Chíndia) representavam 36,7% da população mundial e tinham um número de habitantes 4 vezes maior do que todo o continente africano.
Mas em 2023, a África com 1,45 bilhão de habitantes deve ultrapassar tanto a China (com 1,43 bilhão), quanto a Índia (com 1,42 bilhão). Em termos percentuais, a população da África deve representar 18,1% dos 8 bilhões de habitantes do mundo, neste ano.
Entre 1950 e 2023 a África deve apresentar um crescimento absoluto de 6,4 vezes, dobrando em termos relativos de 9% para 18,1% da população global. Mas a África, em 2023, ainda será cerca de metade do tamanho da Chíndia (2,86 bilhões de habitantes, representando quase 36% da população global).
Em 2061, a África com 3 bilhões de habitantes será muito maior do que, juntas, a China (1,28 bilhão de habitantes) e a Índia (1,68 bilhão de habitantes). Pela primeira vez, portanto, será maior do que a Chíndia (2,96 bilhões de habitantes). O continente africano representará 29,3% dos 10,3 bilhões de habitantes da Terra, a China 12,5%, a Índia 16,4% e a Chíndia 28,8% da população global.
No ano 2100, a África com 4,47 bilhões de habitantes será mais de 4 vezes superior ao tamanho demográfico da China (1 bilhão), cerca de 3 vezes o tamanho da Índia (1,5 bilhão) e quase o dobro do tamanho da Chíndia (2,5 bilhões de habitantes). Em termos relativos, a África representará 40% da população mundial de 11,2 bilhões de habitantes, sendo mais de 4 vezes maior do que o percentual da China (9,1%), 3 vezes maior do que o percentual da Índia (13,6%) e o quase o dobro da Chíndia (22,7%).
Segundo as projeções médias da Divisão de População da ONU, de 1950 a 2100, a China vai apresentar crescimento demográfico de 1,8 vezes, a Índia de 4 vezes, a Chíndia de 2,7 vezes, o mundo de 4,4 vezes e a África de quase 20 vezes.
Evidentemente, todo este crescimento demográfico e que, em boa medida, é acompanhado por um crescimento econômico, traz muitos desafios ambientais. Segundo a Global Footprint Network a Pegada Ecológica per capita da África sempre foi baixa e se manteve praticamente estável, pois estava em 1,26 gha em 1961 e passou para 1,39 gha em 2014. Porém, a biocapacidade sofreu uma grande queda devido ao crescimento populacional. A biocapacidade per capita estava em 4,96 gha em 1961 e caiu para 1,29 gha em 2014. O continente africano tinha um grande superávit ambiental em 1961 e passou a ter déficit ambiental a partir de 2010.
E o pior é que este déficit deve aumentar com o crescimento demoeconômico. Na África não dá para falar em decrescer o consumo, pois o padrão de vida já é muito baixo. A solução passaria por mudanças tecnológicas para melhor a eficiência ecológica da produção e a urgente estabilização da população. Todavia, mesmo que a taxa de fecundidade total (TFT) que está em 4,4 filhos por mulher no quinquênio 2015-20 caia rapidamente para abaixo do nível de reposição, a população do continente vai pelo menos dobrar de tamanho devido à estrutura etária jovem e ao processo de inércia demográfica.
Por outro lado, a África continua sendo objeto de disputa entre as potências mundiais, como os EUA, a Europa, a China e a Índia. Artigo de Arthur L. Herman (NR, 26/12/2018) mostra que assim como no século XIX as potências europeias buscavam explorar os recursos naturais da África, atualmente, está em curso uma nova disputa, colocando os Estados Unidos e a China e, em menor grau, a Rússia e a Índia uns contra os outros, tentando convencer seus respectivos campos sobre a nova África que está emergindo no século XXI. Até uma figura exponencial como Mahatma Gandhi tem sido acusado de racismo por vários países africanos (Biswas. BBC, 2015).
Estão em jogo os ricos recursos naturais da África, mercados em rápido crescimento e influência política e militar sobre o Hemisfério Sul do planeta. Mas enquanto os EUA e o resto do Ocidente ignoraram amplamente a África durante as duas últimas décadas, a China fez dela uma prioridade econômica e estratégica. Pequim a considera o local perfeito para a obtenção de matérias-primas, investimentos em negócios no exterior e, acima de tudo, para expandir a influência geopolítica da China, como parte de uma grande estratégia para substituir os EUA como principal potência hegemônica global.
Em 2018, o comércio entre a China e a África estava em torno de US$ 500 bilhões, enquanto o comércio americano é de cerca de US$ 10 bilhões e está em declínio.) Neste momento, a China tem mais de 3.000 projetos de infraestrutura em andamento em todo o continente e distribuiu mais de US$ 60 bilhões em empréstimos comerciais. A China investe em centenas de projetos de infraestrutura e busca ter controle especialmente de portos, aeroportos e vias de transporte e energia.
A crescente influência da China também tem seu lado militar. A decisão da China, em 2017, de construir uma base militar e naval em Djibouti, no Chifre da África, tem sido um fator de mudança geopolítica, dada sua proximidade com a base norte-americana em Camp Lemonnier. A localização da base do Djibuti dá aos novos porta-aviões da China um lugar para descansar e reequipar e para projetar o poder chinês onde, há dez ou 20 anos, imaginou ser possível.
Portanto, o alto crescimento demográfico da África pode não significar aumento do poderio do continente, mas sim o agravamento da situação de pobreza, um aumento do déficit ambiental e a maior dependência em relação aos investimentos, principalmente, do governo e das empresas chineses, mas também da Rússia e da Índia.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Referências:
ALVES, JED. Os desafios da África Subsaariana em sete figuras, Ecodebate, 16/06/2017
https://www.ecodebate.com.br/2017/06/16/os-desafios-da-africa-subsaariana-em-sete-figuras-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Arthur L. Herman. The Coming Scramble for Africa, NR, 26/12/2018
https://www.nationalreview.com/2018/12/africa-china-united-states-foreign-policy-economic-development/
Soutik Biswas. Was Mahatma Gandhi a racist? BBC, 17 September 2015
https://www.bbc.com/news/world-asia-india-34265882
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 08/02/2019
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