O lado avesso do licenciamento ambiental: o caso de Brumadinho-MG 2019, artigo de Syglea Rejane Magalhães Lopes
O LADO AVESSO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL: O CASO DE BRUMADINHO-MG 2019
Syglea Rejane Magalhães Lopes
Profa. Universidade do Estado do Pará – UEPA.
[EcoDebate] As atividades econômicas para serem desenvolvidas no Brasil necessitam seguir as orientações legais objetivando a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, desde 1981 a lei da política nacional do meio ambiente, n.º 6.938, previu vários instrumentos para gestão ambiental, dentre os quais se destaca o licenciamento ambiental para as atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes sob qualquer forma, de causar degradação ambiental.
Negligência na Implementação do Licenciamento Ambiental
Embora o licenciamento ambiental seja considerado na atualidade um dos instrumentos mais importantes por possibilitar ao Poder Público analisar as atividades econômicas e mensurar os impactos prevendo as medidas mitigadoras para trabalha-los, observa-se que sua implementação vem sendo negligenciada conforme as evidências apontadas: a) a liberação das licenças está relacionada a condicionantes ambientais, ou seja, as licenças são concedidas com pendências; b) falta de servidores públicos suficiente para as análises, vistorias e fiscalizações, além de muitas vezes, os órgãos manterem quadros com servidores temporários; c) o aporte insuficiente de recursos financeiros para as ações de vistorias e fiscalizações; d) a forte pressão exercida diretamente pela classe empresarial que apoiou candidatos eleitos, estejam eles no poder executivo ou do legislativo, as visitas frequentes da classe empresarial e de membros do poder legislativo aos órgãos ambientais constatam essa interferência política.
Ações de Extermínio e Destruição Gradativa do Licenciamento Ambiental
O cenário indica a falta de interesse político para tornar o licenciamento ambiental eficaz. Ao contrário, há uma tentativa conjunta no sentido de exterminá-lo ou destruí-lo gradativamente. Cite-se como exemplo de extermínio, no ano de 2012, uma Emenda Constitucional proposta por Gurgacz, a PEC-65, levada a plenário em 2016. E como exemplo de destruição paulatina outros projetos de lei apresentados, cujos apelidos indicam seus verdadeiros objetivos: licenciamento a jato, licenciamento flex.
Mas o carro chefe dessa destruição gradativa é o PL 3729 de 2004 que está no congresso nacional onde tramita em regime de urgência e traz as seguintes fragilidades, conforme divulgado no blog leia: a) flexibilização das exigências ambientais ao possibilitar estados e municípios decidirem sobre o potencial poluidor e degradador de cada empreendimento, extirpando a necessidade de seguir a orientação prevista no Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA; b) dispensa da consulta a outros órgãos responsáveis pela gestão de áreas estratégicas, c) dispensa de licenciamento ou autolicenciamento d) limitação da participação da sociedade ao retirar o direito da solicitação de audiências públicas; e) estabelecimento de prazos reduzidos. BLOG LEIA.ORG.BR. Projeto de Lei que afrouxa o licenciamento ambiental no país segue tramitando no Congresso. Disponível em: <http://blog.leia.org.br/projeto-de-lei-que-afrouxa-o-licenciamento-ambiental-no-pais-segue-tramitando-no-congresso/>. Acesso em: 27 de janeiro de 2019.
Falta de Implementação do Licenciamento Ambiental em Brumadinho-MG
O caso de Brumadinnho serve como exemplo clássico. Tragédia previamente anunciada, desde 2015, quando ocorreu a tragédia de Mariana-MG. Repetiu-se no mesmo Estado, com a mesma atividade, mesma empresa, uma vez que a Vale fazia parte da Samarco, e com causas similares, a ruptura de barragens.
Porém, a semelhança mais crítica é o fato das atividades estarem licenciadas ambientalmente pelo Poder Público. Ratificando a fragilidade na implementação do licenciamento ambiental. É imprescindível dar ênfase a fragilidade na aplicação deste instrumento, porquanto caso o órgão ambiental tivesse seguido o rigor previsto em lei, incluindo avaliação prévia dos impactos ambientais, as medidas mitigadoras, as vistorias e a fiscalização, provavelmente a tragédia teria sido evitada.
Mas, depoimentos indicam a forte pressão havida durante a liberação da última licença em Brumadino, confirmando que fatores políticos interferem na implementação das normas ambientais no Brasil. Ademais, embora com previsão de vistoria para liberação das licenças e fiscalizações, todas incumbências do Poder Público, detentor único do poder de polícia ambiental, há informações da própria Vale realizando vistorias e indicando não existir qualquer falha, além de contratar auditoria independente que concluiu pela estabilidade das barragens. (CERIONI, Clara. Brumadinho: risco de rompimento foi citado em reunião que aprovou licença. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/brumadinho-risco-de-rompimento-foi-citado-em-reuniao-que-aprovou-licenca/> Acesso em: 27 de janeiro de 2019)
Em uma demonstração clara de que a empresa pode até realizar vistorias e auditorias independentes, contudo sem prescindir da vistoria e fiscalização obrigatória por parte do órgão ambiental. O exemplo evidencia os riscos do autolicenciamento apresentado como alternativa prevista no PL 3729/2004, pois serão as próprias empresas a afirmarem que está “tudo certo”, como a Vale o fez. Porém, os resultados apresentados pela empresa em suas vistorias/auditorias, caíram literalmente por terra, levando além do patrimônio ambiental nacional, vidas que até a presente data somam 65 mortes e 279 pessoas desaparecidas. (GLOBO.COM. Tragédia em Brumadinho: 65 mortes confirmadas, 31 corpos identificados; lista tem 279 desaparecidos. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/ao-vivo/barragem-da-vale-se-rompe-em-brumadinho-na-grande-bh.ghtml> Acesso em 27 de janeiro de 2019.)
A tragédia de Brumadinho reforça a necessidade de prioridade na agenda do atual governo das questões ambientais, reconhecendo que o modelo de desenvolvimento não pode colocar apenas o econômico como meta, pois este quando buscado isoladamente extermina com o equilíbrio do ambiente e acarreta prejuízo às vidas. Portanto, a prioridade há de ser não o afrouxamento das normas ambientais, mas o rigor na sua implementação.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 01/02/2019
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