Países com rápida transição da fecundidade, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Países com rápida transição da fecundidade, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“I’ve never seen a problem that wouldn’t be easier to solve with fewer people.”
Sir David Attenborough
A transição da fecundidade é um dos fenômenos de mudança de comportamento de massa mais importantes e significativos da história da humanidade.
[EcoDebate] O ser humano é o único animal que regula o número de filhos e reduz o tamanho da prole em meio ao aumento do padrão de vida e à abundância. Nos 200 mil anos de história do Homo sapiens, a redução do número médio de filhos ocorreu somente nas últimas décadas.
A despeito das “escoras culturais pronatalistas”, a taxa de fecundidade total (TFT) média do mundo caiu de cerca de 5 filhos na década de 1960 para cerca de 2,5 filhos em 2015.
A TFT se reduziu pela metade em 50 anos, mas desacelerou o ritmo de baixa e se mantêm acima do nível da taxa de reposição (TFT = 2,1 filhos por mulher). Há ainda alguns países que resistem à desaceleração da fecundidade.
Porém, o ritmo da redução do número médio de filhos foi extremamente rápido em alguns países. Três países – Cingapura, Coreia do Sul e Irã – apresentaram as transições da fecundidade mais rápidas do mundo.
Cingapura – que era um país pobre até a sua independência em 1959 – tinha uma TFT de 6,6 filhos no quinquênio 1950-55 e de 6,34 filhos em 1955-60. Em apenas 20 anos a TFT de Cingapura passou para 1,84 filhos no quinquênio 1975-80. Ou seja, em 4 quinquênios a taxa de fecundidade passou de 6,34 filhos para 1,84 filhos (uma diminuição de 4,5 filhos na TFT). Foi a transição mais rápida (e mais precoce em sua rapidez) já ocorrida entre todos os países do mundo.
A Coreia do Sul – que viveu uma guerra destruidora com a Coreia do Norte entre 1950-53 e saiu em ruínas – tinha uma TFT de 6,33 filhos no quinquênio 1955-60 e passou para 1,57 no quinquênio 1985-90. Ou seja, a TFT passou de um nível acima de 6 filhos para um nível abaixo de 2 filhos em 30 anos (uma diminuição de 4,76 filhos na TFT em 6 quinquênios).
O Irã – que passou pela revolução islâmica no final da década de 1970 e pela guerra com o Iraque no início da década de 1980 – tinha uma TFT de 6,53 filhos em 1980-85 e passou para 1,97 filhos no quinquênio 2000-05. Ou seja, a TFT que estava acima de 6 filhos caiu para menos de 2 filhos em 20 anos (uma diminuição de 4,56 filhos na TFT em 4 quinquênios). Ainda na época do aiatolá Khomeini se adotou medidas de universalização da saúde reprodutiva, o que possibilitou a grande queda no número médio de filhos.
Brasil, Líbano e Costa Rica tinham TFT em torno de 6 filhos por mulher no quinquênio 1960-65 e passaram para uma TFT abaixo do nível de reposição no quinquênio 2005-10. Portanto, estes três países tiveram uma transição da fecundidade que durou cerca de 45 anos.
Portanto, estes seis países tiveram uma transição da fecundidade muito rápida, com destaque, principalmente, para Cingapura e Irã, que foram os países recordistas mundiais na transição de altos níveis para baixos níveis do número médio de filhos. Uma transição de mais de 6 filhos para menos de 2 filhos em apenas 20 anos é um acontecimento extraordinário e único. O caso da Coreia do Sul também merece destaque, pois fez a transição da fecundidade em 25 anos.
A transição da fecundidade no Brasil, Líbano e Costa Rica, mesmo demorando 45 anos, pode ser considerada uma mudança rápida, embora mais lenta do que nos casos excepcionais de Cingapura, Irã e Coreia do Sul. No caso de Cingapura e Coreia do Sul cabe destacar que, além da rapidez da transição, o limite inferior da queda foi muito baixo, com uma TFT de 1,2 filhos por mulher, uma das menores do mundo.
Uma transição da fecundidade de 20 anos ou 45 anos é considerada rápida quando se compara com a lenta transição que ocorreu nos países europeus e nos Estados Unidos (EUA). Em relação ao grande país da América do Norte, o gráfico abaixo mostra que a transição da fecundidade de altos níveis de TFT (7 filhos) para abaixo do nível de reposição demorou 170 anos (entre a população branca).
Nos EUA, a transição foi lenta nos séculos XIX e primeira metade do século XX, quando a TFT passou de 7 filhos para cerca de 2,5 filhos, durante a grande depressão da década de 1930. Logo após a Segunda Guerra houve um aumento da TFT americana (fenômeno do baby boom) até o início da década de 1960 e depois uma nova queda, quando ficou abaixo do nível de reposição no quinquênio 1975-1980, para voltar ao nível de reposição no período 1990-2010. Após 2010, a TFT dos EUA voltou a ficar abaixo do nível de reposição. O fato é que nos EUA a queda da fecundidade foi lenta e jamais chegou a níveis tão baixos como em Cingapura e na Coreia do Sul.
O gráfico abaixo mostra a transição da fecundidade no mundo e nas regiões. Nota-se que nos países desenvolvidos a transição começou no século XIX e atingiu o nível abaixo da reposição no quinquênio 1975-80. A América Latina e Caribe (ALC) tinha uma TFT de 6 filhos na década de 1950 e deve passar para menos de 2 filhos no quinquênio 2020-25, demorando, portanto, 60 anos para completar a transição. A Ásia que partiu do mesmo patamar da ALC deve atingir uma TFT abaixo do nível de reposição no quinquênio 2030-35, portanto, 70 anos de transição. Na África Subsaariana a TFT ainda estava próxima de 7 filhos no quinquênio 1980-85 e só deve completar a transição no início do século XXII, demorando, portanto, cerca de 130 ou 140 anos para passar de altos níveis para baixos níveis de fecundidade. O mundo – na média global, só deve atingir o nível de reposição no fim do século XX.
Neste quadro global, fica claro que as transições da fecundidade de Cingapura, Irã e Coreia do Sul são realmente excepcionais em termos de rapidez e profundidade, enquanto a transição da África Subsaariana parte de um alto patamar, inicia de forma tardia e não deve ser profunda no sentido de atingir níveis muito abaixo do nível de reposição.
O que todos estes dados mostram é que existem grandes diferenças na dinâmica demográfica dos países e das regiões. As consequências sociais e ambientais também são muito diferentes e exigem múltiplas respostas.
O debate está aberto e o conhecimento da realidade demográfica pode ajudar na busca de soluções para os problemas sociais, econômicos e ambientais.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/01/2019
[cite]
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Professor, seu artigo foi citado na CBN hoje. : ) Não falaram seu nome, mas conversaram sobre o texto, e eu pensando “Puxa, parece os escritos do José Eustáquio Diniz Alves”, e agora lendo que são justamente os mesmos dados no artigo de hoje, tenho certeza.
E considerando a mesma frase, o ser humano também é biologicamente único por ser um dos mamíferos com maior “efeito macho” na fertilidade. Apesar do nome bizarro, o efeito macho é termo técnico biológico para a indução do cio em fêmeas por proximidade e interação com os machos. É até contraintuitivo para a gente, mas outros mamíferos (as estratégias de reprodução de outras classes variam mais), quando passam fome, ficam inférteis. Dependendo da espécie o “efeito nutrição” é mais forte, e o “efeito macho” mais fraco, ás vezes a ponto de que se a fêmea não estiver bem nutrida ela não se reproduz e ponto, e na quase totalidade das espécies, fêmeas com inanição não ovulam. Os humanos são uma exceção à regra, pois o efeito macho no nosso caso é mais forte, e uma mulher pode estar morrendo de inanição, mas ainda assim ser capaz de engravidar e parir. Algo meio triste, se formos parar para pensar, e que bom que, ao menos na prosperidade, temos meios (tecnológicos, não biológicos) de limitar o número de filhos.