A morte do Prof. Ivanildo Hespanhol. Reúso da água perde um vigoroso defensor, artigo de Paulo Afonso Mata Machado
[EcoDebate] “A prática de reúso para fins não potáveis já está consagrada em uma grande multiplicidade de países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Atualmente, a proposta evoluiu para reúso potável por meio da utilização dos sistemas de distribuição existentes, eliminando os custos associados a linhas paralelas para distribuir água de reúso.” (Ivanildo Hespanhol)
O Prof. Ivanildo Hespanhol estava certo. O reúso para fins não potáveis implica na construção de nova rede de distribuição, ao passo que o reúso potável permite utilizar a própria rede existente. Esse era um dos argumentos que ele utilizava em favor do reúso potável, ardoroso defensor que era da transformação do esgoto em água potável.
Entre os diversos trabalhos que escreveu sobre o tema destaca-se “A inexorabilidade do reúso potável direto”, publicado pela Revista DAE em sua edição de janeiro a abril de 2015, que pode ser acessado pelo endereço eletrônico seguinte: www.revistadae.com.br/artigos/artigo_edicao_198_n_1579.pdf. Seu derradeiro artigo ele o fez em parceria comigo e foi publicado na edição de 5/12/2018 deste EcoDebate: www.ecodebate.com.br/2018/12/05/reuso-potavel-de-agua-na-regiao-metropolitana-de-sao-paulo-e-em-outros-paises-por-ivanildo-hespanhol-e-paulo-afonso-da-mata-machado/.
Por que estou dizendo que o “Prof. Ivanildo Hespanhol estava certo”, e que esse “era um dos argumentos que utilizava”? Por que uso o pretérito e não o tempo presente? Porque, no dia 3 de janeiro, ele devolveu a alma ao Criador, encerrando uma carreira profícua, da qual dedicou mais de 50 anos à USP, onde fundou e dirigiu o Centro Internacional de Referência em Reúso da Água – CIRRA, tendo se transformado em campeão na defesa do reúso potável do esgoto como forma de combater a crise hídrica que abalou São Paulo em 2015 e que ameaça se repetir nos anos vindouros.
O professor era um crítico das autoridades públicas por se recusarem a discutir o reúso potável do esgoto, enquanto permitiam o lançamento desse esgoto nos cursos de água da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), muitas vezes sem nenhum tratamento. Ele costumava lembrar os métodos utilizados pelos antigos romanos, que poluíam seus rios e iam buscar água em cursos de água distantes e, à medida que a população de Roma crescia, essa busca se realizava cada vez mais longe, com a construção dos célebres aquedutos romanos. Para ele, não é outro o método empregado na RMSP, que poluiu o alto Tietê e seus afluentes e importa cerca de 30 m3/s do sistema PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí). Como essa vazão já é insuficiente para atender aos cerca de 20 milhões de habitantes da RMSP e a seu gigantesco parque industrial, está em andamento um projeto de transposição de águas da bacia do rio Paraíba do Sul, a qual já se encontra em estresse hídrico.
O Prof. Ivanildo Hespanhol lembra que essa nova transposição vai aumentar o problema de descarte de esgoto na região. Por que, ao invés disso, não se potabiliza o esgoto existente, uma vez que, ao contrário do reúso para fins não potáveis, o reúso potável do esgoto tem base legal, de vez que no Brasil é considerada potável a água que não apresenta riscos à saúde e que atende ao padrão de potabilidade estabelecido no Anexo XX da Portaria de Consolidação 05/2017 do Ministério da Saúde.
Como o reúso não potável não se encontra regulamentado, o professor defendia que as novas construções fossem dotadas de sistemas de aproveitamento da água de chuva e de reúso da água cinza (aquela que não provém dos vasos sanitários). Entendia que, até que essa regulamentação acontecesse, deveria haver abatimento de imposto nas construções consideradas sustentáveis.
Lamentamos que o Prof. Ivanildo Hespanhol tenha falecido sem conseguir o reúso potável do esgoto na RMSP, pelo qual tanto lutou. O CIRRA, criação dele, jamais recebeu recursos suficientes para edificar uma miniestação de reúso potável do esgoto para servir de modelo a outras de maior parte na Região Metropolitana de São Paulo ou em outras regiões onde há estresse hídrico, particularmente o semiárido brasileiro.
Nem tudo, porém, está perdido. Seu substituto no comando do CIRRA é o Prof. José Carlos Mierzwa, seu antigo braço direito. Tenho a certeza de que, sob seu comando, o CIRRA vai pleitear junto às autoridades estaduais e à SABESP os recursos necessários à criação de uma miniestação de reúso potável do esgoto que ensine como o esgoto pode deixar de ser um poluente perigoso e se tornar matéria prima para a obtenção de água potável.
A chama acesa pelo Prof. Ivanildo Hespanhol não merece ser apagada.
Paulo Afonso da Mata Machado é Engenheiro Civil e Sanitarista
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/01/2019
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