Autopoiese, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] Já acostumamos ao discurso ambientalista generalizado pela mídia e pela consciência coletiva. Mas importa reconhecer que restringir a ecologia ao ambientalismo é incidir em grave reducionismo.
Não basta uma produção de baixo carbono, mas mantendo a mesma atitude de exploração irresponsável dos bens e serviços da natureza. Seria como lixar os dentes de um lobo com a ilusão de tirar a ferocidade dele. Sua ferocidade reside em sua natureza e não nos dentes.
Algo semelhante ocorre com o nosso sistema industrialista, produtivista e consumista. É de sua natureza tratar a Terra como um balcão de mercadorias a serem colocadas no mercado.
Temos que superar esta visão caso quisermos alcançar um outro paradigma de relação para com a Terra e assim sustar um processo que pode levar a um abismo.
A autopoiese sistêmica dominante necessita ser alterada. Hoje só o consumismo garante a manutenção dos círculos virtuosos da sociedade. Aumento de consumo gera maiores tributos, maior capacidade de intervenção estatal, maior lucratividade organizacional e manutenção das taxas de geração de ocupação e renda. O consumismo precisa ser substituído pela ideia de satisfazer as necessidades dentro de ciclos.
Estamos cansados de meio ambiente. Queremos o ambiente inteiro, vale dizer, uma visão sistêmica do sistema-terra, do sistema-vida e do sistema-civilização humana, constituindo um grande todo, feito de redes de interdependências, complementações e reciprocidades.
Com razão a Carta da Terra tende a substituir meio ambiente por comunidade de vida, pois a moderna biologia e cosmologia nos ensinam que todos os seres vivos são portadores do mesmo código genético de base, desde a bactéria mais originária surgida há 3,8 bilhões de anos, passando pelas grandes florestas, os dinossauros, os colibris e chegando a nós.
A combinação diferenciada desses aminoácidos com as bases fosfatadas origina a diversidade dos seres vivos. O resultado desta constatação é que um laço de parentesco une todos os viventes, formando, de fato uma comunidade de vida.
Por isso se sabe que leis e normas, embora relevantes não vão resolver os problemas.
A civilização humana determinará nova autopoiese sistêmica, na acepção livre da concepção de Niklas Luhmann e Ulrich Beck, que contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio.
Para sua própria sobrevivência, o “sistema” vai acabar impondo uma nova metamorfose efetiva. Não se acredita que seja necessário mudança de sistema político. Ao contrário, nada poderia ser mais deletério para o meio ambiente do que foram as ditaduras do leste europeu.
Até que ponto, independentemente do sistema econômico ser capitalista, comunista, socialista, cooperativado ou tenha lá a denominação que tiver, até que ponto este sistema pode conviver com crescimento equilibrado em sistema homeostático.
Entre esses seres vivos ressalta o planeta Terra. A partir dos anos 70 do século passado se firmou, em grande parte da comunidade científica, primeiro a hipótese e a partir de 2001 a teoria de que a Terra não somente possui vida sobre ela.
A terra mesmo é viva, na época nem estavam disseminados os conceitos de tectônica de placas ou “continental drifting” Mas James Lovelock, e no Brasil José Lutzenberger, usavam o nome de Gaia, originário da mitologia grega, para a Terra viva.
“Gaia” combina o químico, o físico, o ecológico e antropológico de forma tão sutil que sempre se torna capaz de produzir e reproduzir vida. Em razão desta constatação a própria ONU em 22 de abril de 2009 numa famosa sessão geral aprovou por unanimidade chamar a terra de Mãe Terra e Magna Mater.
A terra é um super ente vivo, complexo, e as vezes contraditório, mas hoje se sabe, porque multifatorial. Mas sempre geradora de todos os seres, nas suas mais distintas ordens, especialmente é gestadora dos seres vivos e dos seres humanos, homens e mulheres.
Acresce ainda este dado que segundo o bioquímico e divulgador de assuntos científicos Isaac Asimov, é o grande legado das viagens espaciais, ou seja, a unicidade da Terra e da Humanidade. Lá de fora, das naves espaciais e da Lua, diz ele e o confirmaram os astronautas, não há diferença entre ser humano e Terra.
Ambos formam uma única entidade. Em outras palavras, o ser humano, dotado de inteligência, de cuidado e de amor resulta de um momento avançado e altamente complexo da própria Terra. Esta evoluiu a tal ponto que começou a sentir, a pensar, a amar, a cuidar e a venerar, como já acenava o grande cantador e poeta argentino indígena Athaulpa Yupanqui.
A sustentabilidade é a categoria central desta visão e tudo o que se ordena a manter a existência de todos os seres e cultura civilizatória sobre o planeta.
O que se conclui é que é necessário mudar o olhar sobre a Terra, a natureza e sobre as pessoas. O planeta é nossa grande mãe e merece respeito e veneração.
Se deve conhecer e respeitar seus ritmos e ciclos, sua capacidade de reprodução, não a devastação como tem se realizado desde o advento da tecnociência e do espírito antropocentrista que pensa que ela só tem valor na medida em que nos é útil. Mas ela não precisa de nós. Nós precisamos dela.
Antropocentrismo que se herda da doutrina iluminista. Esse paradigma está chegando ao seu limite, porque a Mãe Terra está dando sinais inequívocos de estar extenuada.
Um outro mundo é possível, principalmente dentro da livre iniciativa. Ocorre enfatizar que nenhum manifesto é contra a livre-iniciativa. Que sempre foi e parece que sempre será o sistema que melhor recepciona a liberdade e a democracia. Mas uma nova autopoiese sistêmica, em interpretação livre desta concepção, para o arranjo social, é urgente.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
Referência:
http://www.forumdesalternatives.org/pt-br/onde-esta-o-no-da-questao-ecologica-i
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/12/2018
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