Série de Artigos – ‘Expertise’ e governança ambiental, por Roberto Naime
Série de Artigos – ‘Expertise’ e governança ambiental, por Roberto Naime
[EcoDebate] LÉTORNEAU (2014) assevera que muitos termos possuem um sentido técnico sem que ele seja evidente para todos como a “governança ambiental”.
Termo que remete no contexto atual a uma participação cidadã nesse tipo de questão, por exemplo, da saúde de um ecossistema específico, tal como uma floresta ou um vale agrícola, a partir de preocupações partilhadas e não a partir de uma problemática de controle organizacional.
Governança transcende a assistencialismo social. Conceito transposto da área empresarial, neste contexto significa mediar de forma sistêmica, os interesses envolvidos de todas as partes interessadas, buscando a máxima satisfação possível com a conciliação das demandas emergentes. De forma sistêmica e permanente, sem espontaneísmos e improvisações.
Mediar e compatibilizar interesses legítimos e que transcendem caráter pessoal ou financista. E que ampliem a conceituação de preservação ambiental e de empreendimentos, procurando satisfazer as demandas das populações locais atingidas.
Após ter tornado preciso o que é a “expertise” e quais são os principais problemas postos pelo recurso à “expertise” nos contextos da ação cidadã, proponho que as expertises técnicas podem ser postas no mesmo nível, referindo principalmente aos saberes comuns, à prática e à experiência concreta, dita “de campo”, o que corresponde a uma ampliação.
LÉTORNEAU (2014) assevera a preocupação com o exercício do poder e com a tomada de decisões sobre questões de organização da cidade que afetam a todos.
O que se passa com as questões de ética ambiental? Os pesquisadores especializados nesse assunto limitaram-se geralmente a refletir se a ética ambiental deveria ser ecocentrista ou biocentrista ou, então, se deveria pelo menos ser antropocêntrica. Com base em uma clarificação dos princípios e das justificações, se propugna uma orientação prática que se supõe que obtém adesão e conduz a uma reorientação prática.
Se houver preocupação com questões que dizem respeito ao ambiente, deve se fazer apelo a pessoas com certa “expertise”. Isso pode se produzir em função de instâncias “autorreguladas”, como um comitê de cidadãos. Pode se tratar também de práticas de governança que se exercem local ou regionalmente, de maneira contínua, recorrente e frequente.
Ocorre refletir nos trabalhos de comitês técnicos que fornecem pareceres aos departamentos de recursos hídricos, ou nos engenheiros chamados em socorro de um comitê de questões fluviais que quer saber o estado de certa barragem ou as condições de sua reconstrução.
Como se interessar pelas florestas, pelos cardumes, pelos recursos minerais ou pelo cuidado ou gestão dos recursos de água sem dever imediatamente recorrer aos “experts”. Difícil deixar de lado a “expertise” com sua dificuldade para convencer a governança, especialmente no plano internacional, com sua incapacidade atual de operar de maneira eficaz.
Por incrível que pareça, alguns dos “experts” chamados com maior assiduidade são os filósofos. Sua função é em parte educacional e motivacional. O trabalho filosófico consiste em esclarecer a situação de um ponto de vista terminológico e conceitual, pois os termos do debate não são claros.
É preciso perguntar sobre o espaço social e as mediações concretas das quais se necessita e que são às vezes instrumentos para se ocupar das questões ambientais de maneira eficaz. Para tanto, o filósofo se apóia nas questões do simples cidadão e também nas ciências humanas e sociais.
Esta perspectiva apresenta a vantagem de não partir somente de uma consideração de princípio, obrigando a considerar os contextos e o conjunto dos valores relevantes e também os fins visados bem como os resultados previsíveis de nossas ações.
Como se denota, o problema do papel da “expertise” na sociedade moderna, democrática e complexa, foi levantado por John Dewey em 1927 em “The public and its problems”.
LÉTORNEAU (2014) assevera que mesmo as perspectivas que consideram uma democracia mais deliberativa e mais participativa devem levar em consideração os problemas colocados pelas exigências de especialistas em nossas sociedades, incluindo o diálogo com outros tipos de “expertise”, em concepção multidisciplinar, oriundos de outros setores da sociedade civil.
II
LÉTORNEAU (2014) manifesta que a “expertise” se desenvolveu porque as questões a serem tratadas são altamente complexas e demandam uma abordagem extensiva e competente. Sempre se ressalta neste espaço a complexidade que é a característica da sociedade moderna.
Se faz apelo ao especialista porque qualquer outro não estaria em condições de tratar essas questões de maneira igualmente satisfatória. Esse processo é resultado direto da especialização, a qual se desenvolveu progressivamente e continua a fazê-lo. Mas deve manter a visão holística e não sucumbir aos apelos de fragmentação.
Esse processo está também ligado a uma estrutura de custos e de riscos que pertence a diferentes domínios de objetos ou preocupações. Solicitam-se os “experts” para tomar a boa decisão porque esta implica enfrentar os riscos apresentados pela situação de maneira eficaz e porque se deve chegar a ela em uma estrutura de custos aceitável.
Ocorre demandar por uma opinião especializada precisamente porque ela responde a necessidades que não poderiam ser tratadas adequadamente de outro modo.
Uma grande vantagem da “expertise” é que muitos pontos não precisam ser explicados em detalhe e podem ser rapidamente comunicados, por resumos ou acrônimos.
A rapidez de comunicação permite também uma velocidade maior nos tratamentos do caso em questão. A expertise é assim um fenômeno de grupo, há comunidades de especialistas que são necessárias para o seu exercício. E uma resultante da crescente complexidade social.
O poder do conhecimento especializado vem de seu monopólio relativo sobre um campo de questões e repousa também sobre seu caráter mais ou menos indispensável. Em uma sociedade complexa, é um poder intangível.
Ocorre manifestar que isto gera um potencial de chantagem ou de dependência vindo desses especialistas ou daqueles que tornam acessíveis estas interpretações.
Por isso um medo e um ressentimento mínimo surgem na população, que nutre uma dose de respeito e até temor pelo caráter prestigioso do especialista. LÉTORNEAU (2014) ressalta que por essa razão, temos forçosamente necessidade também, como sociedades, de possuir certos mecanismos que nos confiram poder sobre os peritos. E a maioria deles estima preferível, sem dúvida, controlar-se a si mesmos.
Mantendo a autonomia, mas já se sabe que isto torna a sociedade refém dos especialistas. Que geram aura de mistificação desnecessária e muitas vezes manipuladora.
As “expertises” são domínios de prática, lugares de intervenção, campos privilegiados que são vistos como reservados a certas pessoas, espécies de territórios no interior dos quais um especialista se encontra como senhor em seu reino.
As “expertises” são muito frequentemente ligadas às práticas profissionais e são demandadas justamente por causa disso.
Quer se trate do encanador ou do cirurgião especializado num certo domínio, o “expert” é sempre ao mesmo tempo reconhecido por uma comunidade de especialização. E se distingue assim, do homem leigo, que não é um “expert”.
Obter e conservar uma “expertise” exige uma certa dose de esforço e dedicação de tempo, que especifica e distingue o “expert” de todos os outros. Com efeito, tempos de formação mais ou menos longos são necessários e a “expertise” deve também manter-se por um processo contínuo de atualização.
Quais são as extremidades do espectro da expertise. Certamente, o “expert” está separado e é distinto dos outros. Cada pessoa que sabe escrever possui uma expertise, mas isso não a torna um “expert” na escritura.
Os engenheiros, mas também os marceneiros e trabalhadores menos especializados, podem reclamar uma “expertise”. Sempre que um saber prático ou teórico tem necessidade de ser explicado, ensinado e praticado para ser compreendido, tem-se um tipo de “expertise”.
As “expertises” podem também ser hierarquizadas, há o cirurgião e o super-cirurgião com uma reputação que ultrapassa fronteiras.
LÉTORNEAU (2014) diz que há expertises mais leves de adquirir e conservar do que outras. Numa extremidade do espectro, certos saberes práticos são relativamente fáceis de adquirir, enquanto, na outra extremidade do mesmo espectro, eles o são muito pouco, até se tornarem muito difíceis de se adquirir ou muito custosos para produzir e obter, ou mesmo para se conservar.
Como o mercado não dá informações adequadas sobre o valor das coisas, contrariamente ao que pretende o mito do mercado, o custo da expertise para terceiros não é necessariamente proporcional à sua raridade ou à dificuldade de obtê-la (VICTOR, 2008).
Qualificando os saberes práticos e técnicos como sendo “expertises”, tenta-se pelo menos situá-los no mesmo patamar de outros saberes mais “profissionais”. A “expertise” não é somente a propriedade de uma casta de diplomados tendo um título reconhecido por uma universidade ou outra instituição prestigiosa de formação (AGRAWAL, 1995).
As “expertises” práticas são às vezes tão incomunicáveis a terceiros como aquelas dos universitários, podendo igualmente ser indispensáveis. São saberes que se aprendem tanto no espaço de trabalho quanto nas escolas e que têm caráter especializado e não evidente para terceiros.
As visões da “expertise” são muito diferenciadas. Certos atores e autores reivindicam o título de “experts” para certos grupos, definindo, por exemplo, o que é um especialista, de um ponto de vista jurídico, em seguro, propriedade intelectual, imobiliário, ou questões técnicas e científicas.
Existem, assim, associações de especialistas como se fossem antigas corporações da pré-revolução francesa. Outros têm uma visão mais ampla da “expertise”, uma visão mais inclusiva, similar ao que se concebe. Especializações não devem ser mistificações ou apanágios.
III
LÉTORNEAU (2014) manifesta que a inteligibilidade dos discursos especializados e de seus saberes e métodos é limitada para terceiros, pois o pleno sentido do discurso qualificado do especialista somente é acessível dentro de um círculo fechado, mesmo quando seus resultados pretendam-se comunicáveis a ponto de permitir informar as decisões.
Terminologias especializadas são exigidas por todas as “expertise”, elas são em alguma medida “caixas pretas” cujo mecanismo é desconhecido pelos não iniciados. Especializações se fazem necessárias com o aumento da complexidade social, mas não devem ser empregadas em mistificações e diversionismos.
Há uma dificuldade de acessibilidade que corresponde a um relativo fechamento do discurso, que conserva uma boa dose de heterogeneidade para os não “experts”. Existe pouca acessibilidade dos discursos especializados quando se está no meio de uma conversa de uma confraria ou irmandade da qual não se compartilha o “expertise”.
Uma das questões que se colocam na tradução do saber especializado para a pessoa leiga é a de saber até que ponto o “expert” pode pressupor um saber comum a propósito do domínio da “expertise” entre os usuários.
Médicos, advogados e engenheiros criam expectativas generalizadas a seu respeito. O especialista supõe certos conhecimentos e certas ignorâncias em seus destinatários, e compreende de forma deficiente a natureza da competência, ou do conjunto de competências. Essas avaliações podem ser fontes de atritos ou manipulações.
LÉTORNEAU (2014) observa que os diversos domínios de objetos empíricos são estudados, decodificados e interpretados em termos específicos, mas sem as linguagens especializadas, que são muito desenvolvidas e têm necessidade de alto nível de precisão e de formalismo e permitem explicar o conhecimento.
O processo não é orientado nem linear, não mais que a melhoria dos conhecimentos é necessária, mas ocorre que estas observações não esgotam, no assunto do conhecimento, que está constantemente em construção.
Quanto mais a ciência se torna abstrata e quanto mais a “expertise” se refere a elementos que não são mais visíveis e diretamente perceptíveis, tanto mais somos dependentes delas para conhecer e operar sobre a matéria.
O fato de que os “experts” têm discursos especializados pode torná-los insensíveis a muitas outras dimensões das situações, aquelas que não são cobertas por sua “expertise”.
LÉTORNEAU (2014) assevera que ampliando as considerações sobre certas dimensões dos problemas, a “expertise” oculta outras. O que se ganha em extensão é perdido em compreensão, esse risco é possível e muito empregado.
Como a acessibilidade aos discursos especializados é difícil, isso faz com que o controle da validade e da justeza assim como da exatidão do discurso especializado por terceiros e não “experts” seja difícil, o que representa uma importante questão.
O recurso a especialistas para avaliar a “expertise” dos outros é bastante comum e representa custos suplementares para os não especialistas. Essa dificuldade de controle é uma proteção para o especialista e seu discurso e sua diferença o valida e o torna socialmente necessário.
Frequentemente se gera hermetismo, manipulação e desqualificação do discurso e do conhecimento leigo. Não se pode, contudo, evitar o fato de que certas sutilezas podem ser perdidas no caminho.
A tradutibilidade das linguagens especializadas tem outros limites, mais sociais e políticos. A “expertise” seria tão difundida que não seria mais necessária ou útil. Fato que pode não ocorrer, pois as “expertises” estão também em desenvolvimento contínuo, pelo menos elas dão a aparência disso pela renovação de seus métodos, jargão e instrumentos.
Os problemas da acessibilidade das “expertises” são evidentes diante de tudo o que é similar a uma linguagem matematizada ou expressa em termos técnicos, que bem poucas pessoas dominam.
Certas “expertises” são menos fáceis do que outras. Encontra-se esse tipo de problema quando se utilizam palavras usuais e difundidas, como a palavra “governança” ou “comunicação”.
No entanto, usos aparentemente inocentes de certas palavras escondem sentidos técnicos que estão ligados a comunidades de “experts”, que as entendem em sentidos muito diferentes.
IV
LÉTORNEAU (2014) destaca que falar de “governança” não remete de maneira evidente às mesmas coisas para todas as pessoas, mesmo quando muito instruídos. O termo “governança” é utilizado com diversos sentidos e se percebe que esses diversos sentidos estão de fato ligados à pluralidade de comunidades de usuários.
Há um uso geral que remete simplesmente ao fato de governar de uma maneira determinada. É possível fazer referência à velha palavra latina “gubernare”, “guberno”, que se reencontra na palavra francesa “gouvernail”. É assim, descrever um governo qualquer. Mas esse sentido muito geral não é seu único uso.
Governança transcende a assistencialismo social. Conceito transposto da área empresarial, neste contexto significa mediar de forma sistêmica, os interesses envolvidos de todas as partes interessadas, buscando a máxima satisfação possível com a conciliação das demandas emergentes. De forma sistêmica e permanente, sem espontaneísmos e improvisações.
Mediar e compatibilizar interesses legítimos e que transcendem caráter pessoal ou financista. E que ampliem a conceituação de preservação ambiental e de empreendimentos, procurando satisfazer as demandas das populações locais atingidas.
Quando o que está em discussão é a gestão de empreendimentos, trata-se de uma abordagem gerencial que supõe um controle em uma organização.
Mas, no contexto das teorias e práticas ambientais com relação aos “recursos naturais”, seria preciso entendê-la antes no sentido de uma atenção à rede de atores implicados na partilha de poderes e de informação, sobre uma questão que diz respeito ao ambiente, levando em conta os efeitos indiretos da ação (cf. AGRAWAL & GIBSON, 1999).
Então ocorre a remissão para a teoria dos “stakeholders” ou partes interessadas (“parties prenantes”). A rede de governança não está centrada no controle de uns pelos outros, mas antes no fato de que, fazendo usos diferentes e que estão em parte em competição, os usuários tentam colaborar para preservar o recurso. O todo supondo uma relação comum com tal recurso compartilhado que serve de centro de referência, como floresta, bacia hídrica ou qualquer recurso natural.
Essas compreensões diferentes da governança implicam leituras em diferentes direções. E uma comunicação que não toma o cuidado de precisar o sentido que ela dá a expressões que têm um sentido técnico, mas não facilita de nenhuma maneira sua compreensão por terceiros.
LÉTORNEAU (2014) diz que a expressão composta “governança ambiental” designa para nós, num sentido descritivo, a maneira pela qual as organizações e sociedades humanas se governam por suas decisões, políticas e regras, levando em conta, de uma certa maneira, os efeitos de suas ações sobre o ambiente.
Sob uma dimensão mais normativa e mesmo ética, uma governança responsável das questões ambientais corresponderia, a considerar a preservação a médio e longo prazo da qualidade de nosso ambiente para o sustento da vida humana e não-humana sobre a Terra. Nem seria preciso dizer que se está muito longe disso.
Todo gestor, de nível municipal, estadual ou federal deve necessária e continuamente recorrer a especialistas de todos os tipos, como engenheiros, hidrólogos ou hidrogeólogos, ou mesmo climatólogos, para fornecer-lhe pareceres sobre quais ações praticar em certas situações.
Os atores terão problemas de comunicação, visto que as linguagens não são necessariamente compartilhadas e que os níveis de intervenção são múltiplos: linguagens técnicas, expectativas particulares em relação a meios que não são conhecidos de uma só vez por todos, em particular dos próprios “experts”.
Também há economistas, especialistas em direito fiscal, urbanistas e muitos outros “experts” que são ou devem ser considerados. Não se deve minimizar a importância que representa o ambiente biogeofísico, em particular, para os que tomam decisões econômicas, e vice-versa.
LÉTORNEAU (2014) assinala que como agentes práticos, existe a necessidade de algumas vezes de explicar ao especialista o que ele tem necessidade de saber. Há uma tendência a sobrevalorizar esses saberes carregados de diplomas que se consideram especializados.
Os empreendimentos privados também têm forçosamente o interesse de permanecer em contato com as “expertises” que são pertinentes ao seu domínio ou à sua prática.
V
LÉTORNEAU (2014) evidencia que estes debates que dizem respeito à água, à energia, à floresta, à pesca, aos ecossistemas, são, cada vez mais, complexos e difíceis de dominar.
Os recursos à expertise são disseminados tanto entre os gestores como junto ao grande público que são as pessoas que desejam manter-se atualizadas e, se possível, participar da discussão (LÉTOURNEAU, 2012).
Se um interesse pelas questões ambientais é algo importante para uma pessoa, esse cidadão se encontra facilmente nos dias de hoje encharcado e quase afogado no discurso especializado de todos os tipos, facilmente disponíveis sobretudo pela internet.
E visto que somos utilizadores da internet sempre também em busca de uma informação “confiável”, não se abandona as fontes reputadas e válidas de informação como o são as mídias bem estabelecidas, ou novas mídias que terão sabido angariar credibilidade.
O que não quer dizer que se limite a esse tipo de fonte. Será preciso também ir até as ONGs e às instituições reputadas que são conhecidas como boas fontes. A questão das fontes acessíveis da “expertise” se colocará para todos. Todas as “expertises” sérias representam um custo de tempo, energia e dinheiro.
É preciso um saber prático a esse respeito, sobretudo aquele que consiste em ver a utilidade, mas também os limites, das lentes utilizadas. As “expertises” são fatores de ocultação de certos problemas. Já dissemos que o “expert” corre o risco de perder de vista todas as outras questões que são igualmente importantes, dentro da visão holística da questão em foco.
A solução é convocar seleções de especialistas, tentando cobrir tudo numa abordagem multidisciplinar. Permanecendo com uma justaposição de saberes especializados, essa solução não será suficiente. Uma abordagem de pesquisa sobre o que se produz no mundo deveria incluir uma melhor consciência dos limites disciplinares por todos os parceiros.
Portanto, precisa ainda contar com uma forte interdisciplinaridade, o que demanda uma boa dose de interesse de pesquisa, motivação para fazê-lo e um conhecimento do que são as diferentes expertises em questão. (LÉTOURNEAU, 2008).
A questão da “expertise” nas sociedades democráticas já tinha sido posta em boa parte pelo debate entre Walter Lippmann e John Dewey. Lippmann tinha sublinhado os defeitos de nossa idealização do “público”, pedindo ao cidadão conhecer tudo a respeito de tudo, que é uma exigência impossível de cumprir.
A complexidade e a multiplicidade das questões de interesse nos dirigem forçosamente em direção ao recurso dos “experts”, que cada vez mais devem trabalhar em grupos e dar conselho aos governantes.
Admitindo que os especialistas são necessários, Dewey sublinha sobretudo que os públicos devem ser construídos a partir das questões e da discussão dos atores, não existem em si, mas permanecem possíveis e são exigidos pela democracia.
É possível uma educação para manter a expertise sob o fluxo da discussão democrática, mas é preciso desenvolver inicialmente uma concepção interativa e múltipla dos públicos que devem ser construídos (DEWEY, 2003 [1927], LIPPMAN, 2008 [1927]).
Monografias especializadas desenvolveram a reflexão específica sobre esse problema no domínio ambiental. Na prática, os saberes especializados sobre as questões ambientais vão se desdobrar em grandes tipos de lugares, os trabalhos práticos em torno de organismos públicos ou privados.
Tais como agências de bacias hídricas, ministérios, municipalidades ou empreendimentos privados e já para o grande público, isso se fará sobretudo nas mídias, rádio, televisão e jornais, incluindo, bem entendido, as novas mídias eletrônicas, os sítios das ONGs, os tweeters, as plataformas das grandes mídias em via de se renovar profundamente na web, com toda a integração dos documentos de texto, áudio e vídeo que se conhece.
Se assiste à eclosão de uma profusão de mídias especializadas, que se dirigem a públicos bem delimitados e cujos conteúdos não são retomados pelas mídias generalistas, por várias razões. Todos esses tipos de atores têm também necessidade de especialistas e fazem referência a eles.
Com efeito, as organizações que acabamos de mencionar também recorrem às mídias e nelas encontram igualmente um certo “esclarecimento”, tanto sobre os conteúdos que se tornam especializados quanto sobre o trabalho dos próprios especialistas, que são valorizados nos espaços da mídia.
LÉTORNEAU (2014) assevera que o recurso à “expertise” ocorre também na imprensa escrita e eletrônica, trate-se de problemas de mudança climática, de biodiversidade, de usos de energias renováveis ou não-renováveis.
A imprensa clássica é limitada no seu emprego dessas linguagens especializadas, pois ela se dá como tarefa atingir o público mais vasto possível.
Viver em sociedade democrática significa ter instâncias de representação decisórias em regime de separação de poderes, mas que permanecem em ligações estreitas com uma sociedade civil dada (HABERMAS, 1997 e NANZ, 200
A sociedade civil e seus membros singulares, terá necessidade da “expertise” para compreender do que se trata nos debates especializados. Por seu lado, nos limites e com variantes segundo os países, as instâncias de decisão e os gestores públicos devem permanecer em contato estreito com os debates sobre as questões de interesse comum, nem que seja por razões eleitoreiras.
Os discursos especializados possuem um limiar muito elevado de dificuldade, o que vai exigir do cidadão ou do agente singular uma boa dose de motivação, se ele ou ela deseja somente se interessar ativamente por certas questões de interesse público.
VI – Final
LÉTORNEAU (2014) considera o caso das previsões que se quereriam adequadas para preparar uma “adaptação” às mudanças climáticas.
Nesta situação, não basta consultar climatologistas, também serão necessários economistas, especialistas em relações internacionais e especialistas da comunicação, sem esquecer os “experts” em construção de edifícios ao abrigo dos acasos ambientais, em logística para facilitar o trabalho no caso de evacuação, incêndio ou deslizamento de terreno.
Estas questões estão nas mãos de um pequeno número de “experts”, o que põe toda uma série de dificuldades, que se menciona. Visto que essas pessoas não estão habituadas, nem são solicitadas de maneira habitual, a trabalhar juntas, os problemas de comunicação entre elas correm o risco de serem amplificados.
E como o político está ligado aos interesses econômicos, esse tipo de questão tem a tendência de ser tratado de maneira mínima, atribuindo-se um peso prevalente a certas “expertises” e colocando de lado abordagens econômicas mais marginais como a dos economistas ecológicos.
Está claro que a questão prática da “expertise” não será colocada da mesma maneira se adotarmos um quadro de governança de tipo intra-organizacional, com uma veleidade central de controle sobre os atores, ou se for concebida a governança como participação de uma rede de atores em que todos têm recursos e “expertise”.
LÉTORNEAU (2014) atesta que estas demandas de participação sobre questões complexas e que causam impacto no longo prazo são igualmente muito elevadas e exigem acesso a uma informação vasta e contextualizada.
Quando se trata das “expertises”, não se examina os fenômenos de fronteira entre os conhecimentos, seus pontos de contato e os vazios entre elas.
De fato, temos necessidade de desenvolver abordagens inter-expertise, que são transdisciplinares, dentro da multidisciplinariedade.
O que é uma “expertise” senão um tipo de disciplinariedade baseada na resolução de problemas práticos, que difere portanto, a esse respeito de uma disciplina no sentido acadêmico.
Daí decorre a conexão que permite articular a questão da inter-expertise com o tema da inter-profissionalização, visto que especialistas também são profissionais.
A concepção de governança ambiental é ampla e derivada. Não é pretensão cristalizar uma conceituação completa e inquestionável, até mesmo porque esta situação não existiria.
Governança transcende a assistencialismo social. Conceito transposto da área empresarial, neste contexto significa mediar de forma sistêmica, os interesses envolvidos de todas as partes interessadas.
Buscando a máxima satisfação possível com a conciliação das demandas emergentes. De forma sistêmica e permanente, sem espontaneísmos e improvisações.
Mediar e compatibilizar interesses legítimos e que transcendem caráter pessoal ou financista.
E que ampliem a conceituação de preservação ambiental e de empreendimentos, procurando satisfazer as demandas das populações locais atingidas.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
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Referências:
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