A dinâmica demográfica e econômica do Afeganistão e de Sri Lanka, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] Afeganistão e Sri Lanka são dois países asiáticos que tinham um volume populacional semelhante e pouco abaixo de 8 milhões de habitantes em 1950. Mas ao longo dos anos a dinâmica demográfica seguiu caminhos diferentes.
Com a invasão do Afeganistão pela URSS, em 1979, mais de um milhão de afegãos perderam a vida na guerra e houve uma redução da população até 1987. Mas a partir de 1988 o ritmo populacional retomou o alto crescimento e a população do Afeganistão ultrapassou a população do Sri Lanka em 1998.
Em 2018, a população do Afeganistão, com 36,4 milhões de habitantes é quase o dobro da população do Sri Lanka, com 20,9 milhões de habitantes. Na projeção média da Divisão de População da ONU, o Afeganistão terá 70,4 milhões de pessoas em 2100 e Sri Lanka terá 15 milhões de pessoas. O primeiro terá 4,7 vezes mais habitantes do que o segundo no final do atual século. É óbvio que estas diferentes dinâmicas demográficas terão efeitos sociais também diferentes.
Os gráficos abaixo mostram diversos indicadores demográficos do Afeganistão. Os três cenários de projeção indicam que a população, em 2100, pode ficar acima de 100 milhões de habitantes (no cenário de fecundidade alta) e abaixo de 50 milhões (no cenário de fecundidade baixa). No cenário médio, a projeção é de 70,4 milhões de pessoas em 2100, com um grande crescimento da população em idade ativa que deve alcançar quase 50 milhões de pessoas na segunda metade do século XXI (o que vai exigir grande crescimento das oportunidades de trabalho).
A taxa de fecundidade afegã permaneceu em níveis muito elevados até o quinquênio 1995-2000 (TFT de 7,7 filhos por mulher) e caiu para 4,4 filhos em 2015-20. A projeção indica uma TFT no nível de reposição apenas na segunda metade do atual século. A mortalidade na infância caiu bastante entre 1950 e 2015, mas continua em níveis muito elevados. A esperança de vida ao nascer praticamente dobrou na segunda metade do século XX, mas, a despeito dos ganhos, fica abaixo da média da Ásia e do Sul da Ásia.
As pirâmides abaixo mostram que o Afeganistão possui uma estrutura etária muito jovem e só terá uma estrutura envelhecida no final do século XXI. Isto quer dizer que o país ainda vai passar pelo bônus demográfico e terá um grande desafio de educar toda esta população jovem e gerar pleno emprego e trabalho decente para aproveita o potencial produtivo do país.
Ao contrário do Afeganistão – que está atrasado na transição demográfica – o Sri Lanka já possui baixas taxas de mortalidade e natalidade e a população deve atingir o pico (perto de 22 milhões de habitantes) em 2033, para depois iniciar uma fase de decrescimento demográfico. Na projeção alta a população cingalesa, em 2100, pode ficar pouco acima de 24 milhões de pessoas e, na projeção baixa, pode ficar em torno de 8 milhões de habitantes. O mesmo de 1950.
A taxa de fecundidade caiu em ritmo bastante rápido na segunda metade do século XX e já se encontra abaixo do nível de reposição. A taxa de mortalidade na infância também caiu rapidamente e a esperança de vida encontra-se acima da média da Ásia e acima da média dos países do Sul da Ásia.
Como consequência da transição da fecundidade, a estrutura etária de Sri Lanka já passou por grandes transformações e o país possui uma razão de dependência baixa e um alto volume de pessoas em idade produtiva. O Sri Lanka está vivendo a fase do bônus demográfico, o que ajuda na melhoria das condições de vida. Na segunda metade do século XXI, o Sri Lanka terá uma estrutura etária envelhecida. Mas o acesso aos métodos de regulação da fecundidade permitiram um avanço demográfico e econômico do país, pois o país colheu os benefícios de sua janela de oportunidade demográfica.
O gráfico abaixo mostra a renda per capita dos dois países e deixa claro que o desempenho econômico de Sri Lanka é muito melhor do que o do Afeganistão. A renda per capita da população cingalesa era de US$ 5,6 mil, cerca de 5,5 vezes mais alta do que a renda per capita da população paquistanesa de US$ 1 mil. Para 2022, o FMI projeta uma renda de US$ 2 mil para o Paquistão e de US$ 13,8 mil para o Sri Lanka (7 vezes maior).
Nos últimos anos o Sri Lanka tem recebido muitos investimentos chineses, especialmente em infraestrutura portuária e aeroviária. O Sri Lanka está localizado em uma região chave para o projeto chinês “Um cinturão, uma rota”, tornando um local chave para a presença chinesa na área de influência da Índia.
Comparando com o Brasil, Sri Lanka tinha uma renda per capita em 1980 inferior à metade da renda per capita brasileira, mas como o país asiático cresce a mais de 4% ao ano (enquanto o Brasil cresceu menos de 1% ao ano no octênio 2011-18) é possível que a população cingalesa tenha uma renda média superior à renda média brasileira em torno de 2025. Em termos do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Sri Lanka apresentou um valor de 0,770, acima do 0,757 do Brasil, em 2017.
Em termos ambientais, os dois países apresentam déficit ecológico. O Sri Lanka tinha uma pegada ecológica de 0,8 hectares globais (gha) em 1961 e passou para 1,53 em 2014. Como a biocapacidade per capita ficou aproximadamente estável (0,48 gha em 2014), houve um aumento do déficit ambiental, embora o consumo per capita seja baixo.
Embora o déficit ambiental no Afeganistão seja menor do que o do Sri Lanka, a situação ecológica é mais grave. Em 1961, a biocapacidade afegã era de 1,32 gha e a pegada ecológica era de 1,21 gha (portanto, havia superávit ambiental). Mas ao longo dos últimos 50 anos a biocapacidade caiu muito, devido ao rápido aumento da população, e ficou em 0,5 gha em 2014, enquanto a pegada ecológica estava em 0,77 gha e, mesmo estando muito abaixo da média mundial (2,84 gha), significou um déficit ambiental que tende a crescer, a despeito do baixo padrão de consumo.
Os dados acima mostram que Sri Lanka é um país de renda média que pode se tornar um país de renda elevada se conseguir manter o ritmo de crescimento econômico e aproveitar bem o bônus demográfico que surgiu com o declínio da taxa de fecundidade. O maior desafio cingalês será administrar o déficit ambiental para manter o avanço do IDH.
Já o Afeganistão é um país de baixa renda, que tem passado por diversas guerras, e apresenta crescimento econômico pouco acima do crescimento populacional, estando na iminência de cair na “armadilha da pobreza”. A população afegã tem baixo padrão de consumo, mas devido ao rápido crescimento demográfico apresenta déficit ambiental crescente.
O que o exemplo destes dois países mostra é que a dinâmica demográfica importa e o declínio da fecundidade é uma condição essencial para o aumento do IDH e do bem-estar geral. Existem várias formas para se reduzir o déficit ambiental. Pode haver equilíbrio ecológico via redução do consumo, via redução da população, ou via redução simultânea dos dois vetores que estão degradando a saúde dos ecossistemas. Todavia, reduzir a população e o consumo no curto prazo é muito difícil. Mas ao longo do século XXI é possível planejar um decrescimento demoeconômico que coloque as atividades antrópicas em equilíbrio homeostático com a biocapacidade do Planeta, única forma de se evitar um colapso ambiental e civilizacional. Como explica Herman Daly, em entrevista recente (2018):
“O impacto ambiental é o produto do número de pessoas vezes que o uso de recursos per capita. Em outras palavras, você tem dois números multiplicados um pelo outro – qual é o mais importante? Se você mantiver uma constante e deixar a outra variar, você ainda está multiplicando. Não faz sentido para mim dizer que apenas um número é importante. No entanto, ainda é muito comumente dito. Suponho que faria algum sentido se pudéssemos nos diferenciar histórica e geograficamente – para determinar em que ponto da história, ou em que país, qual fator merecia maior atenção. Nesse sentido, eu diria que, certamente, para os Estados Unidos, o consumo per capita é o fator crucial – mas ainda estamos multiplicando pela população, então não podemos esquecer a população. No nordeste do Brasil, por outro lado, a população estava – pelo menos na época em que morei lá – crescendo extremamente rápido, então talvez seja na demografia que a ênfase deveria ser colocada”.
Nesta perspectiva, a situação do Sri Lanka é muito melhor do que a do Afeganistão, pois o primeiro já possui taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição, enquanto as mulheres afegãs continuam com fecundidade em torno de 4,4 filhos em média. O futuro do Sri Lanka parece ser bem mais promissor.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Referência:
HERMAN DALY. Ecologies of Scale, Interview by Benjamin Kunkel. New Left Review 109, January-February 2018
https://newleftreview.org/II/109/herman-daly-benjamin-kunkel-ecologies-of-scale
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/11/2018
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