IPCC defende ‘mudanças sem precedentes’ para limitar aquecimento global a 1,5 °C
Limitar o aquecimento global a 1,5 °C exigirá “mudanças de longo alcance e sem precedentes” no comportamento humano, segundo um painel científico das Nações Unidas, que lançou nesta segunda-feira (8) um relatório especial segundo o qual algumas das ações necessárias já estão em andamento, mas precisam ser dramaticamente ampliadas.
ONU
O IPCC, ou Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgou o relatório em Incheon, na Coreia do Sul, onde, na semana passada, centenas de cientistas e representantes governamentais analisaram milhares de informações para demostrar o que pode acontecer com o planeta e a população global diante do aquecimento global de 1,5 °C.
“Uma das principais mensagens enfatizadas fortemente neste relatório é que já estamos vendo as consequências do aquecimento global de 1°C, como eventos climáticos mais extremos, elevação do nível dos oceanos e degelo no Ártico, entre outras mudanças”, disse Panmao Zhai, copresidente de um dos grupos de trabalho do IPCC.
O Acordo de Paris para o clima, adotado em dezembro de 2015 por 195 nações na 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), incluiu o objetivo de fortalecer a resposta global à ameaça da mudança climática “segurando o aumento da temperatura média global para bem abaixo de 2 °C acima dos níveis pré-industriais, e buscando esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais”.
Em publicação no Twitter logo após o lançamento do relatório, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que não é impossível limitar o aquecimento global a 1,5 °C, de acordo com o documento. “Mas isso exigirá uma ação climática coletiva e sem precedentes em todas as áreas. Não há tempo a perder”.
Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), disse nesta segunda-feira (8) em Genebra que havia “extrema urgência” por parte dos signatários do Acordo de Paris, e que “até agora o progresso não tem sido bom o suficiente” para manter a elevação da temperatura abaixo de 2 °C.
“A mudança climática já é visível e está tendo um impacto sobre os seres humanos e ecossistemas em todo o mundo. Com aumento de 2°C teremos verão sem gelo na Antártida todo ano, mas com aumento de 1,5 °C veríamos isso apenas a cada 100 anos”, disse ele, dando um exemplo de como o clima do mundo muda drasticamente por um aumento de apenas meio grau.
“Haverá 420 milhões de pessoas sofrendo menos por causa da mudança climática se pudermos limitar o aquecimento a 1,5 °C, e temos certas áreas no mundo que são extremamente sensíveis”, disse Taalas. “Pequenos Estados insulares, a região do Mediterrâneo e também a África subsaariana já estão sofrendo e sofrerão mais no futuro”.
Ainda é possível limitar o aquecimento global a 1,5 °C, continuou o oficial da OMM, “mas devemos mudar muitas coisas, a forma como administramos nossos negócios diários hoje”.
Também em Genebra, um especialista em direitos humanos da ONU alertou que não fazer mais para lidar com a mudança climática pode provocar décadas de graves violações.
“A mudança climática está tendo — e terá — efeitos devastadores em uma ampla gama de direitos humanos, incluindo direitos a vida, saúde, alimentação, moradia e água, bem como o direito a um ambiente saudável”, disse David Boyd, relator especial da ONU para direitos humanos e meio ambiente.
“O mundo já está testemunhando os impactos da mudança climática — de furacões na América, ondas de calor na Europa, secas na África e enchentes na Ásia.”
Meio grau é importante
O relatório destaca vários impactos da mudança climática que poderiam ser evitados limitando o aquecimento global a 1,5 °C em comparação com 2 °C ou mais.
Por exemplo, até 2100, a elevação global do nível do mar seria 10 cm mais baixa com o aquecimento global de 1,5 °C em comparação com 2 °C.
Além disso, os recifes de corais, já ameaçados, cairiam 70-90% com o aquecimento global de 1,5 °C, enquanto praticamente todos seriam perdidos com aumento de 2 °C, segundo o relatório.
“Cada aquecimento extra, especialmente a partir de 1,5 °C ou mais, amplia o risco associado a mudanças duradouras ou irreversíveis, como a perda de alguns ecossistemas”, disse Hans-Otto Pörtner, copresidente do grupo de trabalho 2 do IPCC.
“Limitar o aquecimento a 1,5 °C é possível dentro das leis da química e da física, mas isso exigiria mudanças sem precedentes”, disse Jim Skea, copresidente do grupo de trabalho 3 do IPCC.
Com isso em mente, o relatório pede grandes mudanças no uso de terra e energia, na indústria, no setor de construção, de transporte e em todas as cidades em todos os lugares. As emissões líquidas globais de dióxido de carbono precisariam cair 45% em relação aos níveis de 2010 até 2030, e atingir o equilíbrio entre emissões e compensações por volta de 2050.
Permitir que a temperatura global aumente temporariamente acima de 1,5 °C significaria uma dependência maior das técnicas que removem CO2 do ar para retornar as temperaturas globais para abaixo de 1,5 °C até 2100.
Mas o relatório adverte que “a eficácia de tais técnicas não é comprovada em larga escala e algumas podem acarretar riscos significativos para o desenvolvimento sustentável”.
“Limitar o aquecimento global a 1,5 °C em comparação com 2 °C reduziria os impactos desafiadores nos ecossistemas, saúde humana e bem-estar, tornando mais fácil alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas”, disse Priyardarshi Shukla, copresidente do grupo de trabalho 3 do IPCC, referindo-se aos 17 objetivos adotados pelos Estados-membros da ONU há três anos para proteger o planeta e assegurar que todas as pessoas desfrutem de paz e prosperidade até 2030.
O novo relatório vai alimentar um processo chamado “Diálogo de Talanoa”, no qual as partes do Acordo de Paris para o clima vão avaliar o que foi realizado nos últimos três anos. O diálogo fará parte da próxima conferência da UNFCCC dos Estados-partes, conhecida como COP 24, que ocorrerá em Katowice, na Polônia, em dezembro.
Da ONU Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/10/2018
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