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As missões jesuíticas guaranis e a sustentabilidade, Parte 1/4, artigo de Roberto Naime

 

artigo

 

[EcoDebate] AFONSO et. al. (2014) asseveram que o modelo de produção da atual civilização subordina a produção de bens ao valor de troca, decretando o fim da economia de subsistência dos Guarani, principalmente dos que vivem perto das cidades. Eles continuam procurando criar um sistema de sustentabilidade socioeconômica e cultural.

No entanto, mesmo projetos de sustentabilidade com grandes possibilidades de sucesso em geral não dão certo. Isso ocorre, na maioria das vezes, principalmente porque o projeto não atende a cosmovisão Guarani e não utiliza a pesquisa participativa. Não conta com a participação da comunidade indígena.

Há uma forte relação da cosmovisão dos Guarani com a cultura, a natureza e o céu. A cosmovisão é importante para a implantação de projetos de sustentabilidade com esses povos e pouco conhecida por pesquisadores que não são índios

Em geral a cosmovisão é definida como a maneira particular de ver, pensar, ordenar, e sentir o mundo. No entanto, deve-se buscar entender as vivências das pessoas no mundo em que vivem, além de compreender como essas pessoas percebem o mundo a sua volta (fenomenologia).

Portanto, considerando a cosmovisão do ponto de vista fenomenológico, o mundo não é apenas o espaço que as coisas ocupam e não é algo preenchido por seres inertes. O mundo em que habitamos como indivíduos é o espaço construído pelos dois polos, mundo e indivíduo.

AFONSO et. al. (2014) denominam este fenômeno de espaço semântico que abre um horizonte de possibilidades de sentidos e de direções, de orientações, e de significado. Então a cosmovisão implica a cultura, tanto dos indivíduos como a dos grupos sociais, a cultura é, portanto, o modo de significar, observar e viver o mundo.

Essas simples observações nos mostram que mundo e indivíduo não estão apenas articulados, mas estão imbricados, um definindo o outro e o indivíduo definindo-se a si mesmo. Isso gera uma estrutura fenomenológica da relação sujeito conhecedor e dos objetos conhecidos.

Em outros termos, se disser que algo é um cavalo é porque, de um lado, sei reconhecer o cavalo e, de outro lado, o animal por mim visto lembra o cavalo. A análise reflexiva, a partir de nossa experiência do mundo, remonta ao sujeito como a uma condição de possibilidade distinta dela, e mostra a síntese universal como aquilo sem o que não haveria mundo.

Nessa medida, ela deixa de aderir à nossa experiência, ela substitui a um relato, uma reconstrução (MERLEAU-PONTY, 1999). Sem dúvida, o mundo preexiste ao ser humano, pois está ali antes dele nascer. Mas, a partir do momento em que toma consciência de sua situação o indivíduo já se encontra situado pela cultura que assimilou, que recebeu de seus pais, de seus semelhantes, da sociedade em que vive; resumindo, pelo seu mundo cultural.

Esta assimilação não é algo passivo, é também ativa. A partir do momento em que o indivíduo se torna consciente a assimilação é uma construção. Trata-se de receber sentido e de doar sentido.

O mundo está ali antes de qualquer análise que eu possa fazer dele, e seria artificial fazê-lo derivar de uma série de sínteses que ligariam as sensações, depois os aspectos perspectivos do objeto, quando ambos são justamente produtos da análise e não devem ser realizados antes dela (MERLEAU-PONTY,1999).

Há séculos os viajantes perceberam que a cosmovisão de povos diferentes era diferente. No entanto, tendemos a julgar a cosmovisão de culturas diferentes por meio de nossa própria cultura ocidental que consideramos ser superior e a única verdadeira (etnocentrismo).

AFONSO et. al. (2014) assinala que a cosmovisão indígena deve ser considerada no contexto dos seus valores culturais e conhecimentos ambientais. Assim, cada etnia indígena possui sua própria cosmovisão, pois depende de maneira diferente da caça, da pesca, da agricultura e do meio ambiente em que vive.

A cosmovisão dos povos indígenas se fundamenta no animismo: a crença na alma individual ou anima de todas as coisas e manifestações naturais. Nessa crença não há separação entre o mundo espiritual e o mundo físico (ou material) e, também que existem almas ou espíritos, não só em seres humanos, mas também em entidades não-humanas, como: animais, plantas, objetos inanimados e fenômenos celestes, sendo fortemente relacionada com a natureza.

A cosmovisão indígena é muito diferente da ocidental, pois rejeita o dualismo cartesiano, que refere-se à relação matéria-espirito, fundada sobre a afirmação de que os fenômenos mentais são exteriores ao mundo físico.

Referências:

AFONSO, G. B., VELHO, L., AFONSO, Y. B., NADAL, Th. Cuaracy Ra’angaba: O Céu dos Tupi-Guarani. Documentário (III Etnodoc) IPHAN. 2014. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=obuRxNgAh6c Acesso em: 22/06/2014.

AFONSO, G. B., SILVA, P. S. O Céu dos Índios de Dourados Mato Grosso do Sul. Dourados, MS: Editora UEMS, 2012.

AFONSO, G. B. Mitos e Estações no Céu Tupi-Guarani. Edição especial Scientific American Brasil, v. 14, p. 46-55, 2006.

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MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, p. 5-6, 1999.

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Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/09/2018

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