Ambientalização de conflitos sociais, Parte 5/5 (Final), artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] LOPES (2006) destaca, que com o crescimento do direito ambiental, se consolidam os “direitos difusos”, abrangendo o direito do consumidor, a proteção ao patrimônio histórico e à paisagem, aos direitos da criança e do adolescente, e fazendo desse conjunto aparentemente heterogêneo de fenômenos um conjunto coerente em torno da idéia de direito coletivo.
Esta é uma evolução da necessidade de reprodução da qualidade de vida de uma geração para outra, de obtenção de “sustentabilidade”. Essas são condições de meio ambiente e de vida razoáveis ao longo das gerações, ao longo do tempo. Por outro lado, a intervenção do Ministério Público nos conflitos é crescente
O meio ambiente constitui-se, através da educação ambiental, em nova disciplina transversal dentro das escolas (ver lei federal de educação ambiental, de abril de 1999).
Aqui aparece a importância das gerências ambientais relativamente às gerências de produção. Aparece a autorregulação empresarial e do mercado internacional através dos selos ambientais, das normatizações nas formas de produzir do tipo ISO 9000, ISO 14.000, o que repercute nas novas formas legítimas de se apropriar de empreendimentos.
Poderia se manifestar que o desencadeamento destas redes de certificação por demandas sociais, atualmente tem se mostrado muito eficientes na obtenção de resultantes ambientais satisfatórias.
E lícito afirmar e fazer uma analogia do que está acontecendo com a concorrência empresarial em torno dos controles ambientais com o que se passou no século XIX em relação à jornada de trabalho
Uma parte do empresariado vê vantagens na jornada menor com processos produtivos mais eficazes e se alia ao Estado na regulamentação contra os setores que usam a exploração maior através da jornada maior.
Da mesma forma, dentre os grupos empresariais atuais alguns atentam mais para as questões ambientais como questão de eficiência produtiva, de marca e legitimidade no mercado e na sociedade.
E através das federações empresariais, pressionam os setores de maior poluição a se reformarem (vide a ação da federação dos industriais de Minas Gerais pressionando o setor de ferro-gusa a se equipar para produzir processos menos poluentes).
A questão da autorregulação aparece parcialmente na Argentina, onde os controles estatais são historicamente quase inexistentes.
Assim aparece uma contraofensiva empresarial às denúncias, aos movimentos sociais e aos controles estatais anteriores, através de ações efetivas e de marketing.
É o que se denota através das medidas tomadas pela CSN no caso de Volta Redonda após o ano 2000, pela Eletronuclear no caso de Angra, após a audiência pública da usina Angra 2, ou das ações de marketing das empresas siderúrgicas na Argentina.
Nos conselhos municipais de meio ambiente, ou em conselhos municipais de outras áreas como de saúde, de educação, de política agrícola ou de emprego e renda, os assuntos ambientais aparecem como transversais e conexos a outras questões tratadas.
Nessas comissões os grupos populares se apropriam criativamente de questões e categorias “ambientais” e “externas” ao seu universo habitual, como população pobre, “atingida” ou vulnerável.
Grupos como pescadores, trabalhadores rurais, “povos da floresta”, operários preocupados com a “saúde do trabalhador” apropriam-se das questões, da linguagem e da argumentação ambiental para engrandecerem-se em conflitos com seus eventuais oponentes.
LOPES (2006) assevera que os pescadores de Itaguaí, por exemplo, pelo menos em suas lideranças associativas, adquiriram uma linguagem biologizante no tratamento da poluição da Baía de Sepetiba por uma fábrica de zinco e seu agravamento com as obras do Porto de Sepetiba.
Os operários leucopênicos de Volta Redonda adquiriram uma linguagem médica e de saúde do trabalho ao longo de seus conflitos com a CSN e o INSS.
Os representantes de associações de moradores no conselho referente a desenvolvimento urbano e meio ambiente de Angra dos Reis adquiriram um conhecimento de termos e procedimentos urbanísticos devido à interiorização de argumentos e debates na aplicação de itens do plano diretor da cidade nos casos recorrentemente analisados de licenciamento de novas atividades.
E os moradores de Campamento, na Argentina, notadamente as mulheres e os aposentados, adquiriram um conhecimento dos procedimentos judiciais através do longo conflito que os opõe a um estabelecimento fabril poluidor local.
Se tem observado que logo após a ambientalização ocorre a judicialização, mais por busca de gestão e governança do que pela procura do poder judiciário.
Tanto em Volta Redonda, onde os conflitos trabalhistas dos anos 1980 tenderam a arrefecer-se nos anos 1990 e a se transformarem parcialmente, envolvendo diferentes grupos mais amplos, em uma questão ambiental de toda a cidade contra a CSN, assim também no ABC paulista, como em outros pólos sindicais por todo o país, aumentou a participação dos sindicalistas em conselhos e comissões de políticas públicas urbanas.
Com a diminuição da intensidade dos conflitos trabalhistas, com a pressão do desemprego e das más condições de trabalho para os que permanecem empregados, aumenta a participação dos sindicalistas em outras formas que se abriram nos anos 1990.
Nos diferentes conselhos e comissões constituídos por leis federais, ou em outros de origem municipal, mas repassadores de verbas federais aos municípios (OLIVEIRA, 2002).
Há essa tendência à passagem da ênfase nos conflitos sociais do trabalho para a ênfase em outros conflitos sociais urbanos e rurais envolvendo a participação dos cidadãos em formas mais ou menos democráticas e transparentes.
Assim, através da questão do controle da poluição industrial, como um dentre vários problemas ambientais, remonta-se à importância crescente da questão pública do meio ambiente.
Tal questão relaciona-se com transformações do Estado, na sua forma de operar, propondo formas de gestão participativa. É neste contexto que mais se evidencia a incapacidade estrutural dos órgãos e agências governamentais de exercerem gestão e governança, não por culpa dos indivíduos, mas das estruturas sistêmicas.
Também no mundo das empresas há lutas sobre novas formas de produzir e gerir relativamente ao meio ambiente e aos empregados (considerar os conceitos de responsabilidade social corporativa e de balanço social).
E se relacionam também com a interiorização, no comportamento das pessoas, de novas práticas e normas de conduta relativamente a esse novo domínio do “meio ambiente”.
Nesta dimensão aparecem disputas entre engenheiros, químicos, advogados, médicos, biólogos, e outros, inclusive cientistas sociais, conforme LOPES (2006).
E, dentre os leigos, como dentre as populações “pobres” e “vulneráveis”, aparecem apropriações criativas e novas formas de associatividade em torno das questões socioambientais.
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LOPES, José Sérgio Leite, Sobre processos de “ambientalização” dos conflitos e sobre dilemas da participação, Horiz. antropol. vol.12 no.25 Porto Alegre Jan./June 2006, http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832006000100003
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
Nota da Redação: Sugerimos que leia, também, as partes anteriores desta série de artigos:
Ambientalização de conflitos sociais, Parte 1/5
Ambientalização de conflitos sociais, Parte 2/5
Ambientalização de conflitos sociais, Parte 3/5
Ambientalização de conflitos sociais, Parte 4/5
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/09/2018
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