Esgoto tratado reduz índice de doenças no Triângulo Mineiro; Uberlândia e Uberaba são destaque em indicadores de saneamento
Com praticamente 100% de esgoto tratado, Uberlândia e Uberaba, os dois municípios mais populosos do Triângulo Mineiro, oeste de Minas Gerais, se destacam entre as dez cidades com melhor saneamento básico do país.
Na terra do pão de queijo e de belas montanhas, não são apenas a gastronomia e a paisagem natural que têm chamado a atenção.
A reportagem da Agência Brasil passou três dias na região e constatou que investimentos públicos realizados ao longo dos últimos 15 anos fizeram com que indicadores como distribuição, tratamento e coleta e água e esgoto disparassem em relação à média nacional.
Atualmente, Uberaba e Uberlândia possuem, respectivamente, 98,5% e 98,7% do esgoto coletado e tratado. O serviço só não chega às regiões rurais mais remotas dos municípios, que são atendidas, em geral, por fossas sépticas. Para se ter uma ideia, apenas 44,92% dos esgotos em todo o país passam por tratamento. Na prática, significa que 55% desses resíduos de água contaminada são lançados diretamente na natureza, principalmente nos rios e nas águas do mar. Esse volume corresponde a 5,2 bilhões de metros cúbicos por ano ou quase 6 mil piscinas olímpicas de esgoto por dia.
As informações são do Instituto Trata Brasil, que produz anualmente o rankingnacional das maiores cidades do país com base nos dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) do Ministério das Cidades. A média das 100 maiores cidades brasileiras em tratamento dos esgotos foi de 50,26%. Apenas dez delas tratam acima de 80% seus esgotos, segundo o ranking organizado pela entidade, que reúne empresas e especialistas que atuam no setor.
Reflexos na saúde
O acesso ao saneamento básico está diretamente relacionado à redução de internações por infecções gastrointestinais na rede hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2013, por exemplo, foram mais de 340 mil internações em todo o país. De acordo com o Instituto Trata Brasil, citando dados oficiais, se 100% da população tivessem acesso à coleta de esgoto, haveria redução, em termos absolutos, de 74,6 mil internações em todo o país por ano, uma redução de 21%.
Em média, o custo de uma internação por infecção relacionada à contaminação da água é de R$ 355,71 por paciente. Em 2015, o custo das horas não trabalhadas por pacientes afastados do emprego alcançou R$ 872 milhões. As despesas hospitalares com internação, no mesmo ano, foram de R$ 95 milhões, somente no SUS. Considerando as projeções para o avanço da cobertura de saneamento básico até 2035, entre despesas com internação na rede pública e redução dos afastamentos de trabalho, a economia em saúde deve alcançar R$ 7,239 bilhões em todo o país.
Em Uberlândia, que tem uma população de 700 mil habitantes, as notificações de doenças gastrointestinais – relacionadas à qualidade da água – são praticamente inexistentes. “Não temos mais uma busca ativa, no pronto-socorro da cidade, por doenças gastrointestinais causadas por questão alimentar ou contaminação da água. Os registros, em geral, estão associados a causas virais, que ocorrem de forma sazonal, por razões climáticas”, explica o médico Clauber Lourenço, assessor técnico da Secretaria Municipal de Saúde.
Segundo ele, doenças gastrointestinais não estão nem entre as 100 principais doenças registradas no prontuário eletrônico da Secretaria de Saúde ao longo de todo o ano passado. A leptospirose, doença infecciosa transmitida pela água contaminada por urina de ratos e outros animais, normalmente associada à falta de saneamento básico adequado, vem decrescendo ao longo dos anos. Em 2015, por exemplo, foram confirmados quatro casos, contra apenas dois em 2017. Este ano, até o início de setembro, nenhum caso da doença havia sido registrado no município. Em Uberaba, de acordo o DataSUS, apenas um caso de leptospirose foi notificado entre 2015 e 2017, número considerado extremamente baixo para uma cidade de 325 mil habitantes.
Um único caso de hepatite A foi registrado em Uberlândia, no ano passado, contra quatro casos em 2015, segundo estatísticas da Secretaria Municipal de Saúde. A doença produz uma inflamação no fígado causada por um vírus presente em água contaminada por fezes. “Já não temos mais a ‘doença do jeca Tatu’ por aqui”, brinca Clauber Lourenço. Ele pondera, no entanto, que por ser uma cidade-polo, Uberlândia atrai para o sistema público de saúde um contingente populacional muito superior ao número de residentes no município e que, por isso, não é possível estimar uma economia nos gastos do setor a partir da redução de doenças relacionadas à cobertura de saneamento básico na cidade.
“Antes era água correndo na rua, esgoto a céu aberto e a gente via muito mais doença”, afirma a doméstica Aurelina Alves, mãe de dois filhos e moradora do conjunto Celebridade, periferia de Uberlândia. O bairro, onde vivem cerca de 600 famílias, uma ocupação que só foi regularizada em 2013, foi uma das últimas regiões da cidade a receber investimentos em infraestrutura de abastecimento de água e coleta de esgoto. “De lá para cá melhorou muito, principalmente após a chegada do asfalto e do esgoto”, acrescenta.
“Quando chovia, sempre tinha enchente”, relembra Walisson Ribeiro, morador do bairro. Segundo ele, além do ambiente propício para proliferação de doenças, a disputa pela água agravava a violência entre os moradores da região.
Despoluição de rios
Ao longo dos anos 1980, o ribeirão Conquistinha, um dos três mananciais que abastecem a população de Uberaba, começou a viver um processo profundo de transformação, segundo Renato Muniz, geógrafo, professor universitário e produtor rural na região. “Esse ribeirão tornou-se um esgoto a céu aberto cruzando nossa propriedade, que fica a 15 km no centro de Uberaba. Tivemos que barrar o acesso dos animais ao córrego, ocorreu um aumento de vetores, como mosquitos, pernilongos e borrachudos, além do acúmulo de uma grande quantidade de lixo, principalmente após as cheias, que deixavam um rastro de plástico, móveis, resíduos em geral”, relata Muniz. O córrego, segundo ele, passou a apresentar um forte mau-cheiro e uma espessa camada de espuma. O professor lembra que a situação era exatamente a mesma no Rio Uberaba, que abastece a maior parte da população local.
A poluição só começou a ser revertida a partir dos anos 2000, com a instalação da primeira das três Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) do município. Na unidade Francisco Velludo, às margens do Rio Uberaba, são tratados 75% do esgoto urbano, um volume que representa o consumo de cerca de 255 mil pessoas. Ao chegar na estação, o esgoto passa por uma série de etapas de limpeza da água contaminada, que inclui o uso de bactérias que fazem uma espécie de “digestão” da matéria orgânica presente no esgoto, reduzindo sua contaminação em mais de 60% apenas nessa fase.
Uma outra etapa da depuração separa ainda parte da massa orgânica, incluindo o lodo. Ao final do processo, o índice de limpeza da água é aproximadamente 90%, superior aos limites estabelecidos pelo governo federal. Só então a água tratada é devolvida ao rio. Outras duas ETEs complementam o tratamento do esgoto em Uberaba.
Aos poucos, ao longo dos últimos 15 anos, há uma percepção de melhora na poluição dos rios, diz Renato Muniz. “Não diria que está 100%, porque a fauna dos rios, principalmente os peixes, ainda não retornou aos níveis anteriores, mas melhorou bastante. Pouco a pouco esses córregos que abastecem a cidade vão passando por esse processo de limpeza”, afirma.
Em Uberlândia, o Rio Uberabinha, que corta a cidade, foi praticamente despoluído ao longo da última década, com a consolidação das redes de coleta e tratamento de esgoto, que estão praticamente universalizadas para o conjunto da população que vive na área urbana. A medida permitiu que os habitantes voltassem a desfrutar até mesmo de banhos no rio, como ocorre, por exemplo, no Praia Clube, um dos maiores da América Latina. O rio atravessa toda a extensão de mais de 300 mil metros quadrados do local e está entre os atrativos preferidos de seus frequentadores. O esgoto tratado na estação que leva o nome do rio da cidade alcança índices de limpeza acima de 90%. “Constatamos que não há mais mortandade de peixes no rio”, explica Marcelo Costa de Araújo, gerente de tratamento de esgoto da ETE.
Modernização e investimentos
À Agência Brasil, o diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) de Uberlândia, Paulo Sérgio Ferreira, explica que atingir o nível de universalização do saneamento básico na cidade foi resultado de um longo processo de investimento, desenvolvido no decorrer de décadas e que envolveu diferentes administrações municipais. Segundo ele, anualmente, são investidos cerca de R$ 40 milhões em obras e equipamentos.
“Eu diria que foi uma decisão da cidade [priorizar o saneamento]. Além de assegurar o direito da população, de ter acesso à água tratada e tratamento de esgoto, não importa se rico ou pobre, isso trouxe um diferencial econômico importante para Uberlândia. A cidade passou a ser muito atrativa para investimentos na área de indústria e do comércio justamente porque garante saneamento básico completo. Cada vez mais, as decisões empresariais de investimento se pautam por questões ambientais estruturantes como essa”.
Em uma cidade que registra, segundo as autoridades, a regularização de cerca de dez loteamentos urbanos por ano, o futuro também está sendo desenhado. Com as obras da estação de captação de água Capim Branco, que tem investimentos de R$ 300 milhões, Uberlândia poderá abastecer 1,5 milhão de pessoas, que é mais do que o dobro da população atual.
Segundo Luiz Guaritá Neto, presidente do Centro Operacional de Desenvolvimento e Saneamento de Uberaba (Codau), desde 2013, a cidade já investiu R$ 150 milhões na manutenção e desenvolvimento de todo o sistema de abastecimento de água e tratamento de esgoto. “A gente aproveitou os financiamentos públicos existentes, principalmente os federais, ao longo dos últimos anos”, revela.
O que falta para que outras administrações municipais possam deslanchar nessa área, na visão de Guaritá Neto, é a capacidade de elaboração, gestão e desenvolvimento de projetos. Ele também celebra o fato de Uberaba e Uberlândia manterem sob gestão pública direta os serviços de saneamento das cidades. Dos dez municípios com melhor saneamento do país, apenas as duas cidades mineiras e São José dos Campos (SP) mantêm departamentos e autarquias totalmente públicas na área. Nas demais cidades, o serviço é prestado por empresas privadas.
“A gente demonstra que é possível desenvolver uma gestão pública profissional, dando prioridade para o atendimento dos nossos clientes, que é a própria população”, argumenta. E cita, por exemplo, medidas como o aperfeiçoamento dos serviços de atendimento ao público, que conta com uma moderna loja física no centro da cidade, onde são realizados atendimentos de ligação de água em residências e negociação de pagamentos em atraso. Outro serviço de busca ativa faz contato antecipado com clientes com débitos em atraso para evitar o corte do serviço. “Na maioria dos casos, o cliente nem lembra que a conta já venceu ou que tem algum atraso, e o pagamento é efetivado. Reduzimos de forma significativa a inadimplência”, afirma o presidente do Codau.
Por Pedro Rafael Vilela e José Cruz, da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/09/2018
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Triângulo Mineiro comprovando que a gestão pública séria e cidadã é possível salvar o planeta e as pessoas.