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Artigo

Da Indústria da Seca para a Indústria Seca, artigo de Flávio José Rocha da Silva

 

artigo de opinião

 

Da Indústria da Seca para a Indústria Seca

Flávio José Rocha da Silva1

[EcoDebate] Ouvi a expressão “Indústria Seca” pela primeira vez em uma palestra do saudoso Professor Paulo Rosa, geógrafo e docente da UFPB. Em um dos inúmeros eventos promovidos pelos grupos contrários ao Projeto de Transposição da Águas dos Rio São Francisco em 2008 na cidade de João Pessoa, ele fez referência ao fato de que enquanto o Semiárido sofre com estiagens e com a Indústria da Seca, ao mesmo tempo tem um enorme gasto de água com as indústrias têxtil e avícola. Já a cidade de Manaus, cercada por rios, produz eletroeletrônicos. Estes produtos são bem menos dispendiosos no quesito água e são produzidos na região amazônica por causa das vantagens fiscais com a Zona Franca de Manaus.

O termo Indústria da Seca sempre esteve atrelado ao sofrimento do povo nordestino com as longas estiagens e o ganho financeiro de alguns poucos com este fenômeno natural. Não seria o momento de criar mecanismos para mudarmos da Indústria da Seca para uma Indústria Seca? De acordo com alguns estudos, para se produzir uma camiseta de algodão são necessários 2.700 litros de água. Já para uma calça jeans chegar ao consumidor, são gastos em média 10 mil litros de água. Não por acaso, indústrias têxteis do Sul enviam calças jeans para serem lavadas no Nordeste. Além do gasto com os nossos recursos hídricos, os rios nordestinos ficam poluídos com produtos químicos necessários para colorir o tecido.

Pensar uma industrialização que respeite os limites e as ofertas socioambientais da região e dialogue com os conhecimentos locais e suas possibilidades poderá revelar um sucesso lento, mas certamente duradouro, ao contrário de indústrias que exaurem o meio ambiente e deixam um passivo ambiental. Um planejamento que abarque o potencial econômico reprimido por décadas de imposição de um modelo de industrialização importado e conivente com a degradação ambiental trará os resultados almejados por milhões de moradores da região semiárida, valorizando a diversidade socioambiental e seus talentos para o empreendedorismo até hoje não reconhecidos como potencializadores de mudança das estruturas de desigualdades socioeconômicas do Nordeste.

O Semiárido pode dar um salto ao inovar com o incentivo para a instalação de indústrias que utilizem pouca água. Um parque tecnológico para a produção de eletroeletrônicos ou similares com uma política de prevenção e fiscalização contra o desperdício hídrico pode ser muito mais eficaz do que uma Zona Franca do Semiárido, como vem sendo aventada por alguns parlamentares, que pode vir a beneficiar grandes conglomerados econômicos com isenção fiscal como acontece atualmente em Manaus, e evitar repetir a exploração de mão de obra barata e a exaustão dos recursos naturais, incluindo a água, como já conhecemos tão bem.

Sendo este um ano de eleição para o executivo e para os representantes dos parlamentos, é um bom momento para abrir a discussão sobre que tipo de economia queremos. A escolha pode recair sobre uma economia onde todos saem ganhando ou uma economia predatória focada apenas no mercado e sem as preocupações ambientais que já conhecemos o resultado. O que está aí já experimentamos e reprovamos. É hora de inovar!

1 Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e autor do livro infantil A batalha pelas folhas sagradas (acessível gratuitamente em https://issuu.com/abatalhapelasfolhassagradas/docs/a_batalha_pelas_folhas_sagradas_-_f

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/08/2018

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