A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 5/7, artigo de Roberto Naime
A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 5/7, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] SILVA et al (1997) relatam que Coutinho argumenta que o pensamento ambientalista da década de 60, apesar de toda a sua pluralidade, tomou a Ecologia como interlocutora. Adotou uma unidade discursiva onde o modelo de representação de natureza fosse compatível com sua consideração como algo singular e original, e sua valorização, como bem ético.
Por outro lado, a importância atribuída à integração, às totalidades e ao holismo pavimentou o caminho para a ressacralização da natureza. Este paradigma) propiciou a interação entre uma disciplina científica e um pensamento, cujo eixo seria uma crítica racional da modernidade (COUTINHO, 1992).
Alguns grupos pacifistas e ecologistas europeus e norte-americanos propuseram uma profunda transformação nos valores sedimentados pela sociedade ocidental através de uma nova relação homem e natureza orientada por uma “visão ecologizada de mundo”.
Ao contrário, se pensa que seria possível estabelecer uma ponte entre passado e futuro, sem negar o presente. Como escreve Morin, “a ecologia geral suscita o problema homem e natureza no seu conjunto, na sua amplitude, na sua atualidade” (MORIN, 1977:45).
O movimento ecológico foi bastante influenciado pelo pensamento de Aldo Leopold (1949). Este argumentava que a ética a qual havia regulamentado as relações entre os humanos e aquelas entre o humano e as várias instituições sociais, por fim abriu-se a uma terceira relação envolvendo toda a biosfera, denominando-a como a Ética da Terra (“The Land Ethic”).
Assim sendo, Mori diz ser Leopold o “patrono da ética ambiental” (MORI, 1994:4). Impulsionados pela gravidade dos problemas sociais e ambientais contemporâneos, os ecologistas partiram, nos anos 70, para uma estratégia de ações locais e globais.
Neste período, as pesquisas ambientais delineavam um perfil catastrófico sobre os ecossistemas terrestres e os estudos ecológicos passaram a orientar os discursos, baseados, entre outros, nos conceitos prescritivos da Ecologia Aplicada. Posteriormente, observou-se a assimilação ampla nos discursos dos setores políticos convencionais, em escala mundial.
A Conferência Científica da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Conservação e Utilização de Recursos Naturais (UNSCCUR-USA, em 1949) foi “o primeiro marco importante na ascensão do movimento ambientalista internacional” (MCCORMICK, 1992: 53).
O relatório do Clube de Roma, sobre os ‘limites do crescimento’ (MEADOWS, 1978), causou uma grande controvérsia ao defender a paralisação do crescimento populacional, econômico e tecnológico. Com base em modelos computacionais que deram origem ao Relatório Meadows, previa-se um futuro de catástrofes ambientais, caso o processo de crescimento não fosse revertido.
Embora o relatório tenha sido muito criticado por sua inconsistência e excessos nas previsões, isto é, pelo seu caráter malthusiano ou neo-malthusiano, diversas questões foram trazidas para o debate posterior.
Como na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo (1972), sendo esta, sem dúvida, um marco fundamental no crescimento do ambientalismo internacional que determinou uma transição do novo ambientalismo emocional e ocasionalmente ingênuo dos anos 60, para uma perspectiva mais racional, política e global dos anos 70 (MCCORMICK, 1992).
Na década de 80, foi dada continuidade às questões anteriores por meio do relatório “Nosso Futuro Comum” (BRUNDTLAND, 1991), que resultou na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) no Rio de Janeiro em 1992.
Com uma visão crítica deste documento, Coutinho afirma que a ciência seria a grande redentora, segundo o relatório Brundtland, pois dependeria dela a realização do potencial tecnológico na solução dos problemas ambientais. Começa a se usar tecnologicismo e inovação como apanágio da solução dos problemas ambientais gerados pelo desequilíbrio do arranjo socioeconômico.
O relatório apontava o papel que a comunidade científica e as organizações não governamentais tiveram num passado recente, recomendando manter esta aliança para a transição do desenvolvimento insustentável ao sustentável. Assim, a Ecologia Aplicada se tornaria a base do discurso tecnocrático que se diferenciaria conceitualmente do discurso de denúncia da década de 70 (COUTINHO, 1992).
Por outro lado, VIOLA & LEIS (1995) argumentam que a complexa dinâmica do ambientalismo em nível global torna este movimento histórico e ideológico não apenas um ator multidimensional, mas um ator ético-prático com grandes capacidades.
O ambientalismo seria o único movimento contemporâneo em condições de desenvolver valores e conhecimentos do novo tipo. Mais do que produzir meios para uma maior acomodação ou tolerância das diferenças, significa gerir meios para uma ativa cooperação sinérgica entre atores com interesses e perspectivas diferentes, e até mesmo contraditórias.
No campo filosófico, MORI (1994) constata que a novidade do debate ético contemporâneo seria a expansão do horizonte moral, da bioética, iniciada no final dos anos 60.
E do movimento pela libertação animal e da ética ecologista, onde a natureza na sua totalidade, passa a ter um valor intrínseco, independente da valoração humana, reivindicando uma visão não antropocêntrica ou ecocêntrica de mundo. Como diria o jurista alemão Wolf Paul, da Universidade de Frankfurt.
Ele manifesta que o pensamento jurídico precisa evoluir do antropocentrismo para o ecocentrismo.
Não se pode mais conviver com uma simbologia que produz pérolas ao ficar discutindo se lobos marinhos, leões-marinhos e focas tem personalidade jurídica ou se são classificados como coisas pelos pandecistas alemães.
Que além de recusarem ações, condenam o pagamento de custas aos demandantes das ações, que podem ser animais representados por ONGs.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
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Nota da Redação: Sugerimos que leia, também, as partes anteriores desta série de artigos:
A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 1/7
A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 2/7
A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 3/7
A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 4/7
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/08/2018
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