Mídias socioambientais: financiando uma economia sustentável, artigo de Amyra El Khalili
[EcoDebate] Quem atua no mercado financeiro costuma ouvir aquela afirmação: “O mercado sobe no boato e cai no fato”.
Se alguém me perguntasse “como você conseguiu saber que o petróleo teria suas cotações disparadas, com altas sucessivas até atingir a maior marca dos últimos 20 anos?”, responderia: mídias socioambientais.
Já tinha gritado que a US$ 26,00 o barril era para entrar comprando e que abaixo de US$ 34,00 o mercado nunca mais retornaria. Disse isso num evento em Brasília, sobre mudanças climáticas, e por isso fui ridicularizada. Como não opero mais commodities convencionais por questões de princípio, fiquei só observando quando o mercado do petróleo virou na cara de todos e começou a subir, subir, subir.
Neste caso, não era boato, não. Era guerra mesmo, conflitos, e a tão propalada invasão no Iraque. Mas antes disso tudo, quando gritei alto e bom som, nem se cogitava da 2ª Intifada Palestina, do 11 de setembro ou de quaisquer um desses fatos.
Depois de anos analisando mercados de capitais, balanços de empresas, conjunturas econômicas, comércio exterior, política internacional, índices e cotações, o que leio no jornal diário já não me convence mais. É certo que todo analista um dia se cansa. Descobre que a notícia de hoje foi o boato de ontem. E não tem mais confiança em dados de mesmos subsídios para tomar decisões.
Quando a internet não existia, operávamos com o sistema viva-voz, cotações on line de sinais por satélite. No traquejo do vaivém das bolsas, acompanhávamos informações instantâneas calculando com a cabeça na velocidade do computador. A matemática é apenas a constatação das nossas avaliações e a execução da ordem de compra e venda nos pregões, o resultado da confiança dos investidores em nós depositada. Estas variáveis todas juntas formam o preço.
Hoje, a moçada recém-formada sai da faculdade com um laptop repleto de programas e softwares com ‘ene’ calculadoras e mal consegue entender o que água tem a ver com floresta. Essa turminha não lê, não se informa e fica à deriva da mídia convencional, esperando o boato para fazer dele um fato, para azar dos investidores e players.
As mãos invisíveis do mercado
Se você olha essa mídia socioambiental como gritona, que só sabe denunciar e reclamar, pode ir mudando de ideia. Os melhores negócios e investimentos têm sido apontados por esta mídia, que tem o olhar sobre os fatos. A cada dia nascem mais e mais jornais de bairro, rádios comunitárias, blogs, sites, boletins, livros, revistas, vídeos que se incorporam às redes de comunicação na internet. A internet é o palco de transformação da mídia convencional, que acaba por se nutrir das informações produzidas pelas mídias socioambientais. Busca a informação de ponta que circula em redes.
Não espere que esta informação vá aparecer no balanço da empresa que se apresenta para captar dividendos com suas ações nas bolsas. É evidente que ela não apresentará seus passivos, suas deficiências, nem tampouco seus processos. Mas, se você acompanhar as mídias socioambientais, descobrirá se o setor de investimentos é ou não o mais apetitoso. Apesar de estas mídias excomungarem palavras-chave, como mercado, commodities, bolsas, economistas, são o melhor e mais transparente indicador econômico que você poderá ter. Ninguém mais do que as mídias socioambientais apontam onde dá lucro, por mais contraditório que seja, ou, pelo menos, onde você poderá ter um belo prejuízo.
Medo de quê? Quem não deve não teme!
Mídias socioambientais não vendem opinião; vendem espaço. Se seu negócio é bom, que seja para todos, incluindo seus investidores e parceiros, porque negócio bom para um só não é negócio, mas manipulação. Alguém vai quebrar ou ficará sem ‘mercado’.
As questões ambientais fazem parte da rotina de cada cidadão. Os jovens nas escolas querem saber o que é transgenia, biotecnologia, querem entender os debates e as denúncias que circulam na internet. Se antes seus universos se restringiam à televisão, à escola e a amigos, hoje acessam a internet, navegam em sites, procuram blogs, abrem comunidades no facebook.
A dona de casa quer entender por que aquele furacão com um simpático nome feminino destruiu a cidade do jazz nos EUA. Ela provavelmente nunca verá o lado pobre da grande nação Big Brother. O taxista quer compreender o que foi essa tal de ‘tsunami’, e por que o padre fez greve de fome pelo rio São Francisco, ou por que o jornalista Franselmo se imolou num protesto ambientalista. Minha mãe me pergunta por que a Amazônia está secando.
Os protestos ganham espaço na mídia e avançam sobre os olhares dos comuns. Não dá para ficar indiferente a esta realidade, ainda mais com a cobertura on line das mídias socioambientais.
Estas mídias estão atuando com suas ‘mãos invisíveis do mercado’. São ignoradas pelos grandes agentes financeiros, temidas por muitos empresários, tratadas pela conveniência dos governos e subestimadas pelo poder das mídias convencionais, que insistem em fazer de seus veículos a máxima da cartelização da informação, tendenciosa e concentradora, para fomentar o boato. Enquanto isso, as empresas anunciam nos mesmos veículos de sempre e gastam fortunas para terem suas marcas reconhecidas por sua “eminência parda, o mercado”, que somos todos nós, os consumidores.
E assim, as cotações das bolsas vão subindo, subindo, subindo no boato, e o mercado financeiro se esvaziando, se esvaziando no fato. “Me engana que eu gosto”. A questão é saber por quanto tempo os analistas sustentarão a enganação, traduzida em preço e prejuízos consideráveis. Não diga que a culpa é da política econômica, porque até isso as mídias socioambientais apontaram há tempo com as contradições entre os ministérios e os ministros. Foi você, meu amigo, que não viu, digo, não leu nas mídias socioambientais.
Os analistas do mercado de capitais, brokers, traders competentes e veteranos, se converteram em ativistas pela lógica da inteligência, pois se cansaram de ser enganados. Hoje, querem se nutrir desta mídia que aponta os fatos, doa a quem doer. Estes analistas aprenderam a respeitar essas “mãos invisíveis” e a não subestimar o poder de “sua eminência parda, o mercado”.
Colega, agora analise bem, faça suas continhas, consulte seus gráficos, acesse seus programas e me responda: Mídias socioambientais: por que alguém deveria financiá-las?
Referência:
El Khalili, Amyra. Commodities ambientais em missão de paz – novo modelo econômico para a América Latina e o Caribe / Amyra El Khalili. – Bragança Paulista, SP : Heresis, 2017. 336 p.
*Amyra El Khalili é professora de economia socioambiental. É fundadora do Movimento Mulheres pela P@Z! e editora da Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras. É autora do e-book “Commodities Ambientais em Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a América Latina e o Caribe”.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/06/2018
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