Século XXI: a cartografia da violência no campo, artigo de Sucena Shkrada Resk
O mapeamento do processo de violência no campo revela um Brasil com janelas de oportunidades perdidas sob um modelo perverso, que tem no centro a disputa da terra. Os estados do Pará (21), Rondônia (17), Bahia (10), Mato Grosso (9), Amazonas (3), Minas Gerais (2) e Alagoas (01) figuraram em 2017, como os locais de assassinatos de 70 pessoas. Quilombolas, sem-terra, indígenas, lideranças locais, assentados, posseiros, pescador e aliados tiveram suas vidas abreviadas. Essas informações integram o relatório anual produzido pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, divulgado recentemente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) Nacional. A escalada de baixas tem crescido anualmente e causa apreensão a organizações e movimentos de direitos humanos nacionais e internacionais. É o retrato de um faroeste tropicalizado.
O quadro de vulnerabilidade se acentua à medida que os mecanismos legais de proteção não são executados e o acirramento das pressões não é combatido na gênese pelas autoridades. Por outro lado, a não resolução de casos é mais um aspecto que causa perplexidade e vem se repetindo há décadas, de acordo com pesquisadores. Um ciclo que, de certa forma, torna parte da população refém de um sistema que expõe a desigualdade econômica e interesses de mercado como pano de fundo. Há 32 anos, a CPT realiza o levantamento, e nesse período, somente 8% dos assassinatos no campo foram julgados, que correspondem a 113 casos. As regiões Norte e Nordeste predominam nessas estatísticas.
Talvez seja necessário recobrar o que diz a Constituição de 1988, em seus artigos 3º e 5º:
Artigo 3: Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 5: Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Desde julho de 1999, também existe a Lei federal 9.807, regulamentada pelo Decreto 3.518, do ano 2000, que estabelece:
“normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas…”.
Nesta retomada histórica, existem temas que são protagonistas neste contexto, que estão longe de um equilíbrio: reforma agrária, demarcação de terras, trabalho análogo ao escravo, conservação socioambiental e predominância de modelo de práticas de agricultura e negócios, entre outros.
O fato é que o Brasil se tornou um país perigoso para os ativistas de direitos humanos, ligados a conflitos de terras e socioambientais. Em relatório de 2017, a Anistia Internacional, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da ONG Front Line expuseram que o país figura entre as quatro nações que registram maior número de homicídios de ativistas. As outras três são Colômbia, Filipinas e México. No ranking da organização Global Witness, responsável pelo relatório Defenders of the Earth (Defensores da Terra, em português), o Brasil é o primeiro nos assassinatos (dados de 2017). Relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) alertaram que o Brasil tem hoje o maior número de assassinatos de ativistas ambientais do mundo, com uma morte por semana.
O que se observa é que existe um estado velado de uma “guerra” interna que requer mudanças de padrão de desenvolvimento e a retomada da práxis das leis vigentes. No papel, tudo tem retaguarda, mas no dia a dia, a realidade é bem outra.
* Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 26 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (http://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 01/06/2018
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