A contribuição do decrescimento populacional para o meio ambiente no século XXI, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A contribuição do decrescimento populacional para o meio ambiente no século XXI, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”
Machado de Assis (Memórias póstumas de Brás Cubas)
[EcoDebate] A fecundidade da população mundial caiu bastante nos 50 anos compreendidos entre 1965 e 2015. A taxa de fecundidade total (TFT) estava em torno de 5 filhos por mulher entre 1950 e 1965 e caiu para 2,5 filhos por mulher no quinquênio 2010-15. Houve uma diminuição de 2,5 filhos na TFT em meio século. Foi a maior redução já ocorrida na história da humanidade e representa um dos maiores e mais significativos fenômenos sociais de mudança de comportamento de massa já ocorridos na sociedade.
A autolimitação do tamanho da prole ocorreu de forma racional e em meio ao aumento do bem-estar médio global. Isto significa que as famílias optaram por investir na qualidade dos filhos e não na quantidade de novos membros da família. A redução da TFT não ocorreu em função da escassez de recursos, ao contrário, foram os casais com maiores níveis de educação e renda e com maior acesso à informação que lideraram a transição da fecundidade nos diversos países.
Porém, mesmo com toda a expressiva queda da TFT, a população mundial cresceu de 2,5 bilhões de habitantes em 1950 para cerca de 7,5 bilhões de habitantes em 2015. Se a taxa de fecundidade se mantiver em torno de 2,5 filhos por mulher até 2100 a população mundial poderá duplicar entre 2015 e 2100 e chegar a um número próximo de 15 bilhões de habitantes no final do século XXI.
A Divisão de População da ONU faz várias projeções para as próximas décadas. Na projeção média a taxa de fecundidade passaria dos atuais 2,5 filhos por mulher para 2 filhos por mulher em 2100. Na projeção baixa, a TFT passaria de 2,5 filhos para 1,5 filhos por mulher em 2100. Ou seja, na hipótese da projeção média, a TFT seria reduzida em meio (0,5) filho até 2100. Na hipótese de projeção baixa, a TFT seria reduzida em um (1) filho no espaço de 85 anos, conforme mostra o gráfico acima.
Esta queda projetada pode parecer pequena para o período 2015-2100 (diante dos 2,5 filhos reduzidos entre 1965-2015), mas teria um efeito impactante sobre o volume total da população e no número de nascimentos.
O gráfico abaixo mostra que o número de nascimentos do mundo em 1950 estava, aproximadamente, em torno de 100 milhões de bebês por ano e subiu para cerca de 140 milhões de bebês no quinquênio 2010-15. Se a TFT seguir a trajetória média, conforme hipótese da Divisão de População da ONU, o número de nascimentos anuais no mundo ficará em torno de 140 milhões nas próximas décadas e atingirá 131,2 milhões no quinquênio 2095-00. Se a TFT seguir a trajetória baixa, o número de nascimentos anuais no mundo cairá progressivamente e atingirá 59 milhões no quinquênio 2095-00.
O número total de nascimentos entre 2015 e 2100, na projeção média, seria de 11,8 bilhões e na projeção baixa de 7,7 bilhões. Isto significa que se, nos 85 anos entre 2015 e 2100, a TFT cair de 2,5 para 2 filhos por mulher vão nascer 11,8 bilhões de crianças e se a TFT cair de 2,5 para 1,5 filho por mulher o número de nascimentos se reduziria para 7,7 bilhões. Uma diferença de 4,1 bilhões de crianças.
Estes dados mostram o impacto da queda de meio filho sobre o volume da população total, indicando que uma aceleração do ritmo da transição da fecundidade poderia reduzir imediatamente o número de nascimentos. Por exemplo, na hipótese média de projeção o número de nascimentos seria de 141 milhões no quinquênio 2015-20 e de 142,9 milhões no quinquênio 2045-50, enquanto na hipótese baixa de projeção os números seriam de 126,6 milhões e 100 milhões, respectivamente. Assim, se a TFT cair no ritmo estimado da projeção baixa haverá um bilhão de nascimentos a menos até 2050. Portanto, mesmo com a inércia demográfica, a redução seria significativa e poderia contribuir para diminuir a pressão sobre o meio ambiente.
O gráfico abaixo mostra a evolução da população mundial de 1950 a 2015 e os cenários de projeção médio e baixo. Na hipótese média, a população mundial passaria dos atuais 7,5 bilhões de habitantes para 11,2 bilhões de habitantes em 2100. Na hipótese baixa, a população mundial ficaria com 7,3 bilhões de pessoas no final do século XXI. Portanto, se houver uma queda de um filho na TFT até 2100, em relação aos 2,5 filhos do quinquênio 2010-15, o mundo pode ter uma população em 2100 menor do que a de 2015. Seriam menos 4 bilhões de pessoas em relação à projeção média da Divisão de População da ONU. Ao invés de crescimento demográfico, teríamos decrescimento demográfico.
Os dados acima mostram que a demografia não é destino. Mais de 90% da população global de 2100 vai nascer nos próximos 85 anos (de 2015 ao final do século). A população mundial cresceu nos últimos milênios seguindo a máxima do livro do Genesis: “Sede férteis e multiplicai-vos! Povoai e sujeitai toda a terra; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todo animal que rasteja sobre a terra!”. Porém, agora é possível evitar o crescimento exponencial ininterrupto.
O aumento da população alimenta (por meio da oferta de trabalho e a demanda por consumo) o aumento da economia. O superconsumo só se sustenta porque existem pessoas consumindo. A parcela da população mundial com consumo muito elevado está em torno de 20%. Mas existe uma grande classe média (em torno de 40% da população mundial) que quer mimetizar o consumo dos ricos. E os 40% da população muito pobres também querem (e merecem) aumentar o consumo de alimentos, educação, saúde, lazer, etc.
O aumento da população funciona como um fermento para o aumento do consumo. A obsessão pelo crescimento demoeconômico contínuo fez a humanidade ultrapassar a capacidade de carga do Planeta. Dados de 2013 mostram que a Pegada Ecológica global está 68% acima da biocapacidade. E o déficit ecológico continua aumentando. Em breve consumiremos 2 planetas.
Evidentemente, a redução do consumo é a tarefa mais urgente para reduzir a pegada ecológica. Mesmo com a rápida queda da taxa de fecundidade a população mundial vai crescer nos próximos anos. Porém, seguindo a trajetória baixa da projeção da ONU, a população mundial não ultrapassaria 9 bilhões de habitantes até 2050 e diminuiria rapidamente na segunda metade do século XXI, podendo chegar em 2100 com um volume populacional menor do que o atual.
Seria um risco para todas as formas de vida do Planeta aumentar a população mundial em 4 bilhões de habitantes e aumentar a economia e a exploração da natureza. A humanidade, ao longo da história, já prejudicou bastante a saúde dos ecossistemas e vai ter que enfrentar grandes desafios nas próximas décadas, tais como: aquecimento global e ondas letais de calor, aumento do nível do mar e naufrágio das áreas litorâneas, aumento dos furacões, acidificação dos oceanos, erosão dos solos, poluição das águas, crescimento das mortes por poluição do ar, redução da biodiversidade, insegurança alimentar, etc.
Menos gente significará menos sofrimento humano e não humano. Com a novidade da redução demoeconômica ficaria mais viável a recomposição dos ecossistemas e a recuperação da biodiversidade.
O colapso ambiental poderá ser evitado se houver um esforço conjunto dos diversos países do mundo para colocar a humanidade em um espaço seguro, onde a redução das atividades antrópicas possa coexistir com a convivência harmoniosa com a natureza. A lição sabemos de cor, só nos resta colocá-la em prática: Sem ECOlogia saudável não há demografia viável ou ECOnomia sustentável.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/04/2018
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