A água, um recurso cada vez mais escasso, artigo de Alexandra Leitão
A água, um recurso cada vez mais escasso, artigo de Alexandra Leitão
[EcoDebate] Nos dias de hoje, surge cada vez mais na primeira linha das preocupações de uma economia mundial globalizada, a sustentação da Vida com a necessária preservação dos recursos naturais essenciais.
Em 1993, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) consagrou o dia 22 de março como o Dia Mundial da Água, cujo principal objetivo principal é criar um momento de reflexão, análise e consciencialização com vista ao desenvolvimento de ações que promovam a conservação, proteção, gestão e uso eficiente da água de forma ambientalmente sustentável.
Neste âmbito, decorre entre 18 e 23 de março de 2018 em Brasília o 8º World Water Forum, promovido pelo World Water Coucil, uma organização internacional que reúne cerca de 400 instituições, de cerca de 70 países, interessadas no tema da água. Este evento, que ocorre desde 1997 de três em três anos, acontece pela primeira vez na sua história numa cidade do hemisfério sul. O Fórum pretende contribuir para o diálogo no processo de tomada de decisão sobre a água a nível global, com vista ao seu uso racional e sustentável.
Em 2010, a Assembleia Geral da ONU reconheceu finalmente o direito humano à água e saneamento: “The human right to water entitles everyone to sufficient, safe, acceptable, physically accessible and affordable water for personal and domestic uses” (UN, 2010).
A preocupação das Nações Unidas com esta questão transparece também nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015-2030). O objetivo 6 é assegurar o acesso à água potável e saneamento a todos os indivíduos do Planeta até 2030.
Os números são ainda desoladores (UN, 2017):
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Apesar da evolução positiva verificada desde 1990, cerca de 663 milhões de pessoas não têm ainda acesso à água potável, com consequências graves em termos de saúde pública ;
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A escassez de água afeta cerca de 40% da população global e a projeção é que este número continue a aumentar.
Apesar de a água ocupar cerca de 71% da superfície terrestre – daí a designação de Planeta Azul, pela cor dominante quando avistado do espaço – 97% dessa água é salgada. Dos 3% de água doce existentes, menos de 1% é água doce acessível em rios, lagos ou aquíferos. A maioria encontra-se aprisionada no gelo e nas calotas polares.
Deste modo, a quantidade de água potável disponível para utilização humana não chega a 1% de toda a água do Planeta e cerca de 70% da água extraída de rios, lagos e aquíferos é utilizada para irrigação (UN, 2017).
Assim, a água é um recurso escasso que é fundamental tratar bem pois dele depende a espécie humana, a saúde dos ecossistemas e a vida no Planeta.
É o suporte da vida dos seres vivos, pois é parte integrante das células dos organismos e indispensável a todas as reações químicas necessárias à vida.
Contudo, a realidade tem-se revelado bem diferente.
Tem-se verificado uma má gestão do recurso, com um consumo superior à capacidade de recarga. A escassez de água é cada vez maior, pressionada pelo aumento da procura, devido ao crescimento da população mundial (estimada em 7,6 mil milhões em 2017 e que se espera venha a atingir os 11,2 mil milhões em 2100), ao aumento da urbanização, à elevação dos padrões de vida com mudança do regime alimentar das pessoas (alimentos que necessitam de muita água, como a carne), e ainda às alterações climáticas, com impacto na desertificação e poluição, estas com intervenção no ciclo da água. Também, a procura de água pelo ser humano concorre diretamente com a água necessária para manter as funções ecológicas.
As maiores reservas de água subterrânea do mundo estão a diminuir de forma alarmante. Num estudo recente com investigadores, entre outros, da NASA e da Universidade da Califórnia, Santa Barbara foi revelado que cerca de um terço dos maiores aquíferos do Planeta estão a ser rapidamente esgotados pelo consumo humano, com pouco ou nenhum reabastecimento natural que compense esse consumo. O Sistema Aquífero Árabe, fundamental para o abastecimento de água de mais de 60 milhões de pessoas, é o que verifica piores condições no mundo, seguindo-se a Bacia do Indo o que se situa noroeste da Índia e Paquistão e a Bacia Murzuk-Djado no Norte de África (Richey et al., 2015).
Contudo, este não se trata apenas de um problema do mundo emergente. A falta do recurso também se fará sentir em economias industrializadas onde secas e outros eventos extremos relacionados com o clima tenderão a tornar-se mais frequentes nas próximas décadas.
A confirmar-se esta tendência, há economistas que acreditam que a água, que tem sido considerada um direito, se tornará numa commodity, uma mercadoria de elevado valor no mercado internacional, dado o aumento da procura e a escassez da oferta.
A multiplicação de fundos de investimento nesta área, como o Pictet Water Fund, demonstra o valor da água potável, que já muitos apelidam de “ouro azul”. O fundo, lançado em 2009 no Reino Unido, investe em ações de cerca de 60 empresas que operam no setor da água em todo o mundo, nomeadamente na oferta de água, tecnologia e serviços ambientais.
A valorização de um recurso depende da sua disponibilidade e da utilidade que lhe é atribuída. Conhecer o valor de um recurso é fundamental para a sua gestão, de forma a garantir uma utilização equilibrada, justa e sustentável. Reconhece-se que atualmente a água é um recurso natural escasso e estratégico, logo um bem caro e será cada vez mais caro porque mais disputado.
A água terá tanto mais valor comercial, quanto mais o seu consumo se afastar dos valores mínimos necessários à sobrevivência humana: diretamente, nos usos domésticos, ou indiretamente, nos usos agrícolas. O grande problema é que não é fácil estabelecer as fronteiras entre os consumos essenciais e os supérfluos, uma vez que variam muito com o contexto cultural da sociedade e com o contexto climático do local onde se verificam.
Quando bens essenciais, insubstituíveis, adotam uma lógica de mercado, o preço passa a ser fixado como equilíbrio entre a oferta e a procura, estabilizando-se no valor mais elevado que o consumidor está disposto a pagar, e que, no caso da água, tende para infinito, porque não há alternativa.
Por exemplo, numa cidade em que se criasse uma sensação de escassez de água potável, o preço dispararia especulativamente, obrigando as pessoas a deixar de comprar outros bens e serviços para pagar esse bem. É esta perspetiva perigosa, potencialmente indutora de mais exclusão e pobreza, que está subjacente quando se pretende incluir a água no grupo das commodities.
Os crescentes problemas de escassez de água e de seca indicam claramente a necessidade de uma gestão mais sustentável. Mais especificamente, é necessário investir numa gestão da procura que aumente a eficiência da utilização da água. A perspetiva deve ser a de uma economia circular, indo buscar cada vez menos água ao exterior e maximizando a reutilização da água, onde se verificam grandes potencialidades (por exemplo, a reutilização de águas residuais, na agricultura).
O uso racional e eficiente da água é fundamental para ultrapassar a crise mundial de água que enfrentamos e para garantir qualidade de vida para a nossa geração e para as futuras. Trata-se do futuro do recurso e de toda a Humanidade.
Alexandra Leitão*
Católica Porto Business School
Referências
United Nations (2010). Resolution 64/292: The human right to water and sanitation.
UN (2017). Sustainable Development Goals. http://www.un.org/sustainabledevelopment/sustainable-development-goals/
Richey, A. S., Thomas, B. F., Lo, M-H, Reager, J. T., Famiglietti, J. S., Voss, K., Swenson, S., Rodell, M. (2015). Quantifying renewable groundwater stress with GRACE. Water Resources Research. https://doi.org/10.1002/2015WR017349
* Alexandra Leitão é Professora Auxiliar na Católica Porto Business School, onde foi Diretora das Licenciaturas em Economia e Gestão de 2011 a 2013. Doutorada em Economia, com especialização em Economia do Ambiente, pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Mestre em Finanças, pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Licenciada em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/03/2018
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Não partilho desse pessimismo.
É verdade que cerca de nove por cento da população não tem acesso à água. É muito? Sim, é muito, mas se comparado com os números do século passado, tivemos grande avanço.
A agua do mar é imprestavel para uso? Absolutamente, senao nao teriamos as plataformas de petroleo onde a agua do mar, depois de dessalinizada, é usada no consumo humano.
O que precisamos e tomar juízo e passarmos a reusar cada vez mais nossa água.
Tive o prazer de traduzir o manual da ONU sobre potabilizacao do esgoto domestico. O EcoDebate publicou na Intenet e está disponível para quem quiser ler.