Jacarta está afundando e pode ficar rapidamente debaixo d’água, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A Indonésia é o quarto país do mundo em termos demográficos (população de 264 milhões de habitantes em 2017) e, no ano passado, ultrapassou o Brasil em tamanho do Produto Interno Bruto (PIB de US$ 3,257 trilhões em 2017 contra US$ 3,216 trilhões do Brasil) ocupando a oitava posição no ranking das maiores economias, quando medido pelo poder de paridade de compra (ppp), do FMI. Enquanto o Brasil vive a sua segunda década perdida, a economia da Indonésia cresce mais de 5% ao ano e tem dado inveja aos desenvolvimentistas brasileiros.
A capital Jacarta, com cerca de 9 milhões de habitantes (em uma região metropolitana de quase 30 milhões de pessoas) é uma cidade dinâmica mas que está, literalmente, naufragando. Enquanto Brasília, no Planalto Central do Brasil, está atolada em um mar de lama e o Rio de Janeiro está em luto constante contra a corrupção e a violência, Jacarta afunda a cada dia e pode ficar rapidamente debaixo d’água. Algumas zonas da região norte estão afundando mais de 25 milímetros por ano, um ritmo bem mais acelerado do que o verificado na cidade de Veneza (2 milímetros/ano).
Reportagem do jornal New York Times mostra que o problema é agravado pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas (aumento das tempestades, furacões, tufões, etc.), mas tem características próprias. De fato, Jacarta está afundando mais rápido do que qualquer outra grande cidade do planeta, mais rápido, mesmo, do que as mudanças climáticas que estão elevando o mar de Java. A principal causa são os poços ilegais e a drenagem dos aquíferos subterrâneos sobre os quais a cidade se espalha.
Os aquíferos não estão sendo reabastecidos, apesar das fortes chuvas e da abundância de rios, porque mais de 97% de Jacarta agora é coberta por concreto e asfalto. Campos abertos que absorviam a água da chuva foram pavimentados. As margens dos manguezais que ajudavam a aliviar os rios e os canais inchados durante as monções foram ocupados pelas favelas e torres de apartamentos. Resultado: cerca de 40% de Jacarta já está abaixo do nível do mar.
O aquecimento global acaba exacerbando dezenas de outros males. E no caso de Jacarta, Existe um tsunami de problemas pelo desenvolvimento desenfreado, falta de planejamento quase total, falta completa de saneamento básico, uma rede limitada de água potável confiável e encanada, edifícios que se afundam, ar poluído e alguns dos piores engarrafamentos do mundo. A desconfiança do governo é uma realidade nacional e a corrupção generalizada não fica atrás daquilo que foi mostrado na operação Lava-Jato do Brasil. Os conflitos entre extremistas islâmicos e indonésios seculares, muçulmanos e etnia chinesa bloquearam o progresso, ajudaram a derrubar líderes reformistas e complicaram tudo, enquanto a cidade afunda.
Os hidrólogos dizem que a cidade tem apenas uma década para deter seu naufrágio. Se não puder, o norte de Jacarta, com seus milhões de moradores, acabará subaquática, juntamente com grande parte da economia da nação.
A população vive alarmada diante das inundações catastróficas durante as monções. O governo aposta no projeto “Grande Garuda”, ou Programa de Desenvolvimento Integrado das Costas, que consiste na construção de uma barreira gigante e de um reservatório de água. O projeto inclui a construção de um muro com cerca de 32 quilômetros de extensão e uma estrutura de 17 ilhas artificiais, sendo que o reservatório servirá para armazenar a água das chuvas. Uma lagoa artificial ficará inserida numa nova cidade costeira com áreas residenciais, de negócios e de lazer, que corresponderá a mais investimentos na capital. Apesar dos benefícios esperados com a estrutura, o projeto – que é liderado por um consórcio holandês – tem dado também origem a várias críticas por parte de ativistas e cientistas, especialmente em decorrência dos problemas ambientais deste projeto megalômano.
Diversos ambientalistas criticam a construção de diques e consideram que a melhor abordagem seria devolver parte de Jacarta do Norte para a natureza. A ideia seria reintroduzir manguezais e rejuvenescer algumas das dezenas de reservatórios que faziam parte da velho Jacarta. Os administradores da capital da Indonésia olham para o exemplo de Tóquio e miram o replanejamento da cidade.
Mas as medidas adotadas até aqui são poucas e tardias. Será muito difícil resolver os problemas já existentes em Jacarta e ainda enfrentar a elevação do nível dos oceanos e as mudanças climáticas que vão fazer esta região tropical ficar extremamente vulnerável à instabilidade dos ventos, à fúria das águas e às ondas letais de calor. Jacarta pode se tornar uma terra inabitável.
Referência:
MICHAEL KIMMELMAN. Jakarta Is Sinking So Fast, It Could End Up Underwater, NYT, 21/12/2017
https://www.nytimes.com/interactive/2017/12/21/world/asia/jakarta-sinking-climate.html?hp&action=click&pgtype=Homepage&clickSource=story-heading&module=span-ab-lede-package-region®ion=top-news&WT.nav=top-news
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/03/2018
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