Dia Internacional da Mulher: Condorcet e Olympe de Gouges, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Dia Internacional da Mulher: Condorcet e Olympe de Gouges, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem.
As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum”
(Artigo 1º) – Olympe de Gouges
[EcoDebate] O Dia Internacional da Mulher é uma data de reflexão e um momento de rememorar o luto e a luta do sexo feminino contra a exploração, a opressão, a escravidão, a violência, a guerra, a pobreza, a destruição da natureza, a superstição, a ignorância, a heteronomia, a iniquidade, o fracasso, o preconceito, o obscurantismo, o fatalismo; e a favor da paz, da harmonia, da liberdade, da educação, da ciência, da tecnologia, da simpatia, da empatia, da solidariedade, da pluralidade, da autonomia, da diversidade, da saúde, dos direitos sexuais e reprodutivos, do amor, do progresso, do sucesso, do bem-estar e do compartilhamento respeitoso do espaço terrestre com todos os seres vivos do Planeta.
O Dia Internacional da Mulher é uma data de celebração da plena cidadania e faz parte do escopo dos direitos humanos, cuja referência máxima é a Revolução Francesa, principal marco da modernidade. A queda da Bastilha inspirou os ideais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” e abriu espaço para o surgimento de um movimento feminista contra a subjugação das mulheres e pela igualdade de direitos entre os sexos. No dia 26/08/1789, foi aprovada a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”.
A França sempre foi uma das nações líderes do iluminismo. Ainda no século XVII, François Poullain de la Barre (1647-1725), foi um precursor do ideais da liberdade, autonomia e equidade de gênero, sendo um grande incentivador da luta feminista. Todavia, foi no bojo do fim do Antigo Regime (fim da monarquia) e o começo da República que os ideais de igualdade entre homens e mulheres foi colocado à prova.
O Marquês de Condorcet e Olympe de Gouges foram duas figuras marcantes na defesa dos direitos das mulheres.
Marie-Jean Antoine Nicolas de Caritat, conhecido como Marquês de Condorcet (17/09/1743 – 28/03/1794), foi um filósofo, matemático e revolucionário francês, além de ser um proeminente defensor da cidadania feminina e um pioneiro dos ideais feministas. Cientista reconhecido, desde 1765, quando publicou sua obra, “Ensaio sobre o cálculo integral”, ele deixou sua marca na história da matemática e da atuária. Em 1769, entrou na Academia das Ciências de Paris. Em 1782 entrou para a Academia Francesa. Mais tarde foi o primeiro autor a defender um sistema previdenciário com base na repartição simples intergeracional. Ele pode ser considerado um dos fundadores da ciência Atuária e um defensor do sistema de proteção social, da paz, da educação universal e dos direitos das minorias raciais e dos idosos. Foi um protagonista da luta contra o colonialismo, contra o racismo (defendeu a independência do Haiti) e pelos direitos humanos.
Com a queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, Condorcet assumiu um protagonismo exemplar na Revolução Francesa. Com o grande revolucionário inglês Thomas Paine (que foi um autor fundamental no processo de Independência dos Estados Unidos e participava de um grupo de intelectuais ingleses que incluía William Godwin e Mary Wollstonecraft) escreveu um projeto liberal de Constituição que garantia avanços sociais e respeitava a democracia.
A contribuição de Condorcet na defesa dos direitos da cidadania feminina, teve início em 1787 quando ele tratou do assunto em um texto mais amplo sobre os direitos constitucionais. Mas foi no dia 03 de julho de 1790 (um ano depois do início da Revolução Francesa) que o Marquês de Condorcet publicou o texto “Sobre a admissão do direito de cidadania às mulheres” (ver link na referência abaixo) que explicita sua defesa da cidadania feminina na Assembleia Nacional. O texto é uma verdadeira aula sobre equidade de gênero. Defendendo o direito de voto feminino na Assembleia Nacional. Logo na primeira página, ele diz:
“… os direitos dos homens resultam simplesmente do fato de serem seres racionais e sensíveis, suscetíveis de adquirir ideias de moralidade e de raciocinar sobre essas ideias. As mulheres que têm, então, as mesmas qualidades, têm necessariamente os mesmos direitos. Ou nenhum indivíduo da espécie humana tem verdadeiros direitos, ou todos têm os mesmos; e aquele que vota contra os direitos do outro, seja qual for a sua religião, cor ou sexo, desde logo abjurou o seu próprio” (Condorcet, 03/07/1790, p. 1).
Durante os primeiros anos da Revolução, o casal Condorcet – Marie-Jean Nicolas de Caritat e sua esposa, Sophie de Condorcet (1764-1822) – abriu o salão de sua casa para reuniões dos Girondinos (grupo político moderado da Assembleia Nacional) e transformou o local em um dos clubes revolucionários mais solidários à participação das mulheres e em defesa de seus direitos. Entre os participantes das reuniões promovidas pelos Condorcet, estava Olympe de Gouges (1748-1793), pseudônimo de Marie Gouze, que foi uma dramaturga, ativista política e feminista francesa.
Compartilhando dos meus posicionamentos políticos moderados dos Girondinos e dos ideais de igualdade de gênero expresso pelo Marquês de Condorcet no texto “Sobre a admissão do direito de cidadania às mulheres” (03/07/1790), Olympe de Gouges escreveu sua inspirada e influente obra: “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, de setembro de 1791.
Mas com a subida dos Jacobinos ao Poder, teve início o “Período do Terror” (setembro de 1793 a julho de 1794), quando as garantias constitucionais foram suspensas e o governo controlado pela facção da Montanha e liderada por Robespierre perseguiu e assassinou seus adversários (entre 17.000 e 40.000 pessoas foram guilhotinadas). O número oficial de execuções foi de 16.594, mas há um consenso de que o número foi muito maior devido à mortes na prisão, suicídios e pessoas abatidas na guerra civil.
Por discordarem das posições políticas dos Jacobinos e do Terror, Olympe de Gouges foi guilhotinada em 03/11/1793 e o Marquês de Condorcet foi preso e morreu na prisão, de forma não esclarecida, em 28/03/1794. Ambos, Gouges e Condorcet foram dois mártires da Revolução Francesa e estão no Panteão das pessoas mais influentes da Revolução, sendo próceres dos direitos da cidadania feminina. Abaixo segue a Declaração elaborada por Olympe de Gouges.
Declaração dos direitos da mulher e da cidadã
Olympe de Gouges (França, Setembro de 1791)
PREÂMBULO
Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam constituir-se em uma Assembleia Nacional. Considerando que a ignorância, o menosprezo e a ofensa aos direitos da mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolvem expor em uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher. Assim, que esta declaração possa lembrar sempre, a todos os membros do corpo social seus direitos e seus deveres; que, para gozar de confiança, ao ser comparado com o fim de toda e qualquer instituição política, os atos de poder de homens e de mulheres devem ser inteiramente respeitados; e, que, para serem fundamentadas, doravante, em princípios simples e incontestáveis, as reivindicações das cidadãs devem sempre respeitar a constituição, os bons costumes e o bem estar geral.
Em consequência, o sexo que é superior em beleza, como em coragem, em meio aos sofrimentos maternais, reconhece e declara, em presença, e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos da mulher e da cidadã:
Artigo 1º
A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum.
Artigo 2º
O objeto de toda associação política é a conservação dos direitos imprescritíveis da mulher e do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão.
Artigo 3º
O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação, que é a união da mulher e do homem nenhum organismo, nenhum indivíduo, pode exercer autoridade que não provenha expressamente deles.
Artigo 4º
A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros, assim, o único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania do homem, deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão.
Artigo 5º
As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações nocivas à sociedade. Tudo aquilo que não é proibido pelas leis sábias e divinas não pode ser impedido e ninguém pode ser constrangido a fazer aquilo que elas não ordenam.
Artigo 6º
A lei deve ser a expressão da vontade geral. Todas as cidadãs e cidadãos devem concorrer pessoalmente ou com seus representantes para sua formação; ela deve ser igual para todos.
Todas as cidadãs e cidadãos, sendo iguais aos olhos da lei devem ser igualmente admitidos a todas as dignidades, postos e empregos públicos, segundo as suas capacidades e sem outra distinção a não ser suas virtudes e seus talentos.
Artigo 7º
Dela não se exclui nenhuma mulher. Esta é acusada, presa e detida nos casos estabelecidos pela lei. As mulheres obedecem, como os homens, a esta lei rigorosa.
Artigo 8º
A lei só deve estabelecer penas estritamente e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada às mulheres.
Artigo 9º
Sobre qualquer mulher declarada culpada a lei exerce todo o seu rigor.
Artigo 10
Ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo de princípio. A mulher tem o direito de subir ao patíbulo, deve ter também o de subir ao pódio desde que as suas manifestações não perturbem a ordem pública estabelecida pela lei.
Artigo 11
A livre comunicação de pensamentos e de opiniões é um dos direitos mais preciosos da mulher, já que essa liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos filhos. Toda cidadã pode então dizer livremente: “Sou a mãe de um filho seu”, sem que um preconceito bárbaro a force a esconder a verdade; sob pena de responder pelo abuso dessa liberdade nos casos estabelecidos pela lei.
Artigo 12
É necessário garantir principalmente os direitos da mulher e da cidadã; essa garantia deve ser instituída em favor de todos e não só daqueles às quais é assegurada.
Artigo 13
Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração, as contribuições da mulher e do homem serão iguais; ela participa de todos os trabalhos ingratos, de todas as fadigas, deve então participar também da distribuição dos postos, dos empregos, dos cargos, das dignidades e da indústria.
Artigo 14
As cidadãs e os cidadãos têm o direito de constatar por si próprios ou por seus representantes a necessidade da contribuição pública. As cidadãs só podem aderir a ela com a aceitação de uma divisão igual, não só nos bens, mas também na administração pública, e determinar a quantia, o tributável, a cobrança e a duração do imposto.
Artigo 15
O conjunto de mulheres igualadas aos homens para a taxação tem o mesmo direito de pedir contas da sua administração a todo agente público.
Artigo 16
Toda sociedade em que a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição. A Constituição é nula se a maioria dos indivíduos que compõem a nação não cooperou na sua redação.
Artigo 17
As propriedades são de todos os sexos juntos ou separados; para cada um deles elas têm direito inviolável e sagrado. Ninguém pode ser privado delas como verdadeiro patrimônio da natureza, a não ser quando a necessidade pública, legalmente constatada o exija de modo evidente e com a condição de uma justa e preliminar indenização.
CONCLUSÃO
Mulher, desperta. A força da razão se faz escutar em todo o Universo. Reconhece teus direitos. O poderoso império da natureza não está mais envolto de preconceitos, de fanatismos, de superstições e de mentiras. A bandeira da verdade dissipou todas as nuvens da ignorância e da usurpação. O homem escravo multiplicou suas forças e teve necessidade de recorrer às tuas, para romper os seus ferros. Tornando-se livre, tornou-se injusto em relação à sua companheira.
Referências:
ALVES, J. E. D. A polêmica Malthus versus Condorcet reavaliada à luz da transição demográfica. Textos para Discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Rio de Janeiro, v. 4, p. 1-56, 2002. http://www.ence.ibge.gov.br/images/ence/doc/publicacoes/textos_para_discussao/texto_4.pdf
Marie-Jean-Antoine-Nicolas Caritat, Marquis de Condorcet, The First Essay on the Political Rights of Women. A Translation of Condorcet’s Essay “Sur l’admission des femmes aux droits de Cité” (On the Admission of Women to the Rights of Citizenship), Paris, 03/07/1790
http://oll.libertyfund.org/titles/condorcet-on-the-admission-of-women-to-the-rights-of-citizenship
Condorcet and Olympe de Gouges, “The Rights of Women” (1790-91), The best of the OLL #50
http://lf-oll.s3.amazonaws.com/titles/2553/CondorcetGouges_Women1790.pdf
Marie-Jean-Antoine-Nicolas de Caritat, Marquis de Condorcet, The History of Feminism, Mar 10, 2009
https://plato.stanford.edu/entries/histfem-condorcet/
Olympe de Gouges. Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, Paris, França, setembro de 1791
https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/viewFile/911/10852
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/03/2018
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