Homens pioneiros do feminismo e da luta pela equidade de gênero, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Homens pioneiros do feminismo e da luta pela equidade de gênero, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito,
pois eles são, a um tempo, juiz e parte”
François Poullain de la Barre (1647-1725)
Ou nenhum indivíduo da espécie humana tem verdadeiros direitos, ou todos têm os mesmos;
e aquele que vota contra os direitos do outro, seja qual for a sua religião,
cor ou sexo, desde logo abjurou o seu próprio.
Marquês de Condorcet (1743-1794)
“O grau de emancipação das mulheres é o termômetro através do qual
se mede a emancipação de toda a sociedade”.
Charles Fourier (1772-1837)
[EcoDebate] O mundo sempre foi marcado por vários tipos de desigualdades: de classe, de gênero, de raça, de região, de religião, etc. Quem se posiciona contra as injustiças (em todas as suas formas) e não aceita as desigualdades socialmente construídas, em geral, defende um mundo mais justo, solidário e igualitário. Evidentemente, esta luta não é exclusiva nem de homens e nem das mulheres, mas sim de todas as pessoas que sonham com a justiça social em todos os seus aspectos e em suas múltiplas dimensões.
O feminismo é um movimento que luta contra o sexismo, o machismo, a exclusão social e política, o assédio sexual, a violência, a falta de liberdade de escolha e defende os direitos iguais entre os sexos, em uma sociedade sem discriminações de gênero e com igualdade de oportunidades e equidade entre homens e mulheres.
Ao longo da história, muitos homens contribuíram para o desenvolvimento do feminismo.
A seguir apresentamos seis homens europeus, dos séculos XVII a XIX, que foram pioneiros e protagonistas na defesa da cidadania feminina e na democratização da sociedade.
Mesmo sabendo que a lista não está completa, estes homens que lutaram a favor da justiça social e ajudaram a configurar a ideia do feminismo, não podem ser acusados de “apropriação cultural” e são exemplos de que as ideias e os sonhos utópicos de justiça não estão presas ao sexo e nem atreladas ao essencialismo biológico.
François Poullain de la Barre (1647-1725) nasceu em Paris e foi um filósofo cartesiano e feminista, que aplicou o método de Descartes (1596-1650) para denunciar as injustiças contra as mulheres e a desigualdade social da condição feminina. Em 1673, publicou o livro “Sobre a igualdade dos dois sexos” em que mostra que a subjugação das mulheres não tem uma base natural, mas decorre do preconceito cultural. No segundo livro: “Sobre a educação das mulheres” defende a educação feminina como meio para a conquista da autonomia das mulheres. No terceiro livro: “Da excelência da ameaça contra a igualdade dos sexos”, rebate os argumentos padrões contra a igualdade de gênero. Ele escreveu: “Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito, pois eles são, a um tempo, juiz e parte”. Esta frase fez parte, 250 anos depois, da epígrafe inicial do livro “O Segundo Sexo”, de Simone Beauvoir.
Marquês de Condorcet (1743-1794) foi um matemático, filósofo e iluminista que teve participação ativa na Revolução Francesa e foi a primeira e principal voz em defesa do direito das mulheres e de relações sociais de gênero mais igualitárias. Nos debates da Assembleia Nacional, ele apresentou um posicionamento, “Sobre a admissão do direito de cidadania às mulheres”, em 03 de julho de 1790, onde protestou contra aqueles que excluíam as mulheres do direito ao voto universal, escrevendo o seguinte: “Ou nenhum indivíduo da espécie humana tem verdadeiros direitos, ou todos têm os mesmos; e aquele que vota contra o direito do outro, seja qual for sua religião, cor ou sexo, desde logo abjurou os seus” (Condorcet, 1790).
A contribuição de Condorcet tem sido reconhecida ao longo da história, especialmente na França. Por exemplo, um mês antes do deflagrar da I Guerra Mundial, em 5 de Julho de 1914, teve lugar, junto à estátua de Condorcet, em frente à Academia Francesa, às margens do rio Sena, em Paris, uma grande manifestação sufragista feminista, que reuniu seis mil pessoas, marcando a consagração do movimento. Segundo Anne Cova: “a escolha simbólica da estátua de Condorcet para local de encontro não foi ao acaso e reflete o desejo das feministas de honrar uma personalidade consensual e de expor publicamente a sua aspiração a um movimento misto”.
William Godwin (1756-1836) foi um jornalista, filósofo e escritor que acreditava na perfectibilidade humana e achava que os seres humanos não possuem propensão inata para o mal. Ele considerava que os vícios, as injustiças e a pobreza eram provocados pelas instituições sociais que foram formadas para manter os privilégios de uma minoria que controlava a população para manter um sistema de exploração arbitrário e injusto. Ele defendia uma revolução social para acabar com as desigualdades sociais e de gênero. Em 1793, Godwin escreveu o livro: “Enquiry concerning Political Justice, and its Influence on General Virtue and Happiness”.
William Godwin casou-se com a pioneira do feminismo Mary Wollstonecraft (1759-1797) que havia escrito, em 1792, o famoso livro: “Vindication of the Rights of Woman”. Em 1797, tiveram uma filha, mas a pioneira do feminismo morreu de morte materna alguns dias do nascimento da criança. Mary Wollstonecraft Godwin se casou com o poeta Percy Shelley, ficando conhecida como Mary Shelley, autora do famoso e revolucionário livro: Frankenstein, The Modern Prometheus (publicado em 01/01/1818).
Charles Fourier (1772-1837) foi um revolucionário francês, classificado como socialista utópico. Ele foi um dos idealizadores do cooperativismo e acreditava na possibilidade de se estabelecer uma sociedade verdadeiramente justa, para a qual propôs a fundação de falanstérios (comunidades) e a repartição justa do produto do trabalho dos cooperados. Fourier denunciou a situação de exploração do trabalho de homens, das mulheres e das crianças, além das desigualdade sociais de sua época. Foi um precursor da defesa dos direitos reprodutivos e defendia o direito da classe trabalhadora ter acesso aos métodos contraceptivos e da autodeterminação reprodutiva. Em 1808, Fourier já argumentava brilhantemente em favor da justiça de gênero e da igualdade entre homens e mulheres, quando no livro Théorie des Quatre Mouvements, escreveu a famosa frase: “O grau de emancipação das mulheres é o termômetro através do qual se mede à emancipação de toda a sociedade”.
John Stuart Mill (1806-1873) foi um famoso economista e filósofo britânico que defendeu a liberdade, o meio ambiente, lutou contra a escravidão (desigualdades de raça) e contra as injustiças entre homens e mulheres (desigualdades de gênero). Entre os livros mais importantes de Stuart Mill estão: The Principles of Political Economy: with some of their applications to social philosophy (1948); On Liberty (1859) e The Subjection of Women (1869). Stuart Mill era contra a submissão sexual da esposa ao desejo do marido, contra a proibição do divórcio e defendia o casamento com base em parceria entre indivíduos com direitos iguais. Unido a Harriet Taylor, sua esposa, Mill teve papel fundamental na organização e difusão do movimento sufragista no Reino Unido, França e Estados Unidos. Em 2018, o mundo comemora os 100 anos da conquista do direito ao voto na Inglaterra e John Stuart Mill foi um ator protagonista desta luta.
August Bebel (1840 – 1913) foi um trabalhador, escritor e político marxista e um dos fundadores do Partido Social Democrata da Alemanha. Bebel lutou contra as desigualdades de classe, raça e gênero. Ele denunciou o colonialismo alemão e as políticas raciais contra os indíginas e povos da África, que ele classificou: “não só bárbaro, mas bestial”. Nas questões de gênero ele via uma subordinação da mulher na família assim como existia um conflito de classe na sociedade. August Bebel publicou Woman and Socialism (A mulher e o socialismo), em 1879. Ele via a emancipação feminina atrelada à luta pelo socialismo. Ele considerava que as mulheres estavam submetidas à moral tradicional, sem inserção produtiva no mercado de trabalho e sem independência econômica, além de estar submetida ao domínio dos pais e dos maridos. Bebel defendia que a libertação das mulheres viria com a libertação da exploração de classe promovida no âmbito do modo de produção capitalista: “não pode haver libertação da humanidade sem independência e da igualdade dos sexos”. Este tipo de postura deu início ao processo de formar comissões e secretarias femininas/feministas dentro dos partidos políticos (embora, também, tenha criado espaço para a instrumentalização do movimento feminista).
Os exemplos acima servem para mostrar que homens com diferentes perspectivas políticas e em diferentes momentos da história deram contribuições importantes para o movimento feminista. Foi a partir de uma luta ampla que as mulheres conseguiram avançar na educação, aumentar a esperança de vida, entrar no mercado de trabalho e ter uma participação ativa em todas as esferas sociais. A luta feminista moderna tem pelo menos 300 anos e embora a liderança do movimento deva estar indiscutivelmente nas mãos das mulheres, alguns homens já deram contribuições fundamentais ao movimento e tantos outros continuam dando contribuições nada desprezíveis.
No século XX o movimento feminista avançou muito na conquista da igualdade legal e na conquista de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e reprodutivos.
No século XXI, a meta é a universalização destes direitos e o avanço rumo à conquista de uma maior participação na política e na obtenção da paridade de gênero na economia, na ciência, na cultura e nos espaços de poder.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/02/2018
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