Sociedade civil deve manter-se alerta em 2018 à censura nas artes – seja no museu ou no baile funk
Sociedade civil deve manter-se alerta em 2018 à censura nas artes – seja no museu ou no baile funk
Violações à liberdade de expressão artística no Brasil – Do pancadão à galeria de arte; do sarau na periferia ao teatro no centro; do grafite nos muros à performance no museu.
2017 foi marcado pelo aumento nas violações à liberdade artística no Brasil. Mas ainda que a censura e o ataque às mais diversas expressões culturais e artísticas tenham ganhado maior evidência na mídia no último ano, restrições desse tipo no país não são inéditas.
Os episódios recentes envolvendo instituições culturais tradicionais somam-se a uma série de violações, especialmente por parte do Estado, que já vinham atingindo manifestações culturais periféricas. Entre estas, estão a arte de rua, slams de poesia e bailes funk. A diferença é que, no caso desses últimos, as violações costumam ser mais graves, e, muitas vezes, acompanhadas do emprego de violência policial.
Para além de serem alvo de violações, todas essas expressões artísticas possuem algo em comum: a valorização de uma estética diferente da estética “dominante” na sociedade.
Exposições, peças teatrais e performances
O primeiro caso de repercussão nacional nesse campo foi o da exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, realizada em Porto Alegre pelo Santander Cultural. Por tratar de questões relativas à diversidade sexual e de gênero, a exposição sofreu ataques de grupos conservadores, organizados principalmente nas redes sociais, e acabou sendo cancelada em setembro, antes da data inicialmente prevista.
No mesmo mês, foi a vez do Museu de Arte Moderna de São Paulo se envolver em uma polêmica por conta de uma performance que o artista Wagner Schwartz realizava nu. Um vídeo sobre a performance passou a circular na internet mostrando uma criança acompanhada pela mãe tocando a mão do artista. Novamente, grupos conservadores entraram em ação e organizaram uma campanha de desvalorização do museu, acusando-o de fazer apologia à “pedofilia”.
Diversas outras cidades do país apresentaram casos parecidos. Foram registradas restrições a exposições e peças teatrais no Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Ceará e no interior de São Paulo.
Esse clima hostil acabou também afetando o Masp (Museu de Arte de São Paulo), um dos maiores museus do país, que em uma decisão inédita vetou a entrada de pessoas menores de 18 anos a uma exposição sobre sexualidade, mesmo que acompanhadas dos responsáveis.
Houve ainda efeitos junto ao Legislativo.
Em um levantamento inicial, a ARTIGO 19* identificou a existência de diversos projetos de lei estaduais e federais que visam criar regras para criar restrições para exposições artísticas.
Grafite e pichação
Uma das promessas centrais de campanha de João Dória para a Prefeitura de São Paulo foi a promoção da “limpeza” da cidade, que consistiria no combate à pichação e mesmo ao grafite (este, por sua vez, historicamente mais tolerado que a pichação). Nas primeiras semanas da nova administração, diversos grafites em diferentes áreas da cidade foram apagados e cobertos de tinta cinza como parte da campanha “Cidade Linda”.
Ainda mais preocupante foi a aprovação pela Câmara de Vereadores de uma lei que previa, entre outras medidas, a criação de um “disque denúncia contra a pichação”, a formação de um banco de dados de pichadores, o pagamento de multa no valor entre R$5.000 a R$ 10.000 por pichadores, além de obrigar estabelecimentos que vendam tintas e spray a criar um cadastro de seus compradores. A aprovação da lei revelou o endurecimento da repressão estatal à pichação, estimulando que o problema seja resolvido com violência.
Funk, saraus e slams de poesia
Talvez a expressão cultural que mais enfrente problemas atualmente no Brasil seja o funk. As incontáveis ações policiais de repressão a bailes funk e as associações diretas entre o estilo musical e a prática de crimes são parte integrante da prática estatal e do discurso público há anos.
Esse contexto de conservadorismo extremo culminou na Sugestão 17/2017, uma proposta feita à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado com o objetivo de tornar o funk um crime “contra a saúde pública e contra a criança, os adolescentes e a família”. A Sugestão contou com mais de 20.000 manifestações de apoio na internet.
Após audiência pública realizada na Comissão, a proposta acabou rejeitada. Entretanto, apenas a iniciativa demonstra a existência de um desejo entre setores da sociedade de formalizar a criminalização do funk e expressões culturais semelhantes.
Uma outra manifestação cultural das periferias das grandes cidades com grande relevância são os saraus e, mais recentemente, os slams (competições) de poesia. Esses espaços têm se tornado os principais canais de livre expressão de uma população que já passa por dificuldades quanto ao acesso a espaços culturais tradicionais, mas que ainda assim (ou talvez por isso mesmo) tem enfrentado problemas com as autoridades.
O caso mais conhecido foi o fechamento, em maio de 2012, do Bar do Binho, na Zona Sul de São Paulo, onde ocorria o Sarau do Binho. A alegação da Prefeitura foi a falta de alvará de funcionamento, mas circularam fortes acusações de que a medida teve motivações políticas.
Recentemente, o Governo do Estado do Ceará elaborou uma proposta de regulamentação de saraus e “rolezinhos”. Estes últimos são grandes encontros de jovens majoritariamente da periferia em espaços públicos ou os chamados espaços “público-privados”, como shoppings, que normalmente são agendados por meio das redes sociais.
Vale ressaltar que os “rolezinhos” foram marcados pela repressão violenta e desproporcional da polícia em várias cidades do país e a tentativa de restringi-los por meio de regulamentações segue uma tendência já vista em relação a protestos de rua, em que uma repressão policial é seguida por uma criminalização mais sofisticada nas leis ou nos tribunais.
Se os ataques à liberdade artística e cultural no Brasil não são novos, a dimensão que eles vêm tomando em 2017 abre um cenário de grande preocupação para 2018. As violações sistemáticas à liberdade artística de grupos sociais mais vulneráveis aliadas aos casos emblemáticos ocorridos nos últimos meses indicam a necessidade de um olhar mais cuidadoso para esse cenário, que deve trazer desafios ainda mais complexos à garantia da liberdade de expressão no Brasil.
* A ARTIGO 19 é uma organização não-governamental de direitos humanos que trabalha pela promoção da liberdade de expressão e informação.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/01/2018
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