Vida 3.0 e o ser humano na era da inteligência artificial, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O livro “Life 3.0: Being Human in the Age of Artificial Intelligence” (2017), do físico e professor do MIT, Max Tegmark, que acaba de ser lançado, é uma relevante referência para a discussão sobre os impactos da Inteligência Artificial (IA), sobre a dinâmica econômica do mundo e sobre as possíveis reconfigurações da noção tradicional do ser humano.
O título da obra refere-se a uma terceira fase da história evolutiva. Por quase 4 bilhões de anos, tanto o hardware (corpos) quanto o software (capacidade de gerar conhecimento) foram consertados pela biologia. Nos últimos 100.000 anos, o aprendizado e a cultura permitiram aos humanos adaptar e controlar seu próprio software. Na terceira fase iminente, o software e o hardware podem ser redesenhados. Isso, de certa forma, pode soar como transumanismo (o movimento para reengenharia de corpo e cérebro), mas o foco de Tegmark é a IA, que pode complementar as capacidades mentais com dispositivos externos.
Desta forma, o livro aprofunda a discussão sobre a IA e a condição humana e levanta questões essenciais da atualidade:
1) Como garantir o crescimento da prosperidade através da automação, sem deixar as pessoas sem emprego e renda e sem aumentar a exclusão social?
2) Como garantir que os futuros sistemas de IA façam o que queremos, com eficiência, sem falhas e sem serem pirateados?
3) Como evitar corrida armamentista em armas autônomas letais (robôs assassinos)?
4) A IA ajudará a humanidade a florescer como nunca antes, ou as máquinas inteligentes (robôs sapiens) eventualmente nos superarão em todas as tarefas, e até mesmo, nos substituam completamente?
Em relação à primeira questão, o autor dialoga com aqueles que consideram que a IA trará uma benção econômica, com um enorme crescimento da produtividade e a criação de novos tipos de emprego para substituir os antigos que serão eliminados e aqueles que consideram que haverá um aumento do desemprego tecnológico e aumento da anomia.
Em relação à segunda questão, há sempre o risco de algum dispositivo tecnológico cometer falhas e provocar acidentes. Ele lembra que em 1979, Robert Williams, um trabalhador de uma fábrica de automóveis Ford em Michigan, tornou-se provavelmente o primeiro ser humano a ser morto por um robô, quando o braço robótico o atingiu na cabeça. O primeiro acidente fatal de um carro elétrico e autônomo aconteceu no ano passado. Mas, o autor considera que a tendência geral, no entanto, é para que a automação possa gerar fábricas e autoestradas substancialmente mais seguras. O número de acidentes industriais nos EUA caiu de 14.000 em 1970 para 4.821 em 2014. Os veículos sem motoristas (e sem volantes) poderiam eliminar cerca de 90% das mortes atuais.
Em relação à terceira questão, Tegmark vê riscos reais das máquinas autônomas letais (robôs assassinos) provocarem grandes danos e serem usadas nas guerras que existem de forma real ou potencial no mundo. Ele defende uma urgente regulamentação do uso destas armas.
Em relação à quarta questão, o autor vê pelo menos três cenários: a IA pode ser um fator de progresso e bem-estar para a humanidade, mas também pode levar à escravidão ou até mesmo a extinção da humanidade. O futuro está aberto, pode ocorrer uma “utopia libertária” ou um “Big Brother da IA”.
Max Tegmark não toma partido pessoalmente de nenhuma dessas ideias específicas. Ele procura mostrar as alternativas e deixar que os leitores estabeleçam suas próprias ideias. Entretanto, ele chama a atenção dos pesquisadores da robótica e da IA sobre a complexidade dos temas envolvidos.
Mas como tecnólogo que trabalha na área da IA, a mensagem final do autor é bastante favorável à elite tecnológica que trabalha com inteligência artificial. O fato é que existem muitos desafios pela frente é importante que as pessoas possam acompanhar essa discussão e possam participar das decisões que vão reconfigurar o futuro da civilização.
É compreensível que as pessoas que trabalhem com IA tenham uma visão mais otimista. Mas personalidades importantes como Elon Musk e Stephen Hawking alertam para os perigos da Inteligência Artificial (Alves, 02/08/2017), especialmente quando se considera o seu uso para fins militares.
No dia 01 de setembro, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse que quem alcançar em primeiro lugar um avanço significativo no desenvolvimento da inteligência artificial virá a dominar o mundo. Ele disse que o desenvolvimento da IA levanta “oportunidades colossais e ameaças que são difíceis de prever agora”.
Ou seja, a Revolução 4.0 e a Vida 3.0, prometem muita coisa boa, mas, na prática, podem desaguar numa disputa desastrosa. Como disse Stephen Hawking: “O desenvolvimento da inteligência artificial total poderia significar o fim da raça humana”. O certo é que tudo é impermanente e crescem as incertezas.
Referências:
Max Tegmark. Life 3.0: Being Human in the Age of Artificial Intelligence. Knopf, NYC, 2017
https://www.amazon.com/Life-3-0-Being-Artificial-Intelligence/dp/1101946598
ALVES, JED. Elon Musk e Stephen Hawking e os perigos da Inteligência Artificial, Colabora, 02/08/2017
http://projetocolabora.com.br/artigo/inteligencia-artificial-ameaca-civilizacao/
ALVES, JED. Seremos transumanos imortais? Projeto Colabora, RJ, 12/09/2017
http://projetocolabora.com.br/vida-sustentavel/seremos-transumanos-imortais/
ALVES, JED. A Inteligência Artificial pode se transformar em um monstro incontrolável. Entrevista a Patrícia Fachin, IHU, 28/09/2017
http://www.ihu.unisinos.br/572111-a-4-revolucao-industrial-ainda-e-uma-promessa-entrevista-especial-com-jose-eustaquio-alves
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/10/2017
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