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Artigo

Produção de comidas típicas movimenta a agricultura e a economia no Círio de Nazaré, artigo de Alfredo Homma

 

Pesquisa estima produção agrícola de ingredientes típicos para atender o consumo no almoço do Círio.

Belém do Pará, na época do Círio, o inconfundível aroma do pato-no-tucupi, maniçoba e tacacá espalham-se pelos quatro quadrantes da cidade. Patrick Süskind, autor do best seller “Perfume”, lançado em 1985, que criou o personagem Jean-Baptiste Grenouille, com a capacidade de criar aromas que transmitiam atração, menosprezo, nojo, prazer, amor e ódio, não teria um cenário mais apropriado do que Belém para a sua transfiguração.

A inexistência de dados estatísticos não limita a tecer algumas especulações quanto ao consumo de jambu, tucupi e de aves (frango, pato, peru e chester), no domingo do Círio, para avaliar o volume de negócios e a importância que um maior planejamento poderia representar para a agricultura regional. O chef-de-cuisine Paulo Martins (1946-2010), no seu magnífico vídeo “Cozinha Paraense”, estabelece a relação de 1 pato para três litros de tucupi e três maços de jambu. Com estes índices pode-se especular quanto a quantidade destes ingredientes consumidos por ocasião da festividade do Círio de Nazaré.

A estimativa da Diretoria da Festa de Nazaré e do Dieese/PA é que mais de dois milhões de pessoas acompanharam o Círio 2016. Considerando que 20% desses romeiros iriam consumir o tradicional pato no tucupi no almoço daria 400 mil pessoas. Outra pressuposição é que 5 pessoas consumiriam o equivalente a um pato. Dessa forma teríamos um consumo de 80 mil patos, 240 mil litros de tucupi (12 caminhões tanque com capacidade de 20 mil litros) e 240 mil maços de jambu.

Para atender este consumo seriam necessários 5 hectares de canteiros de jambu e de 27 hectares de mandioca para a extração de tucupi para ser consumida em apenas um dia. Significa geração de renda e emprego para pequenos produtores localizados na zona Bragantina e, principalmente, nos municípios de Santo Antônio do Tauá e Santa Izabel do Pará, com destaque na produção de jambu.

Creio que muitas pessoas devem ter questionado, ao saborear essas iguarias paraenses, quem foi o descobridor de que as folhas de jambu, o tucupi ou as folhas venenosas da mandioca cozida poderiam ser aproveitadas? O mesmo vale para a farinha de mandioca proveniente de uma raiz mortal. Não existe invenção maior do que a farinha de mandioca. Segundo o ditado popular “aumenta o pouco, esfria o quente, engrossa o ralo e alimenta a gente”. Prático para armazenar, transportar, pronto para consumir, entre outras vantagens. Moldou a civilização brasileira e mundial e vem despertando o interesse dos grandes empresários no seu cultivo mecanizado.

Devemos aos indígenas da Amazônia a descoberta do jambu e do tucupi que foram combinadas com o saber dos escravos africanos no aproveitamento das folhas de mandioca cozida, criando a nossa feijoada verde.

A expansão do cultivo do jambu enseja, portanto, algumas lições importantes para o desenvolvimento regional. No momento, fica-se discutindo muito sobre a biodiversidade amazônica como algo mágico que vai salvar a região. O exemplo do jambu mostra a importância que devemos dar para os recursos da biodiversidade, à medida em que são domesticados e aqueles que já são cultivados. O uso tradicional do jambu foi ampliado como ingrediente de pizzas, coxinhas, arroz, cachaça, licor, cosméticos, fármacos, entre outros.

Devemos avançar na pesquisa sobre usos mais nobres do jambu (cosméticos, fármacos, etc.) nos quais muitas patentes estão sendo registradas nos países desenvolvidos. Constituindo-se em uma planta com possibilidades de atrair a indústria farmacêutica e cosmética mundial ou como uma hortaliça exótica, torna-se questionável tópicos sobre a legislação de acesso a biodiversidade que não estimula empresários a investirem visando a sua verticalização. O jambu já está sendo cultivado em São Paulo e em diversos países como a China, Índia e Japão.

Finalizando, o jambu que estimulou as papilas gustativas dos gastrônomos mais experimentados, poderiam trazer novos mercados para esse produto. Reforça-se a ideia de que a criação de um parque produtivo local e a sua verticalização como importantes para o desenvolvimento de uma agricultura amazônica baseado em produtos da sua biodiversidade.

Alfredo Homma – pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental

 

Colaboração de Kélem Cabral, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/10/2017

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