Mesmo poluída, Baía de Guanabara ainda é fonte de renda para milhares de pescadores
ABr
Aos 67 anos, Sérgio Souza dos Santos, pescador há 58 anos, lembra com saudades dos bons tempos de pesca na Baía de Guanabara. “Na época que eu era jovem, com uns 20 anos, era muito peixe. Até os botos vinham e batiam no barco, vinham por cima das tainhas e dos paratis, a gente levava um susto, dava muito boto. Agora parece que só resta uns 30”, lamenta.
A informação sobre o número de botos na baía faz parte de um censo divulgado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que também aponta a redução do número de espécies de peixes, constatada nas redes de pesca e puçás, como explica Santos, que vive na comunidade de Tubiacanga, na Ilha do Governador, zona norte do Rio de Janeiro.
“Pescadinha é raro agora, robalo dava aqui nesse ponto e não tem mais. O único que ainda insiste em permanecer aqui é o bagre, que eu acho que vive até dentro de uma poça de esgoto. A tainha, que também não dá o ano todo, é mais no verão; e a corvinota, que é tipo uma corvina que não cresce tanto que nem as que dá lá fora [da baía]. Tem a sardinha, mas é da boca torta [que tem menos valor comercial], a savelha também não dá mais tanto. Com certeza é por causa da degradação ambiental”, avalia o pescador.
Tubiacanga foi a comunidade mais afetada pelo vazamento de óleo na Baía de Guanabara em 2000, considerado o segundo pior acidente ambiental na região, com 1,3 milhão de litros despejados nas águas, mangues e praias da baía. Santos afirma que a vida do pescador piorou desde lá, mas o acidente não foi o único motivo. Também há muito esgoto sem tratamento, assoreamento e lixo flutuante.
“A vida está difícil, muito difícil. Não só pelo vazamento, mas tem poluição de tudo quanto é jeito, é química que vem pelos rios, das indústrias. O lixão acabou, mas tem o chorume, que prejudica muito a área de pesca em Sarapui, onde a gente tinha o berçário do camarão. Dava muito camarão aqui dentro, esse ano não tá tendo.”
O presidente da Colônia de Pescadores Z-10 Almirante Pereira Gomes Pereira, Wilson Rodrigues, explica que, além da redução da quantidade de pescado disponível, outro fator dificultou a vida dos pescadores da baía: a crise financeira, que atraiu muitos trabalhadores para essa atividade e aumentou a concorrência.
“Piorou muito sim, na última década diminuiu a quantidade de pescado e aumentou a quantidade de pescadores, de pessoas que têm às vezes um emprego mas faz um extra pescando. E quem realmente precisa da pescaria tem que dividir mais esse espaço com os companheiros que estão precisando. O material de pesca também está muito caro. Rede plástica, linha, puçá pro siri, tarrafa.” Segundo ele, muitos pescadores estão criando pato e galinha para ter o que comer.
A Z-10 corresponde às áreas da Ilha do Governador, Paquetá e Chacrinha, em Duque de Caxias, reunindo cerca de 3 mil pescadores, que vivem de pesca artesanal e apenas dentro da baía. Não há estatística sobre o número de pescadores e a produção dentro da Baía de Guanabara, mas a Fundação Instituto de Pesca do Rio de Janeiro (Fiperj) iniciou um levantamento com esse recorte há dois meses. Segundo o relatório anual mais recente da entidade, de 2015, o estado tem 8 mil pescadores artesanais. Somando-se a produção de pescado dos polos de São Gonçalo – cuja costa fica toda dentro da baía – ao Rio de Janeiro e Niterói, que têm com áreas abrigadas e também oceânicas, a produção chega a 15 mil toneladas de pescado por ano. Mais de 75% da produção na região é de sardinha verdadeira.
Despoluição
A primeira tentativa de limpar a área foi o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), assinado em julho de 1991, uma cooperação técnica entre os governos brasileiro e japonês, depois da experiência bem-sucedida na despoluição da Baía de Tóquio. Houve um investimento de US$ 800 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Japan Bank for Internacional Cooperation (JBIC).
Uma auditoria Operacional no PDBG feita pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) em agosto de 2006 apontou falhas graves no planejamento e controle do programa. Em 15 anos de vigência, o PDBG construiu quatro grandes estações de Tratamento de Esgoto (ETEs): Alegria, no Caju, zona portuária do Rio de Janeiro; São Gonçalo, na região metropolitana da capital; e Pavuna e Sarapuí, na Baixada Fluminense. Entretanto, as redes coletoras que deveriam levar o esgoto das residências até elas não foram construídas, deixando as estações de tratamento sem utilidade.
Uma nova iniciativa de despoluição, o Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (Psam), anunciado em março de 2012, previa investimento de US$ 639,55 milhões até 2017, em obras de esgotamento sanitário e em projetos de saneamento nos 15 municípios que compõem a bacia hidrográfica da região. Com isso, foram concluídas outras estações, chegando a sete; e iniciada a construção de troncos coletores. Atualmente, duas obras estão em andamento: a implantação do Coletor Tronco Cidade Nova e Construção do Sistema Alcântara.
“A primeira encontra-se com 41% de avanço físico e a segunda com 48% de redes implantadas e 29% da estação de tratamento construída. Para possibilitar as negociações do Regime de Recuperação Fiscal com a União, o governo do estado do Rio de Janeiro realizou cortes nos investimentos. Assim, a nova previsão orçamentária para o programa é de US$ 292,5 milhões, dos quais foram gastos até 31/07/2017, US$ 105,12 milhões”, informou a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA). O andamento das obras pode ser acompanhado pela internet.
Em dezembro de 2013, foi assinado o Acordo de Cooperação Técnica Fortalecimento da Governança e Gestão da Baía de Guanabara, com o governo de Maryland, nos Estados Unidos, que teve uma experiência bem-sucedida na recuperação da Baia de Chesapeake. De acordo com a SEA, o objetivo é identificar o atual cenário ambiental da Baía de Guanabara e definir metas de curto e longo prazo para a mitigação das fontes de poluição, com a cooperação de órgãos de governo, empresas, da sociedade civil e da Academia.
Nova tentativa
No ano passado, foram feitas duas audiências públicas dentro do acordo e em julho deste ano ocorreu um seminário, em que foram apresentados o Plano de Recuperação da Baía, feito pela consultoria KCI Technologies; o Boletim de Saúde Ambiental da Baía, elaborado pela Universidade de Maryland; e a Proposta de Modelo de Governança para a Baía, desenvolvida pela Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). Os documentos estão disponíveis na internet.
Segundo o Boletim de Saúde Ambiental da Baía, 8,5 milhões de pessoas vivem no entorno da área e as principais fontes de poluição são o lixo e o esgoto. A média de tratamento de esgoto nos 15 municípios da região é de 35%, indo de zero em cidades como Cachoeira de Macacu, Magé, Nilópólis, São João de Meriti e Tanguá a 95% em Niterói.
Na capital, são tratados 47% do esgoto. Em São Gonçalo, o segundo mais populoso da região, apenas 10% do esgoto é tratado. Quanto ao lixo, 17 ecobarreiras instaladas em rios evitam que parte dos dejetos flutuantes chegue à Baía de Guanabara. No ano passado, o volume desse resíduos passou de 4 mil toneladas.
Qualidade da água
A qualidade da água só é considerada boa na região da entrada da baía. A pior situação é na parte noroeste, no entorno da Ilha do Governador e da Ilha do Fundão, que recebeu a classificação de muito ruim. A parte norte, no fundo, tem qualidade ruim, e a região central foi considerada moderada. Nenhuma área recebeu a classificação de muito boa para a qualidade da água.
O Plano de Recuperação Ambiental (PRA-Baía) prevê, além do estabelecimento de metas em diversas áreas como ampliação do saneamento básico e redução dos efluentes industriais, a criação de um site para o acompanhamento público das ações e o engajamento de todos os setores da sociedade e dos governos na causa. Alguns dados já estão disponíveis no site do Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
Com a sabedoria de pescador, Santos não perde a esperança de ver a Baía de Guanabara limpa outra vez e sabe o caminho para isso: “Conscientizar as crianças na escola, dar um estudo de conscientização ambiental para que as crianças aprendam a não jogar o lixo no rio, isso melhoraria muito, porque é muito saco plástico, muito lixo, o povo tem que se conscientizar disso também”.
Por Akemi Nitahara, da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/09/2017
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