Diante da crises socioambientais, o ambientalismo também precisa de reavaliação e autocrítica, por Henrique Cortez
[EcoDebate] Ao longo dos últimos 20 anos, no Brasil e no mundo, a causa socioambiental conquistou alguns avanços e sofreu grandes derrotas. Depois de muitos anos de militância e jornalismo ambiental, me vejo falando das mesmas coisas, diante dos mesmos problemas, o que é profundamente desanimador. Tenho consciência de que meu prazo de validade está vencendo e, por isto, a frustração e o senso de urgência são ainda maiores.
Também percebo que as grandes ONGs ambientais continuam com mesmas as agendas, os mesmos discursos e a mesma dinâmica de atuação. Ou seja, também nas ações organizadas pouco avançamos, diante das crises globais e locais.
Um dos nossos problemas é a diversidade de temas na nossa agenda socioambiental, É fácil ser ambientalista nos países top do primeiro mundo, mas, nós ainda estamos patinando na educação, na saúde, no saneamento, na gestão de resíduos, na conservação, na proteção de espécies (vegetais e animais) ameaçadas, no combate ao desmatamento, nas queimadas ilegais, nas ameaças aos territórios indígenas, quilombolas e populações tradicionais, na urbanização desorganizada, na exploração predatória de nossos recursos naturais, e por aí vai.
Raras ONGs ambientalistas conseguem traçar uma agenda comum com outras ONGs ambientais e, principalmente, com os agentes sociais e os movimentos populares como a CPT, o MST, o MAB, as organizações de defesa dos direitos humanos, dos indígenas, dos quilombolas.
Aliás, as grandes ONGs precisam reavaliar suas estratégias e ações, separando as agendas globais e locais, porque nem sempre são as mesmas. No feio, sujo e pobre mundo dos subdesenvolvidos, as pautas urgentes são outras. Também devem se preocupar com a formação e informação de seus ativistas para além de seu foco específico de ação. Já passamos do momento em que a ‘decoreba’ de briefings produzidos à distância podia ser suficiente.
No Brasil e nos demais países em desenvolvimento, adotamos um modelo de desenvolvimento socialmente injusto, economicamente excludente e ambientalmente irresponsável e este é o grande tema que nos aproxima dos demais movimentos sociais e populares. Pelo menos deveria nos aproximar.
Se não questionarmos o modelo de desenvolvimento, ficaremos presos a temas meramente acessórios, em um ambientalismo de butique que não vai muito além de discutir as sacolinhas de supermercado ou fazer a separação do lixo reciclável.
De fato, o ambientalismo continua incapaz de se articular com os movimentos sociais e populares. Ao contrário dos demais movimentos sociais, os ambientalistas, em geral, tem dificuldades em assumir o questionamento do modelo de desenvolvimento, da economia que está ‘matando o planeta’, da exclusão econômica e outras questões que estão profundamente relacionadas à crise ambiental.
Vivemos em um planeta finito e com recursos naturais igualmente finitos. No entanto, o nosso modelo econômico é baseado em produção e consumo infinitos. É evidente que este modelo não funciona por muito tempo. Além de ambientalmente irresponsável, este modelo também é socialmente injusto e economicamente excludente porque apenas atende à sanha consumista de uma fração da população.
É necessária uma atitude politicamente ativa, lúcida e responsável que realmente questione o modelo atual. Não é fácil nem simples, porque serão exigidas profundas transformações, que modificarão as relações de trabalho e consumo. Na realidade, precisamos construir uma nova sociedade, com um novo modelo econômico. Voltando ao tema central, não teremos um futuro minimamente aceitável sem uma profunda revisão dos conceitos, fundamentos e modelo da economia.
Uma agenda ambiental, minimamente coerente, resultará em impactos sociais e econômicos em escala global. Se não compreendermos isto, continuaremos tratando câncer com aspirina. Ou pouco mais que isto.
Estas questões sem resposta são fortes argumentos para que nos aproximemos dos movimentos sociais e populares, que questionam e lutam contra estas sequelas do modelo de desenvolvimento e de consumo.
A única diferença é que eles estão tratando dos temas e agindo em escala local e o ambientalismo deve agir em escala global porque a crise ambiental não reconhece fronteiras.
Reafirmo que não tenho as respostas, mas também reafirmo a minha convicção pessoal de que precisamos de uma ampla reflexão, de uma severa autocrítica no que fazemos ou propomos e de humildade para nos integrarmos aos demais movimentos sociais, companheiros de jornada por um outro mundo necessário e possível.
Ou, então, assumimos um mero e decorativo ambientalismo fashion, fazendo de conta que é o suficiente.
Não importa se atuamos na defesa dos animais, das florestas, do ar, da água, dos gnomos e fadas… Repito que o importante é a soma de nossas contribuições individuais. Acredito, sinceramente, que o resultado coletivo é transformador.
Como veem não é nada fácil ser ambientalista. Poucos assuntos causam tanta polêmica quanto as questões socioambientais. Isto é natural, tendo em vista a sua imensa complexidade e incontáveis desafios. Nosso conhecimento técnico-científico ainda está sendo desenvolvido e até ser completado, se é que isto acontecerá, teremos mais dúvidas do que certezas.
Existe uma estória, incorporada ao folclore científico, em que Einstein entregou à secretaria da Universidade de Princeton as questões da prova final de física. A funcionária da secretaria estranhou as perguntas porque elas eram as mesmas da prova de três anos antes, ao que Einstein respondeu que as perguntas eram as mesmas, mas as respostas agora eram outras. Folclore à parte, isto é verdade em temas ambientais.
De qualquer forma, o debate é necessário porque, sendo um tema multi e interdisciplinar, o meio ambiente exige grandes discussões. Ninguém possui todas as respostas porque ninguém possui a total percepção de todas as interações e implicações possíveis. É necessário pesquisar, analisar e debater.
Não somos inimigos do desenvolvimento nem queremos que nosso país se inviabilize economicamente. Apenas reafirmamos que este modelo de desenvolvimento é equivocado e inaceitável.
Somos incômodos porque denunciamos um gigantesco esquema oportunista e ganancioso que se apropria dos ativos ambientais e que somente pode ser combatido sistemicamente, se o modelo de desenvolvimento for repensado. Na verdade, mais do que tudo, defendemos que se iniciem as discussões sobre este modelo econômico escorado na exportação de produtos primários, com destaque para minério, carne e grãos. É necessário questionar a quem serve este modelo neocolonial e a quem beneficia
Podemos até não ser “ouvidos”, nem respeitados pelo poder, mas não desistiremos de afirmar que nossa compreensão de desenvolvimento é completamente diferente do que aí está. Queremos um desenvolvimento que seja realmente sustentável, o que, na nossa concepção, significa ser economicamente inclusivo, socialmente justo e ambientalmente responsável.
Henrique Cortez, ambientalista e jornalista, editor da revista eletrônica EcoDebate e da revista impressa Cidadania & Meio Ambiente.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/09/2017
[cite]
[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate, ISSN 2446-9394,
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta enviar um email para newsletter_ecodebate+subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para newsletter_ecodebate+unsubscribe@googlegroups.com ou ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.
Pingback: Diante da crises socioambientais, o ambientalismo também precisa de reavaliação e autocrítica, por Henrique Cortez – Guia Ecológico
Parabéns por seu oportuno e corajoso artigo, caro Henrique.
Caso os movimentos sociais que questionam diretamente as raízes de nosso atual sistema sócio-econômico entendam, por seu lado, a pertinência de incluir a questão ambiental em sua pauta de preocupações, teremos a oportunidade de um encontro virtuoso entre esses movimentos e o pensamento ambientalista. Estamos todos maduros para tanto. O planeta e a sociedade humana agradecerão.
Abraços,
Álvaro
Sim, Henrique, estamos precisando de reposicionamentos. O mundo, se olharmos para a história, sempre foi pobre e violento e continua no mesmo diapasão, mas com uma grande diferença: o aumento da população, em níveis fantásticos faz com que os desejos de consumo não se coadunam com as possibilidades de oferta do planeta. Se com o mundo pobre isso já começa a acontecer, imagine se a desejável ascensão social, se nos mesmos padrões atuais, for alcançada. Eis aí um enorme dilema e um assunto a ser atacado pelas organizações ambientalistas.
A demografia mostra, ainda, que o maior número de filhos por famílias vem exatamente das camadas mais pobres. O dilema aumenta. Esses habitantes da terra precisariam ser educados para desejos mais adequados às disponibilidades de fornecimento.
Mas sinto, infelizmente, que muitos movimentos ambientalistas estão presos aos seus quintais dogmáticos e não percebem que a pressão sobre vegetação nativa, por exemplo, tem o consumismo na origem e, portanto, os centros causadores do terremoto estão em grandes centros urbanos e o agronegócio, considerado o grande vilão, está, na verdade, na ponta da cadeia de consumo originada nos tais centros. Ele é mis induzido do que indutor. Mas as atitudes dogmáticas resistem a quaisquer recomendações que contrariem aquilo que adotaram como motivos de lutas. Conheço bem isso, porque por mais que demonstre que a mata ciliar não é capaz de garantir vazões (quantidades de água) de nascentes e córregos, porque isso depende de ações em toda a área da pequena bacia etc. , etc., já virou dogma que os rios serão salvos pelos reflorestamentos ciliares e pronto, assunto encerrado.
O grande obstáculo à conservação ambiental, em minha opinião, está naquele comportamento que cobra dos outros as atitudes e acha sempre que não pode fazer nada ou que não tem culpa nenhuma. Comportamento que está mais do que presente no nosso entorno diário
Parabéns Henrique pelo excelente artigo e posicionamento.
O Brasil está passando por um momento muito difícil.
Mais do que nunca é preciso manter as trincheiras da luta ambiental e, neste sentido, o esforço que você lidera (juntamente com a Regina) no Ecodebate é uma demonstração de solidariedade e compromisso ético com a natureza, a biodiversidade e a cidadania.
Por favor, continue na luta e não desista nunca!
Abs, JE
Amigos Álvaro, Osvaldo e José Eustáquio,
Agradeço o apoio e a generosidade para com a minha opinião. É mais um desabafo, diante dos crescentes desafios .
Corremos contra o tempo e precisamos avançar muito, para estar à altura de nossas responsabilidades.
Um abraço agradecido, Henrique