Pressionado, governo anuncia novo decreto sobre exploração mineral na Reserva Natural do Cobre e Associados (Renca)
Do WWF
Decreto mantém a extinção da Renca e apenas reforça o que já prevê a legislação ambiental para mineração em áreas protegidas; Segundo a ONG, o novo decreto para a Renca é tímido e mantém os riscos socioambientais à região.
Pressionado pela repercussão negativa causada pelo decreto que extinguiu na semana passada a Reserva Natural do Cobre e Associados (Renca), o governo anunciou nesta terça-feira (28) um novo decreto que define mais claramente as regras para a mineração na antiga reserva, um território de 47 mil quilômetros quadrados entre o Pará e o Amapá e que terá trechos de sua área – cerca de 30% do total – abertos à atividade minerária.
A área estava vedada para a extração de minérios desde a década de 1980, por iniciativa dos militares, e tem potencial para exploração de ouro, ferro, manganês e tântalo. O novo texto mantém a extinção da Renca. A diferença é que tenta deixar explícitos cuidados que devem ser tomados nas eventuais atividades mineradoras que o governo espera atrair para aquela área na tentativa de engordar o PIB nacional. A menção aos cuidados ambientais era tênue no decreto anterior.
Ao anunciar a medida, o ministro das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, disse que a intenção é deixar as regras para exploração mineral na região mais claras e preservar as reservas ambientais e indígenas. De acordo com o ministro, “o novo decreto destaca a importância de se manterem intactas as terras indígenas e unidades de conservação”, e propõe mecanismos para auxiliar o controle da exploração mineral na região da extinta Renca.
Nenhum paraíso
Para o WWF-Brasil, o governo acerta ao trazer para o novo texto a importância dos cuidados ambientais e sociais para a extração mineral na Amazônia. No entanto, o novo decreto apenas frisa o que a legislação ambiental já previa.
De novidade, há apenas a criação do Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. “A efetividade do Comitê proposto no novo decreto depederá de uma política pública consistente para o setor da mineração, que inclua salvaguardas socioambientais e um pacto junto aos estados. E isso está longe de ser considerado no atual governo, incapaz de fazer neste momento uma mobilização que agregue os setores econômico e ambiental em torno de um projeto sustentável para a Amazônia”, disse Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil. Segundo a ONG, o novo decreto para a Renca é tímido e mantém os riscos socioambientais à região.
“Mais parece um esforço de retórica e comunicação do governo para fugir às críticas do que medidas que irão, de fato, garantir a sustentabilidade da atividade minerária na região”, destacou Jaime Gesisky, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, responsável pela publicação de um relatório em maio deste ano que antecipava as medidas do governo Temer para a mineração, incluindo a extinção da Renca.
O documento reafirma a posição do WWF-Brasil de não ser contrário à atividades econômicas na Amazônia, desde que elas ocorram de modo a garantir a integridade das áreas protegidas e o interesse das populações tradicionais, como ribeirinhos, extrativistas e povos indígenas.
Desde que anunciou a extinção da Renca, o governo foi alvejado por críticas de toda a sociedade, incluindo artistas e ambientalistas. A modelo Gisele Bündchen avaliou o decreto como uma “vergonha”. Em resposta, o governo divulgou nota para afirmar que a reserva “não é um paraíso como querem fazer parecer”. O ministro Fernando Coelho Filho tentou minimizar, dizendo que a extinção da Renca não torna “irrestrita” a atividade mineral na região.
Questionado sobre o novo decreto, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, disse que “houve muita confusão na percepção desse decreto por parte da sociedade como um todo”. Porém, o titular da pasta ambiental não havia sido sequer chamado para discutir os termos da abertura da Renca para a mineração, assunto tratado apenas entre o Ministério das Minas e Energia e o setor da mineração.
A menção aos cuidados ambientais e aos povos e comunidades tradicionais veio apenas com o novo decreto.
Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) o novo decreto é uma tentativa de “enganar a sociedade brasileira e a comunidade internacional”. Segundo ele, novo texto não muda nada, na prática e ainda mantém a ameaça de mineração nessas áreas, em oito unidades de conservação e duas reservas indígenas, declarou.
Leia íntegra do novo decreto
Revoga o Decreto nº 9.142, de 22 de agosto de 2017, que extinguiu a Reserva Nacional do Cobre e Seus Associados – Renca e extingue a Reserva Nacional do Cobre e Seus Associados – Renca para regulamentar a exploração mineral apenas na área onde não haja sobreposição com unidades de conservação, terras indígenas e faixa de fronteira.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e
Considerando a queda do desmatamento na Amazônia, atestado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia;
Considerando a necessidade de melhor explicar o que é a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados – Renca, localizada nos Estados do Pará e do Amapá, constituída pelo Decreto nº 89.404, de 24 de fevereiro de 1984, e o porquê de sua extinção;
Considerando a necessidade de melhor regulamentar e disciplinar a exploração mineral na área da extinta Renca;
Considerando a necessidade de fazer cessar a exploração mineral ilegal na área da extinta Renca;
Considerando a sobreposição parcial da área da extinta Renca com o Parque Nacional das Montanhas do Tucumaque, com a Estação Ecológica do Jari e com a Reserva Extrativista do Rio Cajari, que constituem unidades de conservação da natureza federais, nas quais é proibida a exploração mineral;
Considerando a sobreposição parcial da área da extinta Renca com a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, com a Floresta Estadual do Paru e com a Reserva Biológica Maicuru, que constituem unidades de conservação da natureza estaduais; e
Considerando a sobreposição parcial da área da extinta Renca com as terras indígenas Rio Paru D’Este, localizada no Estado do Pará, e Waiãpi, localizada no Estado do Amapá, e a inexistência de regulamentação do art. 231 da Constituição;
DECRETA:
Art. 1º Fica revogado o Decreto nº 9.142, de 22 de agosto de 2017.
Art. 2º Fica extinta a Reserva Nacional de Cobre e Seus Associados, reserva mineral constituída pelo Decreto nº 89.404, de 24 de fevereiro de 1984, localizada nos Estados do Pará e do Amapá.
Art. 3º Nas áreas da extinta Renca onde haja sobreposição parcial com unidades de conservação da natureza ou com terras indígenas demarcadas fica proibido, exceto se previsto no plano de manejo, o deferimento de:
I – autorização de pesquisa mineral;
II – concessão de lavra;
III – permissão de lavra garimpeira;
IV – licenciamento; e
V – qualquer outro tipo de direito de exploração minerária.
Art. 4º A autoridade competente para a análise dos títulos de direto minerário relativos à pesquisa ou à lavra em área da extinta Renca sobreposta a unidades de conservação da natureza federais ou a terras indígenas demarcadas iniciará os processos administrativos para o cancelamento dos títulos concedidos e indeferirá os requerimentos de novos títulos de direito minerário requeridos entre a criação e a extinção da Renca.
Art. 5º Nas áreas da extinta Renca onde não haja sobreposição com unidades de conservação da natureza federais, nas quais é proibida a exploração mineral, ou com terras indígenas demarcadas, a exploração mineral atenderá ao interesse público preponderante.
§ 1º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se atendido o interesse público preponderante quando houver:
I – a correta destinação e o uso sustentável da área;
II – o dimensionamento do impacto ambiental da exploração mineral;
III – o emprego de tecnologia capaz de reduzir o impacto ambiental; e
IV – a capacidade socioeconômica do explorador de reparar possíveis danos ao meio ambiente.
§ 2º A concessão de títulos de direito minerário nas áreas a que se refere o caput será precedida de habilitação técnica perante os órgãos e as entidades competentes.
§ 3º O início da explotação dos recursos minerais estará condicionado à aprovação pelos órgãos e pelas entidades competentes dos seguintes planos, observado o disposto em legislação específica:
I – aproveitamento econômico sustentável;
II – controle ambiental;
III – recuperação de área degradada, quando necessário; e
IV – contenção de possíveis danos.
Art. 6º Fica proibida a concessão de títulos de direito minerário a pessoa que comprovadamente tenha participado de exploração ilegal na área da extinta Renca.
§ 1º Nas solicitações de título de direito minerário apresentados por pessoas jurídicas, o solicitante deverá apresentar comprovação de que as pessoas naturais que compõem a sociedade, direta ou indiretamente, não estão impedidas de contratar com a administração pública e de que não tenham participado de exploração ilegal na área da extinta Renca.
§ 2º A proibição estabelecida no caput se aplica aos sócios, aos controladores dos sócios e às pessoas naturais que compõem, direta ou indiretamente, as empresas do mesmo grupo econômico da pessoa jurídica solicitante.
Art. 7º Caberá à Agência Nacional de Mineração, nas áreas da extinta Renca, a autorização para transferência do título de direito minerário, que somente será autorizada após decorrido o prazo de dois anos, contado da data da expedição do título, para as pessoas naturais ou jurídicas que comprovarem deter as mesmas condições técnicas e jurídicas do detentor original.
Art. 8º Nas áreas da extinta Renca onde haja sobreposição parcial com unidades de conservação da natureza federais e estaduais ou com terras indígenas demarcadas, ficam mantidos os requisitos e as restrições previstos na legislação relativa à exploração mineral em unidades de conservação da natureza, terras indígenas e faixas de fronteira.
Art. 9º Fica criado o Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, que será composto por um representante, titular e suplente, dos seguintes órgãos e entidades:
I – Casa Civil da Presidência da República, que o presidirá;
II – Ministério de Minas e Energia;
III – Ministério do Meio Ambiente;
IV – Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
V – Ministério da Justiça e Segurança Pública, escolhido dentre os servidores da Fundação Nacional do Índio – Funai; e
VI – Agência Nacional de Mineração.
§ 1º Serão convidados a participar do Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca:
I – um representante do Poder Executivo do Estado do Amapá; e
II – um representante do Poder Executivo do Estado do Pará.
§ 2º O Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca terá caráter consultivo e será ouvido pela Agência Nacional de Mineração antes da outorga de títulos de direito minerário relativos à área da extinta Renca.
§ 3º Os representantes dos órgãos referidos nos incisos I a IV do caput serão indicados pelos respectivos Ministros de Estado e designados em ato do Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República.
§ 4º Os representantes referidos nos incisos V e VI do caput serão indicados pelos dirigentes máximos das respectivas entidades e designados em ato do Ministro de Estado Chefe Casa Civil da Presidência da República.
§ 5º A participação no Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.
Art. 10. Ficam revogados:
I – o Decreto nº 89.404, de 24 de fevereiro de 1984; e
II – Decreto nº 92.107, de 10 de dezembro de 1985.
Art. 11. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Colaboração de Giovanna Leopoldi, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/08/2017
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Um dos motivos para extinção da Renca é cessar a exploração mineral ilegal na área. Ou seja, ao invés de reforçar a fiscalização para cessar a mineração ilegal, o Governo Federal faz o mais fácil (e o mais conveniente para eles, digamos de passagem): libera de vez exploração mineral, sem considerar os impactos negativos que com certeza virão, independente da regulamentação legal das áreas protegidas e terras indígenas! Brasil, um país de todos (só que não)!