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Funcionamento do Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco demonstra erros e fragilidade do projeto

 

Funcionamento do Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco demonstra erros e fragilidade do projeto. Entrevista especial com João Abner Guimarães Júnior

IHU

A denúncia do Ministério da Integração Nacional de que os agricultores da Paraíba estão usando indevidamente água do Rio São Francisco para irrigarem suas plantações tem como objetivo “esconder a fragilidade do projeto da transposição do São Francisco e evitar que esse debate mostre a fragilidade da obra do Eixo Leste de modo que possa inviabilizar o projeto do Eixo Norte”, afirma João Abner à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone. Segundo ele, “ao invés de o governo reconhecer que há um erro” na concepção do projeto de Transposição do Rio São Francisco, e tentar consertá-lo, “ele culpa os agricultores da Paraíba”.

O Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco foi inaugurado em março deste ano e ainda está em fase de teste, entretanto, segundo Abner, os problemas relacionados à perda de água não estão sendo discutidos. “Na época em que estavam elaborando o projeto da transposição, se estimava que as perdas seriam na ordem de 15%, mas elas já chegam a 60%. Logo, isso é um erro de projeto”, informa.

Na avaliação de Abner, é preciso “restabelecer o debate técnico acerca da discussão sobre a transposição, porque tem prevalecido apenas uma preocupação política e, diria, eleitoreira”. A dificuldade em retomar o debate do projeto da transposição, explica, se dá por conta do lobby em torno da obra. “A preocupação do lobby é não parar as obras do Eixo Norte e por isso eles não querem debater os problemas da obra do Eixo Leste, porque na hora em que se debate o Eixo Leste, essa discussão atingirá o coração do projeto do Eixo Norte, que consiste no desenvolvimento agrícola com água do Rio São Francisco”, diz. E frisa: “A preocupação que temos é que o governo federal, junto com o governo da Paraíba, está desenvolvendo um grande projeto, que é o maior projeto da história da Paraíba: consiste em um canal de quase 100 quilômetros, que vai captar água da barragem de Acauã e Boqueirão e levará a água para a região úmida da Paraíba para irrigar plantações de cana-de-açúcar com a água do Rio São Francisco. Isso é um absurdo. E depois o governo culpa os agricultores do Rio Paraíba porque eles estão utilizando uma água que tradicionalmente eles já utilizavam”.

João Abner
João Abner | Foto: Blog Apodiarioo

João Abner Guimarães Júnior é doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento e professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Sobre a transposição do Rio São Francisco, publicou diversos artigos, tais como A transposição do Rio São Francisco e o Rio Grande do Norte, O lobby da transposição e O mito da transposição.

Confira a entrevista.

IHU On-Line — Quais são suas críticas à denúncia do Ministério da Integração de que os agricultores da Paraíba estão usando, indevidamente, água do Rio São Francisco para irrigarem suas plantações?

João Abner Guimarães Júnior — Eu fiz uma crítica em relação à denúncia porque o número que o Ministério da Integração divulgou, de 20 milhões de metros cúbicos que foram desviados, é um número muito absurdo. Na primeira avaliação que fiz, eu considerei que a Bacia do Paraíba está recebendo água desde 19 de abril, e se essa água tivesse sido desviada por quatro meses, ao longo de cem quilômetros do rio, considerando as duas margens, essa água teria sido utilizada para uma infraestrutura pronta, mas o fato é que isso não existe e ninguém vai comprar equipamento de irrigação, pois custa muito caro. Portanto, fazendo as contas, seria necessário ter irrigação ao longo de cem quilômetros desse rio, nas duas margens, por cem metros, mas isso se mostra impraticável.

IHU On-Line — Sua crítica é de que a denúncia do Ministério é equivocada?

O governo não terá como esconder a fragilidade e as dificuldades do projeto de Transposição

João Abner Guimarães Júnior — Sim, é um valor equivocado e minha crítica é que o governo estava tentando justificar a fragilidade do projeto da transposição do São Francisco, culpando os agricultores da Paraíba. A própria nota oficial do governo é absurda, porque eles falaram em utilização de água num período de dois meses, mas tem água na bacia há quatro meses. Cada nota que é divulgada vai tornando a questão cada vez mais absurda. Isso mostra que o governo não terá como esconder a fragilidade e as dificuldades do projeto de transposição. A melhor estratégia que o governo tem para tentar conviver com esse problema é reconhecer a realidade e tentar melhorá-la.

Anos atrás fiz uma denúncia de que esse projeto da transposição poderia se transformar em um grande “presente de grego” para os nordestinos. Os agricultores da margem do Rio Paraíba têm muito a perder com a transposição do Rio São Francisco, e eles estão preocupados com isso também. O Rio Paraíba é o segundo em importância depois do Rio Piranhas e, historicamente, toda a ocupação de área no Nordeste há 300 anos se desenvolveu na margem do rio, ou seja, é na margem dos rios que se desenvolvem essas atividades de pecuária e agricultura. Então, ao tirar essa função dos rios, se está acabando com uma atividade histórica que existe há mais de 300 anos no Nordeste.

Esse projeto da transposição vai perenizar o leito de vários rios, como Jaguaribe, Ipiranga Sul Paraíba, que é um dos maiores. Logo, se os agricultores das margens desses rios forem excluídos do acesso à água, que eles tradicionalmente já utilizam, como eles vão viver? Essa é uma preocupação muito importante neste momento e ela está aparecendo agora, por conta do funcionamento da obra do Eixo Leste da transposição na Paraíba.

Discurso político

O discurso político afirma que a água da transposição será usada para garantir o desenvolvimento da população que vive próximo ao Rios Paraíba, Piranhas-Açu e Jaguaribe, no entanto a prática está mostrando que não é bem assim

Existem dois discursos sobre a questão da transposição: um técnico e outro político. O que vem prevalecendo é o discurso político, que associa a transposição ao grande projeto de desenvolvimento hidroagrícola do Nordeste. Apesar de vermos o discurso técnico concentrado na questão do abastecimento humano, onde se fala que 12 milhões de pessoas serão atendidas, o discurso político frisa que a água servirá para o desenvolvimento. O discurso político afirma que a água da transposição será usada para garantir o desenvolvimento da população que vive próximo ao Rio Paraíba, ao Rio Piranhas-Açu e ao Jaguaribe, no entanto a prática está mostrando que não é bem assim. Já apareceram problemas de projeto em relação a perdas enormes de água: há mais de 60% de perdas por condução, e somam-se a isso outras perdas relacionadas à evaporação, à infiltração, e outras questões que não se consegue corrigir no projeto. Na época em que estavam elaborando o projeto da transposição, se estimava que as perdas seriam na ordem de 15%, mas elas já chegam a 60%. Logo, isso é um erro de projeto.

Ao invés de o governo reconhecer que há um erro de projeto, e tentar consertá-lo, ele culpa os agricultores da Paraíba. Isso mostra que amanhã, quando o sistema estiver funcionando mesmo – hoje ele está em fase de teste –, os agricultores terão muitas dificuldades, mesmo no período de chuva normal. Então, é preciso considerar que o projeto estava errado, pois essa história de perenizar rio com água bombeada é um absurdo.

IHU On-Line — Esses mesmos problemas tendem a se repetir no Eixo Norte?

João Abner Guimarães Júnior — Muito mais no Eixo Norte, porque os rios Piranguçu e Jaguaribe são bem mais importantes e bem maiores do que o rio Paraíba. O Jaguaribe é o maior rio seco do país, que está perenizado pelo Castanhão. Todas as principais atividades agropecuárias dessas bacias estão na calha dos rios Jaguaribe e Piranguçu, porque as propriedades que estão nas margens são muito mais valorizadas. Tem que preservar o acesso ao rio, isso é fundamental, é vital para essas atividades.

Os agricultores da margem do Rio Paraíba têm muito a perder com a Transposição do Rio São Francisco, e eles estão preocupados com isso também

Pelo fato de o rio estar aparentemente seco, isso não quer dizer que não tem água. A água está lá, tem água subterrânea, tem um aquífero subterrâneo ali. Mas o pessoal, para ter um acesso melhor à água, faz barragens ao longo do rio, onde eles fazem a captação. Então, há uma parte no rio Paraíba onde foi encontrada uma dessas barragens, e os técnicos do governo e do Ministério da Integração estão denunciando aquela barragem como um crime, mas a barragem já existia muito antes da transposição chegar. Então, como isso pode ser considerado um crime? Isso é um absurdo. O problema todo é o erro original do projeto, da forma como ele foi redigido inicialmente. O governo não permitiu que o projeto fosse debatido. João Suassuna, eu e outros tentamos fazer esse debate desde 2000.

IHU On-Line – O Ministério de Integração solicitou o apoio do Ministério Público para garantir que as águas do Eixo Leste do Projeto de Integração sejam utilizadas, prioritariamente, para o abastecimento humano e animal, conforme determina a outorga da Agência Nacional de Águas – ANA, de 2005. Qual é nesse caso a postura do MP?

João Abner Guimarães Júnior – A melhor coisa que está acontecendo neste momento é o ingresso do Ministério Público nesse processo. Inclusive, o MP da Paraíba deveria ter entrado nesse processo à época da discussão acerca das questões ambientais envolvendo a transposição do Rio São Francisco. À época a obra foi embargada, mas era o MP da Bahia que estava envolvido nesse processo, e não o da Paraíba.

O que está faltando neste momento é restabelecer o debate técnico acerca da discussão sobre a transposição, porque tem prevalecido apenas uma preocupação política e, diria, eleitoreira. O governo deveria parar, colocar “os pés no chão” e discutir a transposição. O MP da Paraíba está se envolvendo nessa questão, mas acho que ele ainda não conseguiu viabilizar o debate que deveria acontecer, porque as pessoas pensam de forma diferente em relação à transposição. Por exemplo, eu concordo que numa situação de seca como a que estamos vivendo neste momento, que é uma das piores, o uso prioritário da água deve ser para o consumo humano, mas não é essa a intenção do governo da Paraíba e do governo federal quando se discute a questão, porque existe uma intenção do governo em recuperar o volume armazenado no açude Boqueirão. Mas a minha pergunta é: para que recuperar o volume do açude se a vazão que está chegando ali está sendo usada para o consumo humano? Se recuperar o volume de água, se aumentarão as perdas de água por evaporação. Inicialmente o Boqueirão estava com 3% de volume, e agora estão querendo elevar o nível para mais de 8%, ou seja, estão querendo mais do que duplicar o volume armazenado no Boqueirão. Por que aumentar o volume? Deveriam usar o Boqueirão como caixa de passagem, de modo que fosse possível entrar e sair uma quantidade de água. De outro lado, o governo deveria ter um cadastro dos agricultores que trabalham nas margens do rio Paraíba, porque eles precisam de água para consumo humano e animal. Agora, o modo como eles terão acesso à água deve ser discutido.

A minha crítica é em relação à denúncia feita pelo Ministério da Integração, a qual culpa os agricultores da margem do Rio Paraíba de serem responsáveis pela perda de água, quando na verdade isso acontece por conta da transposição do Rio São Francisco.

IHU On-Line – De que modo a transposição prejudica o cronograma de abastecimento das cidades paraibanas?

Na época em que estavam elaborando o projeto da Transposição, se estimava que as perdas seriam na ordem de 15%, mas elas já chegam a 60%. Logo, isso é um erro de projeto

João Abner Guimarães Júnior – Prejudica, especialmente em relação ao Eixo Leste na Paraíba. A minha preocupação é separar a questão do Eixo Leste e do Eixo Norte. Esse projeto vai se transformar num grande projeto de abastecimento, mas antes disso é preciso consertá-lo. Seria preciso prolongar os canais, criando adutoras de grande porte de modo que seja possível levar essa água para cidades como Campina Grande a um custo energético muito baixo, de modo que se possa distribuir a água para as cidades da Paraíba que necessitam.

Mas o que estão fazendo hoje é jogar essa água na calha do Rio: a água desce 150 metros no açude Boqueirão e depois ela se perde por conta de infiltrações, e então se bombeia a água de volta para Campina Grande. Portanto, é preciso corrigir isso. A Paraíba precisa de água, porque é o estado que tem menos água no Nordeste, e essa água virá do Eixo Leste. Pernambuco precisa de água e esse canal corta o estado de Pernambuco transversalmente, mas o estado tem várias adutoras para desenvolver e não há agricultura no Eixo Leste de Pernambuco.

A preocupação que temos é que o governo federal, junto com o governo da Paraíba, está desenvolvendo um grande projeto, que é o maior projeto da história da Paraíba: consiste em um canal de quase 100 quilômetros, que vai captar água da barragem de Acauã e Boqueirão e levará a água para a região úmida da Paraíba para irrigar plantações de cana-de-açúcar com a água do Rio São Francisco. Isso é um absurdo. E depois o governo culpa os agricultores do Rio Paraíba porque eles estão utilizando uma água que tradicionalmente eles já utilizavam.

Então, o Eixo Leste tem conserto, mas para isso é preciso pôr “os pés no chão”, viabilizar o projeto do canal da barragem de Acauã e transformar esse projeto num projeto de abastecimento humano. Agora, em relação ao Eixo Norte não tem jeito; ele é muito mais problemático do que o Eixo Leste, porque lá o rio e os reservatórios são bem maiores, o que significa que as perdas serão bem maiores. Além disso, não terá, no meio do caminho, consumo humano, porque nessa região só existem florestas. Só que a expectativa dos agricultores da região é que esse projeto vai possibilitar um novo desenvolvimento com irrigação da região, mas a questão é que a água do Ceará vai descer para o Castanhão. Na Paraíba vai acontecer a mesma coisa, ou seja, trata-se de um projeto fadado ao fracasso.

A maior dificuldade de debater esse projeto é por conta do lobby que está incrustado no Estado. A preocupação do lobby é não parar as obras do Eixo Norte e por isso eles não querem debater os problemas da obra do Eixo Leste, porque na hora em que se debate o Eixo Leste, essa discussão atingirá o coração do projeto do Eixo Norte, que consiste no desenvolvimento agrícola com água do Rio São Francisco.

O governo quer justificar a realização da obra do Eixo Norte dizendo que ela irá garantir o abastecimento humano, mas não é possível dizer isso, porque não há pessoas morando nesse trecho onde está sendo feita a obra. Tudo bem que parte de Fortaleza poderia ser beneficiada com essa obra, mas é possível, através de uma gestão adequada no Ceará, abastecer essa parte de Fortaleza. Então, na hora em que o governo culpa os agricultores da Paraíba, ele está querendo esconder a fragilidade do projeto da transposição do São Francisco e evitar que esse debate mostre a fragilidade do Eixo Leste de modo que possa inviabilizar o projeto do Eixo Norte, principalmente nesse momento de crise financeira do governo. Se aflorar um debate nacional questionando as obras do Eixo Norte, o governo vai ter que parar a obra e repensá-la. É isso que está em jogo hoje e os agricultores da Paraíba não têm nada a ver com isso.

 

(EcoDebate, 23/08/2017) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

 

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

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5 thoughts on “Funcionamento do Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco demonstra erros e fragilidade do projeto

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    O grande problema em uma obra é a “mortalidade infantil”, como são chamados os inevitáveis problemas que aparecem durante a fase de testes. Pelo porte da transposição, isso seria inevitável. No entanto, os números apresentados neste artigo são preocupantes.
    O Prof. João Abner afirma que já apareceram perdas enormes de água, tendo ele calculado que há mais de 60% de perdas por condução, sem contar perdas por evaporação e por infiltração.
    Não sei o que vêm a ser perdas por condução, visto que a lei da continuidade da Hidráulica não fala nesse tipo de perda de água.
    Quanto a perdas por evaporação, o professor esclarece que, quanto menor o volume de água no reservatório, menores são essas perdas. Como o Projeto São Francisco prima pelo uso dos reservatórios com menor volume, essas perdas serão bem menores que as que ocorriam anteriormente. Está previsto que o Boqueirão trabalhe com 8% de seu volume, visto que, com 3% como está atualmente, os riscos de abastecimento são maiores.
    Quanto às perdas por infiltração, estas só ocorrem nos trechos dos rios perenizados. Nos trechos em canais concretados, esse tipo de perda somente ocorrerá em caso de ruptura do concreto.
    O professor pergunta por que perenizar rios com água bombeada.
    O objetivo principal ao se passar água da transposição pelo leito de rios intermitentes não é simplesmente o de perenizar esses rios, mas, principalmente, o de que a água siga o curso determinado pela natureza. Por que construir canais de concreto em locais onde a própria natureza escavou leitos?
    No subsolo do leito dos rios atualmente intermitentes, a infiltração será alta no início, mas irá se reduzindo gradualmente à medida que o solo for se saturando.
    No entanto, mesmo estando o solo seco, perdas da ordem de 60% são inadmissíveis.
    É preciso que os cálculos dessas perdas sejam revistos.
    Tenho um palpite: se o volume de água no Boqueirão está aumentando, esse aumento de volume está sendo computado como perda.

  • Para esclarecer melhor:
    1) As perdas por condução ao longo dos canais incluem: a evaporação diretamente do espelho d´água dos canais e reservatórios intermediários, a infiltração pelas falhas do revestimento dos canais e a percolação profunda nos reservatórios intermediários no cristalino fraturado; dentre outros usos não previstos ou computados.
    2) As perdas por evaporação no açude Boqueirão, destino final para as água do projeto de transposição, são computadas no balanço hídrico do reservatório em m³/s, determinado por: afluxo final da transposição – evaporação (proporcional a área do espelho d’água do reservatório) – vazão do abastecimento humano (constante) = saldo de fluxo (variação de volume diário dividido pelo número de segundos de um dia).
    3) A partir do saldo de fluxo avalia-se o afluxo que chega ao açude boqueirão. Nos últimos dias o saldo de fluxo (variação de volume no tempo) encontrado no açude Boqueirão oscilou entre 0,810 e 1,505 m³/s. Portanto, considerando-se que as soma das perdas por evaporação com as retiradas para o consumo humano devem estar em 1,0 m³/s (antes da chegada da transposição se encontrava em 0,7 m³/s) chega-se a um afluxo máximo final de 2,5 m³/s. Agora, resta saber de quanto é a vazão inicial: se 4,5 m³/s para apenas uma bomba ou 9,0 m³/s para duas bombas funcionando simultaneamente.

  • Continuando os meus comentário…
    4) A questão das perdas ao longo dos 100 km do trecho perenizado do rio Paraíba com as água da transposição encontra-se no campo de estudo de perdas em trânsito em rios perenizados no semiárido, ainda pouco estudado Brasil. Destacando-se os estudos do Professor Titular da UFC da Área de Recursos Hídricos José Carlos de Araújo que chegaram a valores de perdas bastante expressivos para rios do CE, partindo de 30% em experimento no rio Jaguaribe e chegando a valores de 2,3% para cada Km, valor bastante alto, no rio Juazeiro.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Prof. João Abner, muito obrigado pelos esclarecimentos. Entretanto, como o senhor mesmo diz, as perdas em trânsito em rios perenizados no semiárido ainda são pouco estudadas no Brasil.
    Na realidade, as perdas em um rio perenizado tendem a ser menores que as perdas em um rio perene, pela razão seguinte: os rios perenizados, em geral, correm sobre solo cristalino, onde a infiltração somente se observa em fissuras de rochas.
    Cada caso é um caso, mas vamos analisar o rio São Francisco. O Velho Chico não tem nenhum afluente perene a jusante de Sobradinho. Contudo, ele não apresenta perda significativa entre a saída de Sobradinho e a foz. Comparemo-lo com o rio Juazeiro, que perde 2,3% de vazão a cada km. O São Francisco jamais chegaria à foz com uma perda semelhante.
    Portanto, concordo com sua observação de que a perda de água em rio perenizado ainda está no campo de estudos. A transposição vai ajudar nessa pesquisa.

  • Prezado Paulo, seguindo sua orientação, o Ministério da Integração deveria desenvolver estudos urgentes para avaliar as perdas em trânsito no rio Paraíba para, inclusive, orientar possíveis revisões no projeto do Eixo Norte, se possível antes da retomada das obras.

Fechado para comentários.