Estimativa da população da Índia e cenários de projeção: 1950-2100, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A Índia, que já teve a civilização mais avançada do mundo, vai comemorar os 70 anos da independência do jugo britânico no próximo dia 15 de agosto. O país que possui, atualmente, a segunda maior população do mundo (só perde para a China) e caminha para ser a nação mais populosa do globo a partir da próxima década.
A Índia tinha uma população de 376 milhões de habitantes em 1950 e passou para 1,34 bilhão de pessoas em 2017 e chegará a 1,383 bilhão em 2020, segundo dados da Divisão de População da ONU. Ou seja, acrescentou 1 bilhão de habitantes em 70 anos (muito mais do que toda a população da América Latina e Caribe que é de 646 milhões de habitantes em 2017).
Na projeção média da ONU, a Índia vai ter um pico populacional em 2061 com 1,679 bilhão de habitantes e no restante do século terá um decrescimento populacional e deve atingir 1,516 bilhão de pessoas em 2100.
Mas o futuro é incerto e a ONU trabalha com mais duas projeções. Na projeção alta a Índia atingiria 2,388 bilhões de habitantes em 2100 e na projeção baixa atingiria 907 bilhões de habitantes no final do século XXI.
As diferentes projeções se devem fundamentalmente às diferentes hipóteses sobre o comportamento das taxas de fecundidade. O gráfico abaixo mostra que a taxa de fecundidade total (TFT) na Índia estava em torno de 6 filhos por mulher na década de 1950 e começou a cair consistentemente a partir da segunda metade da década de 1960 até atingir 2,3 filhos por mulher no quinquênio 2015-20. Na projeção média, a TFT indiana deve ficar abaixo do nível de reposição a partir de 2030, devendo ficar em torno de 1,8 filho por mulher nas últimas décadas do atual século. Se a TFT ficar meio filho (0,5) acima da média a população irá para 2,388 bilhões em 2100 e se ficar meio filho abaixo da média, a população cairá para 907 milhões de habitantes em 2100. Ou seja, pequenas variações na taxa de fecundidade podem significar uma diferença de mais de 1 bilhão de habitantes até o final do século.
Os gráficos abaixo mostram a distribuição por sexo e idade da população indiana para alguns anos selecionados. Nota-se a pirâmide de 1950 tinha uma estrutura jovem, com cada novo grupo etário com volume maior do que o precedente. Mas a pirâmide de 2017 já apresentou os dois grupos etários mais jovens, menor do que os anteriores, o que reflete a queda da taxa de fecundidade.
Em termos de razão de sexo, a população indiana é composta por 694 milhões de homens e 645 milhões de mulheres. Este excesso de 49 milhões de homens reflete uma grande discriminação contra as mulheres e a prática do “fetocídio” que é comum entre os casais que privilegiam a chegada de uma criança do sexo masculino. O prêmio Nobel de economia, Amartya Sen tem denunciado a discriminação de gênero no que ele chama de “missing women”.
Nas pirâmides de 2050 e 2100 (de acordo com a projeção média) a distribuição etária vai mudar muito, refletindo o contínuo processo de envelhecimento populacional. Ou seja, a Índia está passando pelo processo de transição demográfica e atualmente está em plena fase do bônus demográfico.
Para aproveitar esta janela de oportunidade e garantir a melhoria da qualidade de vida da população, o país deveria investir pesadamente em educação, saúde e, principalmente, na geração de emprego para se atingir a plena ocupação e o trabalho decente. O desempenho econômico e social da Índia, especialmente nas duas últimas décadas, tem gerado um certo otimismo em relação ao futuro e à presença do país na comunidade internacional. Como parte importante dos demais BRICS, a Índia é considerada uma nação emergente e com presença marcante no cenário mundial.
Porém, o crescimento econômico não tem sido acompanhado pela geração de emprego e a solução dos graves problemas sociais. As políticas implementadas pelo Primeiro Ministro Narendra Modi não estão conseguindo aumentar a taxa de atividade e a escassez de empregos deixa uma “bolha de jovens” sem perspectiva de futuro. A Índia precisa gerar mais de 15 milhões de empregos por ano, apenas para absorver o crescimento vegetativo da força de trabalho.
Todavia, o maior desafio da Índia acontece na área ambiental. O país já sofre com a desertificação, a poluição dos rios e lagos, a falta de saneamento básico, a favelização e a pauperização da população e do meio ambiente. O déficit ambiental da Índia cresce de forma alarmante. Dados da Footprint Network, mostram que a biocapacidade total da Índia era de 217 milhões de hectares globais (gha) em 1961 e a pegada ecológica total era de 273 milhões de gha na mesma data. O déficit ambiental era de 53 milhões de gha. Mas em 2013 a biocapacidade total passou para 557 milhões de gha e a pegada ecológica para 1,361 bilhão de gha. Portanto, o déficit ambiental subiu para 804 milhões de gha. A Índia só fica atrás da China e dos EUA.
Nos últimos 25 anos havia quem acreditasse na possibilidade de que a Índia iria finalmente se tornar uma grande potência mundial, resolvendo seus problemas sociais e ecológicos. Mas os últimos dados estão mostrando que as dificuldades são enormes e que não vai ser fácil erradicar a pobreza extrema, diminuir as desigualdades e proteger o meio ambiente.
A Índia tem sofrido com secas, inundações, poluição, conflito entre o crescimento das áreas ecúmenas e diminuição das áreas anecúmenas, suicídio de pessoas desesperadas, etc. Cientistas do aquecimento global alertaram que os níveis da temperatura e as ondas mortais de calor no sul da Ásia, que abriga cerca de 1,5 bilhão de pessoas, poderão chegar a níveis inabitáveis até 2100. A Índia, o Paquistão e Bangladesh seriam as regiões mais afetadas.
Pelo lado demográfico, o futuro está aberto e a Índia pode ter um bônus ou um ônus demográfico, apresentando uma população, em 2100, acima de 2 bilhões de pessoas ou abaixo de 1 bilhão de habitantes. Tudo vai depender do comportamento futuro das taxas de fecundidade. Uma taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição pode até não solucionar os graves problemas sociais e ambientais da Índia, mas, sem dúvida, poderá evitar que a situação social e ambiental se deteriore com mais rapidez. O lado positivo é que a Índia planeja atingir 100% de energia renovável até 2030.
Como disse Mahatma Gandhi: “Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”. Nos 70 anos da independência da Índia, o desafio será desenhar um futuro com decrescimento populacional e proteção ambiental, apostando menos na quantidade e no tamanho do PIB e mais na qualidade, pois a grandeza de uma nação está na garantia do bem-estar da vida humana e não humana existente em suas fronteiras.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 11/08/2017
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