Análises geoquímicas temporais como método de monitoramento de parâmetros ambientais, artigo de Carlos Augusto de Medeiros Filho
Análises geoquímicas temporais como método de monitoramento de parâmetros ambientais, artigo de Carlos Augusto de Medeiros Filho
[EcoDebate] O grande crescimento populacional tem diretamente impactado a cobertura e o uso da terra e tem também modificado o ciclo biogeoquímico de muitos elementos, tanto na região urbana como na zona rural, em materiais como solo, sedimentos de corrente, poeira atmosférica e água superficial e subterrânea.
Estudos sobre contaminação por metais potencialmente nocivos têm sido conduzidos em muitas partes do mundo, tanto em países desenvolvidos, como em desenvolvimento. As medições da concentração desses elementos nos solos, sedimentos de corrente, poeira e águas são procedimentos fundamentais para avaliar as condições ambientais desses materiais. A contaminação por longo tempo é comprovadamente prejudicial à saúde humana e, consequentemente, é de grande importância documentar o legado da contaminação no sentido de saber como neutralizar ou eliminar as substâncias deletérias.
Background Natural é amplamente usado para inferir níveis de background refletindo processos naturais, não influenciados por atividades humanas. Pode-se argumentar que muitos valores ligeiramente elevados em solos e sedimentos em áreas do mundo que têm uma longa história de ocupação humana, agricultura, e ultimamente a indústria, refletem Background do Ambiente e não são mais Background Natural.
Uma forte e, muitas vezes, polêmica questão nos estudos geoquímicos ambientais é a caracterização e interpretação de valores elevados de um elemento químico. Essas concentrações outliers podem ser inseridas dentro da faixa de background natural ou serem interpretadas como anomalias geoquímicas geogênicas ou anomalias geoquímicas antropogênicas.
Na avaliação dos parâmetros ambientais de um material adota-se, normalmente e simplificadamente, os procedimentos de amostragem, análise química, tratamentos estatísticos e comparações com padrões pré-definidos ou valores de referência regulatórios (Tume et al., 2011; Desaules, 2012; Teng et al., 2014; Melo et al, 2017).
A composição geoquímica de um solo, por exemplo, depende de uma série de fatores como clima, material geológico original, topografia, atividade orgânica, tempo, além de contribuições antropogênicas. Essa série de importantes atributos conduz a uma grande variedade nos valores geoquímicos dos solos e, evidentemente, prejudica ou torna muito complexa a determinação de padrões de referências regionais. Salienta-se que além dos fatores geogênicos e antropogênicos, as concentrações dos metais e seus valores de referências dependem da fração granulométrica e do método analítico empregado (Medeiros Filho & Lima, 2016).
Um exemplo dessa complexidade pode ser dado pelos valores de referências para níquel em solos de algumas regiões do Brasil e do mundo. Melo et al. (2017) calculou em 17.2 mg kg?1 o valor de referência para os solos da planície costeira do Paraná, enquanto o valor adotado pela agência ambiental brasileira é de 30 mg kg?1 (Conama, 2009). Outros valores de referências no Brasil seriam 13.00 mg kg?1 em São Paulo (Cetesb, 2005); 9.10 mg kg?1 no Espírito Santo (Paye et al., 2010) e 2.10 mg kg?1 em Rondônia & Mato Grosso (Santos & Alleoni., 2013). Exemplos de valores de referências mundiais para níquel são 46.00 mg kg?1 na Itália (Angelone & Bini, 1992); 13.00 mg kg?1 nos Estados Unidos (Chen et al., 1991); 294.20 mg kg?1 em Cuba (Alfaro et al., 2015) e 7.40 mg kg?1 na Polônia (Dudka & Market, 1992). Observa-se, claramente, uma faixa ampla de limiares de referências que podem ser comparados para um determinado valor geoquímico de Ni em solo, o que torna sua avaliação complexa.
Uma alternativa ou uma complementação ao processo de comparação com valores de referências é a análise geoquímica periódica para uma mesma área. A confrontação e interpretação dos resultados analíticos em um mesmo sítio, em dois períodos diferentes, podem permitir avaliar, criteriosamente, o comportamento e a evolução ambiental de uma área estudada.
Xia et al. (2017), por exemplo, estudaram as mudanças de importantes parâmetros ambientais do solo na planície de Changjiang (China) por meio de estatísticas e sistema de informação geográfica (SIG) usando dados de uma pesquisa de solo realizada em 2004 e 150 amostras coletadas em 2014. Box plots foram usados para detectar mudanças nos parâmetros e / ou concentrações dos elementos. Foram, assim, observadas tendências de crescimentos nas concentrações carbono total orgânico, N, P, Cd, Pb e Se e diminuições nas concentrações de As e do pH.
Cabral et al. (2009), em outro exemplo, estudaram a evolução hidroquímica do nitrato em duas captações da porção Sul de Natal, abrangendo os bairros do Tirol e Nova Descoberta (Captação Dunas) e o bairro de Planalto (captação Planalto) e compreendendo o período de 1996 a 2006. Os tratamentos estatísticos desenvolvidos indicaram, para o bairro Planalto, que os resultados de nitrato estavam abaixo do limite de potabilidade vigente, mas existia uma tendência clara e preocupante de aumento com o decorrer do tempo nos teores desse parâmetro A situação da captação Dunas era mais grave e preocupante, já que os resultados para nitrato indicavam, na grande maioria dos casos, valores típicos de contaminação provenientes de efluentes domésticos. Além disso, era evidenciado o agravante de que esse processo de contaminação parece se incrementar com o passar dos anos. Esse aumento de nitrato teria uma correspondência direta com o aumento da densidade populacional associado à ausência de um sistema de saneamento apropriado.
As medições da concentração de elementos potencialmente nocivos nos solos, sedimentos de corrente, poeira e águas são, portanto, procedimentos fundamentais para avaliar as suas condições ambientais. Uma alternativa ou uma complementação ao processo de comparação com valores de referências é a análise geoquímica periódica para uma mesma área. A confrontação e interpretação dos resultados analíticos em um mesmo sítio, em dois períodos diferentes, podem permitir avaliar, criteriosamente, o comportamento e a evolução ambiental de uma área estudada.
Referências Bibliográficas
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Cabral, N. T.; Richetto, A. M.; Quieroz, M. A. 2009. Comportamento do nitrato em poços do aquífero Dunas / Barreiras nas explotações Dunas e Planalto, Natal, RN, Brasil. Eng Sanit Ambient | v.14 n.3 | jul/set 2009 | 299-306.
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Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 30 anos em Pesquisa Mineral.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 11/08/2017
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