A dialética fóssil de Michel Temer, artigo de Nicole Figueiredo de Oliveira
Como investimentos em petróleo e gás podem ajudar ou manchar ainda mais a imagem do governo brasileiro no cenário internacional
Não importa a cor dos trajes usados por Michel Temer durante a reunião de cúpula do G20, todos tinham um tom “envergonhado”. Vendo seu governo ruir a olhos nus, o presidente está mais empenhado em livrar a própria pele do que preocupado com a economia, a diplomacia ou quem dirá com o planeta. Temer quase desistiu de participar do encontro na Alemanha, mas uma vez lá, ele não poderia assumir outra postura que não aquela da cabeça baixa, dos ombros retraídos e do sorriso amarelo.
Perto do isolamento de Donald Trump, entretanto, até que sua imagem não estava de todo mal. O comunicado final da reunião, que reuniu as maiores economias do mundo, registrou o apoio dos 19 países, com exceção dos Estado Unidos, à manutenção do Acordo de Paris. O governo brasileiro reafirmou seu compromisso de combate “inadiável” ao aquecimento global e o cumprimento das metas estabelecidas no Acordo, recém-promulgado como lei nacional.
Mas como o presidente pode sustentar essa promessa se os combustíveis fósseis, maiores emissores de gases do efeito estufa, continuam no topo da sua lista de prioridades domésticas? Enquanto Temer participava do encontro em Hamburgo, o Plano Decenal de Energia 2026, aberto para consulta pública na última sexta-feira, prevê nada menos do que 70,5% de investimentos em carvão, gás e petróleo, em especial o do pré-sal, mantendo a mesma proporção do plano anterior. E isso só espelha o que já está sendo posto em prática pelo setor petrolífero do governo.
Na audiência pública que analisou o edital e contrato da 14a Rodada de Licitações da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP), que acontecerá em setembro, o superintendente de Licitações da ANP, Marcelo Castilho, afirmou que esta será a segunda dentre as dez rodadas previstas para os próximos dez anos. Além disso, com a nova política para o setor aprovada recentemente pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que permite a oferta permanente de blocos já licitados em terra e mar, a indústria fóssil tem sido cada vez mais fortalecida no cenário nacional.
Segundo relatório divulgado na última semana pela iniciativa Climate Transparency, que monitora as políticas climáticas dos países, o governo brasileiro gastou US$ 25,5 bilhões (R$ 76 bilhões) em 2014 para subsidiar carvão, petróleo e gás. O total inclui gastos com incentivos fiscais para o desenvolvimento de infraestrutura, regime tributário especial para equipamentos de exploração e produção de petróleo e gás, além da geração elétrica a carvão.
Como se não bastasse, outra ameaça ao clima, ao ambiente e à saúde da população tem retomado sua força junto ao governo. Desde a suspensão da 12a Rodada de Licitações, realizada em 2013 e que leiloou blocos para exploração não convencional de petróleo e gás de xisto, o método do fraturamento hidráulico – ou fracking – não vem à tona nos editais da ANP. Entretanto, recentemente o governo voltou a falar publicamente no assunto.
Durante a audiência da 14a Rodada, o diretor da ANP, Waldyr Barroso, admitiu que, mesmo não tendo isso explicitado no edital, podem haver áreas para exploração não convencional no próximo leilão. Alguns dias depois, o Ministério de Minas e Energia (MME) declarou que planeja realizar um projeto-piloto para “testar a exploração não convencional de óleo e gás” no país.
Isso só demonstra que o governo brasileiro não está honrando seus compromissos, e que a tão necessária transição para uma economia com baixas emissões de carbono, com recursos direcionados a fontes renováveis de energia, está muito mais distante do que as palavras de Temer podem fazer crer. Nesse ritmo, os limites de aquecimento estabelecidos pelo Acordo de Paris serão naturalmente ultrapassados.
Para frear as emissões de gases-estufa é preciso não só parar o financiamento aos fósseis como interromper a queima de todas as reservas de carvão, petróleo e gás existentes. As potenciais emissões de carbono nos campos e minas já operantes no mundo todo são suficientes para elevar a temperatura acima dos 2°C.
Continuar a investir na indústria fóssil significa financiar a crise climática global. O desinvestimento em combustíveis fósseis é mais urgente do que nunca e, ainda de quebra, pode ajudar a limpar a imagem do governo de Michel Temer, colocando o Brasil na liderança climática global. Mas para isso o presidente precisa tomar o caminho certo em suas decisões, só para variar um pouco.
*Nicole é Diretora da 350.org Brasil e América Latina
Fonte: 350.org Brasil e América Latina e COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/07/2017
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Eis o dilema: O Brasil não pode crescer porque não tem energia. Se crescer algo em torno de 4% estamos perdidos,, será um apagão total. A energia hidráulica tem os seus senões, a nuclear é discutível, as energia eólica e de biomassa estão engatinhando… O jeito é cumprir o acordo e ficar no escuro.